Fazenda: arcabouço flexibilizado em relação à LRF (EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr)
Redação Exame
Publicado em 20 de abril de 2023 às 17h59.
Última atualização em 20 de abril de 2023 às 18h28.
Após a apresentação do “arcabouço fiscal”, uma série de inferências iniciais baseadas na apresentação simplificada feita há um par de dias puderam ser revisitadas, a exemplo do efetivo compromisso com as metas de resultado primário e consistência da regra de gasto proposta.
A deterioração da confiança prévia no cumprimento da proposta apresentada se dá em razão tanto da definição anual e não plurianual das metas de resultado primário, bem como pela flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O PLP afastou as penalidades previstas pelo descumprimento da regra fiscal, bem como alterou a sistemática de reavaliação bimestral do orçamento, que deixa de ocorrer bimestralmente e passa para os meses de março, junho e setembro. Não há justificativa que embase as alterações.
Adicionalmente, também houve flexibilização da necessidade de contingenciar o orçamento de modo a garantir que as metas fiscais apresentadas sejam alcançadas, antes obrigatórias na LRF e agora, facultativas.
Chama a atenção que o contingenciamento voluntário tenha sido proposto na ausência de quadro de despesas de médio prazo (QDMP), margem orçamentária e aprimoramento das válvulas de espace, inovações que entregariam upgrade à regra proposta.
Os gatilhos em caso de descumprimento da regra, por sua vez, são praticamente inexistentes. Há apenas a redução do limite do crescimento gasto de 70% para 50% da arrecadação, cujo enforcement é demasiado frágil.
No tocante à limitação entre 0,6% e 2,5% ao ano para o crescimento do gasto, diante da ausência de penalidades e de gatilhos para a correção do desvio, o incentivo e enforcement para o seu cumprimento é evidentemente reduzido.
A elevada rigidez e indexação de benefícios como os da previdência, assistência, abono e seguro-desemprego ao salário mínimo, exerce notável fator expansionista sobre a despesa.
Incorporando as despesas com saúde e educação, cujo mínimo constitucional passam a vincular-se ao desempenho da arrecadação – fator que agudiza o viés pró-cíclico da regra fiscal –, cerca de 65% das despesas sujeitas ao teto impõem avanço real substancial e superior a 1,3%, no melhor cenário.
As demais despesas, notadamente com salário de servidores públicos, transferências de renda para o Bolsa Família e a instituição de piso crescente para os investimentos públicos, somados aos fatores anteriores, entregam avanço real do gasto de, no mínimo, 1,5% (g1). No cenário base (g2) e pessimista (g3), respectivamente, o avanço é próximo de 2% e maior ou igual a 2,5% a.a (tabela).
Principais despesas |
Part. (%) |
g1 |
g2 |
g3 | |
Ben. previdenciário |
0,46 |
0,92 |
1,15 |
1,38 | |
Abono e seguro-des. |
0,04 |
0,06 |
0,08 |
0,10 | |
Ben. assistenciais |
0,04 |
0,08 |
0,10 |
0,10 | |
Saúde & educação |
0,10 |
0,20 |
0,30 |
0,30 | |
Pessoal |
0,20 |
0,10 |
0,20 |
0,30 | |
Bolsa Família |
0,08 |
0,04 |
0,04 |
0,08 | |
Investimentos |
0,05 |
0,03 |
0,03 |
0,05 | |
Subtotal |
0,97 |
1,43 |
1,90 |
2,31 |
A indexação de 70% dos benefícios do RGPS, 100% dos benefícios do abono, 100% dos benefícios do BPC e cerca de 50% do seguro-desemprego, como se pode depreender, tem relação umbilical com a política de valorização do salário mínimo e, nesse sentido, tensiona mais ou menos o cumprimento já desafiador da regra de gasto.
Na ausência de surpresas extraordinárias e sistemáticas de arrecadação, a probabilidade de sustentação da regra proposta é baixa.
Some-se a isso o fato de a sensibilidade da receita recorrente ao PIB (i.e, da elasticidade) estar em declínio e próximo da unidade. Ou seja, para cada 1% de aumento do PIB, deveríamos esperar uma resposta também próxima de 1% das receitas recorrentes, evidência econométrica que desafia a lógica de sustentação do “arcabouço” proposto.
Na tabela abaixo, é possível identificar que, para que o gasto experimente um avanço de 2,5%, as receitas devem crescer 3,6% em termos reais.
Taxa real de cresc./ ε |
@1,25 |
@1,15 |
@1,10 | |
Despesa |
Receita |
Taxa real de cresc. PIB | ||
0,6 |
0,9 |
0,7 |
0,7 |
0,8 |
1,0 |
1,4 |
1,1 |
1,2 |
1,3 |
1,5 |
2,1 |
1,7 |
1,9 |
1,9 |
1,6 |
2,3 |
1,8 |
2,0 |
2,1 |
1,9 |
2,7 |
2,2 |
2,4 |
2,5 |
2,1 |
3,0 |
2,4 |
2,6 |
2,7 |
2,3 |
3,3 |
2,6 |
2,9 |
3,0 |
2,5 |
3,6 |
2,9 |
3,1 |
3,2 |
1,43 |
2,0 |
1,6 |
1,8 |
1,9 |
1,90 |
2,7 |
2,2 |
2,4 |
2,5 |
2,31 |
3,3 |
2,6 |
2,9 |
3,0 |
Uma vez que o PIB potencial do país é baixo, de apenas 1,5% ao ano e na ausência de contrarreformas, fica evidente que o crescimento econômico requerido é demasiado otimista.
Mesmo no cenário base, em que a despesa avança 2% ao ano, o PIB precisaria crescer sistematicamente entre 2%/2,5% ao ano para que a regra de gasto seja cumprida.
Depreende-se, portanto, que o ceticismo quanto à solidez e à viabilidade da proposta resulta de limitação matemática.
*Gabriel Barros é bacharel em economia pela UFF, com MBA em gestão avançada em finanças pela mesma universidade. É mestre em economia e finanças pela FGV/EPGE e doutorando em economia e políticas públicas pela FGV/EPPG. Foi pesquisador de economia aplicada na FGV/Ibre, economista-sênior do BTG Pactual, economista-chefe da RPS Capital e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal. Atualmente é sócio e economista-chefe da Ryo Asset.