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Crise de energia abala o mundo (e o Brasil) e ameaça retomada; entenda

Volta da produção provoca corrida por gás natural: preços disparam com risco de escassez e provocam alta do petróleo; bola de neve impacta inflação no Brasil, em meio à falta de chuvas

Alta demanda por gás e petróleo gera crise de energia no mundo (Anton Petrus/Getty Images)
CA

Carla Aranha

Publicado em 13 de outubro de 2021 às 06h30.

Última atualização em 14 de outubro de 2021 às 08h03.

Alta demanda por gás e petróleo gera crise de energia no mundo (Anton Petrus/Getty Images)

Ao parar em um posto de gasolina há duas semanas, o americano John Peterson, de Oaklahoma City, ficou estarrecido: o galão do combustível havia subido para mais três dólares. “Estávamos acostumados a gasolina barata e essa escalada de preços está surpreendendo”, diz. Nos Estados Unidos, as remarcações na bomba de combustível não têm parado pelo menos desde janeiro, acompanhando o que tem acontecido em boa parte do mundo.

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Em setembro, o barril de petróleo atingiu 80 dólares, a maior cotação dos últimos três anos. A disparada de preços do gás natural chama ainda mais a atenção: na Europa, os aumentos já chegam a 1.000% este ano.

A alta de preços dos dois insumos está por trás por uma das maiores crises energéticas dos últimos anos, que também atinge o Brasil – embora por motivos diversos. “Aqui, a falta de chuvas provocou uma limitação grande das hidrelétricas, e, com isso, o país tem precisado importar mais gás natural para abastecer as usinas térmicas”, diz Rivaldo Moreira Neto, sócio da consultoria Gas Energy. “No resto do mundo, a retomada está impulsionando uma busca maior por combustível em um momento em que várias petroleiras quebraram nos Estados Unidos, por causa da pandemia, e a Europa sofre para conseguir gás natural”.

Os estoques do insumo já estavam baixos, principalmente na Europa, quando começou a retomada econômica. E, com a produção industrial em alta, a demanda por gás natural disparou – o produto não só abastece as usinas termelétricas como também é matéria-prima essencial para alguns dos principais setores industriais europeus, como a fabricação de fertilizantes e bebidas gasosas.

“No último inverno, que foi longo e gelado, aumentou a procura por gás para aquecimento, o que abaixou os estoques, e ao mesmo tempo há limitações na produção na Rússia e Noruega”, diz Laura Page, analista sênior da consultoria multinacional Kpler, em entrevista à EXAME.

Na falta de gás, os países têm recorrido ao petróleo, já que o diesel pode ser utilizado em ao menos parte das usinas. “Acreditamos que o barril de petróleo pode chegar a 90 dólares até o final do ano, com impactos na inflação global”, diz Matt Smith, especialista em petróleo da Kpler. “Os governos talvez não estivessem preparados para um aumento tão grande, o que vem provocando até desencontros sobre como atuar para manter a inflação sob controle e garantir o abastecimento de combustível”.

Na semana passada, o departamento de energia americano protagonizou um vai-e-vem incomum sobre as exportações de petróleo. No último dia 6, a secretária Jennifer Granholm chegou a dizer que os Estados Unidos iriam bloquear as vendas externas do combustível com o objetivo de equilibrar a oferta e a demanda no país, mas voltou atrás em menos de 24 horas.

No Reino Unido, o problema é considerado ainda mais preocupante, principalmente no que se refere ao gás natural. Os baixos estoques do insumo e os preços nas alturas podem impactar as cadeias de produção. O produto é utilizado em larga escala por indústrias como a de carnes, em que os animais consomem o produto antes do abate, e na fabricação de fertilizantes