Economia

Dá para decolar?

Com três vezes mais passageiros que em 1994, o Aeroporto de Congonhas está saturado. A Infraero tem planos de ampliação, mas a resistência das associações de moradores emperra tudo

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h54.

Da janela de seu apartamento no bairro do Campo Belo, o executivo Paulo Saab, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), avista a cabeceira da pista do Aeroporto de Congonhas, a cerca de 4 quilômetros. Saab não só enxerga o vizinho como escuta o barulho que ele faz. "É duro agüentar quando esquentam as turbinas", diz. Morador do bairro há dez anos, Saab acha que essa inconveniência é compensada pela facilidade de poder chegar ao maior aeroporto doméstico do país em poucos minutos. Saab viaja muito de avião e embarca no mínimo duas vezes por semana em Congonhas. Nos últimos anos, percebeu uma mudança dramática: "As salas de embarque estão sempre lotadas e há fila para tudo, até no banheiro". Outros problemas apontados pelo executivo: "O estacionamento é indecente e há congestionamento de pessoas e veículos de apoio até na área de acesso às pistas".

O diagnóstico feito por Saab coincide em boa parte com o da Infraero, empresa estatal que administra Congonhas e outros 64 aeroportos no Brasil. O velho aeroporto paulistano é o segundo maior do país em movimento de passageiros (atrás apenas do aeroporto internacional de Guarulhos) e o primeiro em movimento de aeronaves. O outro aeroporto da cidade é o Campo de Marte, na Zona Norte. Juntos, os três são responsáveis por um terço da receita da Infraero, que no ano passado faturou 1,2 bilhão de reais e obteve um lucro líquido de 161 milhões de reais.

A Infraero tem dinheiro para investir e reconhece que os problemas de Congonhas são graves, mas virou refém de uma ação movida por moradores contrários à sua ampliação. Desde 1994, início do Plano Real, o número de passageiros em Congonhas triplicou. O terminal existente foi projetado para receber 7 milhões de passageiros por ano. A estimativa é de chegar neste ano a 11,5 milhões de pessoas, 10% mais que em 2000. "O desconforto em Congonhas está perto do limite", diz Fernando Perrone, presidente da Infraero. "Congonhas é um aeroporto de negócios e reflete a pujança de São Paulo. A falta de um aeroporto urbano de qualidade pode se tornar uma restrição para o desenvolvimento da cidade."

Mais que aviões

Primeiro presidente civil da Infraero, Perrone não vê um aeroporto como simples centro de operações de aeronaves. "Um aeroporto é hoje um centro de negócios", afirma. Segundo uma pesquisa feita há três anos pela Infraero, o passageiro típico de Congonhas é o executivo que viaja a negócios (63% do total) e fica pouco tempo no aeroporto (47% permanecem menos de 30 minutos, sem contar o tempo de espera nas salas de embarque). Pelo tipo de público e pela proximidade dos bairros centrais, a vocação de Congonhas não é se tornar um aeroshopping, ou seja, um centro de comércio capaz de atender os passageiros e atrair os moradores da vizinhança. "A demanda em Congonhas é por serviços de conveniência, incluindo escritórios virtuais para reuniões de negócios", diz Willer Furtado, superintendente do aeroporto.

A Infraero tinha planos grandiosos para Congonhas. O primeiro projeto de reforma, de 1995, previa a renovação do terminal de passageiros, a implantação de um segundo terminal e a construção de dois edifícios-garagens com capacidade para 5,1 mil vagas, de um hotel e de um pequeno shopping center. O projeto morreu na maquete. A licitação para a construção do primeiro edifício-garagem foi feita em 1996 e as obras começaram no ano seguinte, mas logo foram suspensas. Moradores de bairros vizinhos, liderados pelo Movimento Defenda São Paulo, uma ONG criada em 1993, conseguiram uma liminar para paralisar as obras. A entidade apontou sete irregularidades no projeto, entre elas a derrubada de árvores, a falta de um estudo prévio de impacto ambiental e a alegação de que o empreendimento estaria invadindo uma praça pública. A Infraero conseguiu derrubar a liminar, mas a ação ainda não foi julgada. Criou-se então um impasse. A Infraero tenta um acordo com o Defenda São Paulo para a retirada da ação, mas as negociações têm sido tensas. Os dois lados se acusam de intransigência.

No Defenda São Paulo, que diz reunir 120 associações de bairro, há até partidários da desativação completa de Congonhas. "O aeroporto nem deveria ter sido construído ali, pois a área é inadequada", diz Antonio Cunha Nascimento Heitor, presidente do Movimento de Moradores do Campo Belo. Isso pode até ser verdade diante do quadro de hoje, mas, em 1936, quando foi construído, Congonhas era um descampado. Só havia chácaras, cortadas por uma estrada recém-construída (a atual avenida Washington Luís) que ia até Santo Amaro. Com a inauguração do aeroporto, os empreendimentos imobiliários se multiplicaram. Hoje, os bairros de Campo Belo, Moema, Jabaquara, Santo Amaro e Saúde, que circundam o aeroporto, reúnem mais de 500 mil habitantes. Ao contrário do que afirma o presidente do movimento de moradores, foi a cidade que invadiu Congonhas.

Ampliação ou encolhimento?

O ponto central do impasse entre a Infraero e o Defenda São Paulo é a maneira como o aeroporto se insere na cidade. A opinião da maioria dos ativistas é de que ele pode continuar no local, desde que opere em menor escala. É essa a posição da arquiteta Regina Monteiro, presidente do Defenda São Paulo e moradora da região. "Congonhas é uma referência urbana e buscamos uma convivência harmoniosa", afirma. As obras pretendidas pela Infraero, segundo ela, iriam aumentar o número de passageiros, piorando o trânsito e agravando os problemas de poluição sonora e ambiental. A ONG quer que a Infraero limite o número de passageiros em Congonhas a 4 milhões ou 5 milhões por ano. Os vôos de longa distância seriam transferidos para Guarulhos. "Para isso, é preciso viabilizar o acesso rápido a Cumbica", diz Regina.

Para Perrone, da Infraero, aeroporto é como feira-livre: todos querem ter por perto, mas não na rua em frente. "Não somos nós quem determina onde os paulistanos devem pegar avião. É o mercado que escolhe Congonhas", diz. A oposição dos moradores levou a Infraero a reduzir o tamanho de seu projeto original. Estrategicamente, a estatal evita a palavra "ampliação". A expressão oficial é "adequação do aeroporto à atual demanda". O plano da Infraero é agora ampliar -- ops! --, adequar a capacidade do terminal para 12 milhões de passageiros por ano. As obras custariam 40 milhões de reais, uma pequena parcela dos 3,5 bilhões de reais que a empresa pretende investir em infra-estrutura aeroportuária no país entre 2000 e 2006. O terminal renovado ganharia oito pontes de embarque, para evitar a circulação de passageiros e ônibus nos pátios entre as aeronaves. Outro projeto prevê a construção de um único edifício-garagem, com 2 550 vagas. O investimento, estimado em 15 milhões de reais, caberia à concessionária que explora o atual estacionamento de Congonhas, a Sao Parking, que tem hoje 1,3 mil vagas a céu aberto.

Risco de acidente

A proximidade do aeroporto traz sempre à tona a discussão sobre o risco de acidentes. No início de novembro, uma comissão especial da Câmara Municipal divulgou um relatório recomendando a redução do número de pousos e decolagens de 228 mil, no ano passado, para 195 mil, em 2002, e para 100 mil, em 2003. A comissão foi formada depois do último acidente na região, em 5 de junho, quando um bimotor Navajo caiu sobre uma casa perto do aeroporto. O piloto morreu e dois moradores ficaram feridos. "É preciso reduzir o número de vôos em Congonhas para diminuir o risco potencial de acidentes", afirma o piloto Carlos Camacho, diretor de segurança de vôo do Sindicato Nacional dos Aeronautas e morador de Moema. Nos horários de pico, a cada 80 segundos uma aeronave pousa em Congonhas ou decola de lá.

Desde outubro, o movimento no aeroporto foi reduzido de 52 para 45 pousos e decolagens por hora. O Departamento de Aviação Civil (DAC) diz que a restrição foi imposta não por motivo de segurança, mas para evitar o excesso de tráfego nos horários de pico. A aviação geral, que inclui táxis aéreos e jatinhos particulares, representa 40% do movimento de aeronaves em Congonhas. Para diminuir o gargalo, a alternativa mais discutida tem sido a da transferência dos aviões pequenos para outros aeroportos da região. David Barioni Neto, vice-presidente técnico da Gol Transportes Aéreos, diz que é preciso aparelhar o Campo de Marte e os aeroportos das cidades vizinhas para receber as pequenas aeronaves. "Diante das limitações físicas de Congonhas, não é possível que um avião com três pessoas ocupe o lugar de outro que transporta mais de 140 passageiros", diz Barioni. Os proprietários das pequenas aeronaves não aceitam o papel de vilão. "Reservar Congonhas para aviões grandes seria como proibir carros particulares e permitir que apenas ônibus circulassem na cidade", diz Décio Corrêa, presidente da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (Appa).

A polêmica promete continuar, mas a maioria parece concordar num ponto: é preciso aprender a conviver com Congonhas. No passado, o aeroporto era um lugar de lazer para as famílias que o freqüentavam nos fins de semana. Por causa disso chegou a ser batizado pelos cariocas irreverentes de praia de paulistano. "São Paulo tem a felicidade de contar com três aeroportos que operam com padrões internacionais aceitáveis", diz o arquiteto e consultor aeroportuário Ricardo Guerra Florez. "A tendência do negócio aeroportuário é voltar para onde está a demanda", afirma. Segundo ele, em cidades como Londres, Paris e Frankfurt, as autoridades acham que foi um erro ter construído aeroportos longe das áreas urbanas. Melhor sorte tem Buenos Aires. Além do aeroporto internacional de Ezeiza, situado fora do perímetro urbano, a capital argentina conta com o Aeroparque, a poucos minutos do centro da cidade. Florez diz que, quando o projeto da Infraero sair do papel, Congonhas já estará novamente saturado. O consultor afirma que muitos dos problemas de Congonhas surgiram porque a administração do aeroporto sempre foi desvinculada da gestão municipal. "Qualquer obra no aeroporto tem impacto sobre a cidade", diz. Num ponto fundamental, Florez concorda com a Infraero: "A cidade tem de preservar Congonhas. É um patrimônio acumulado em 65 anos".

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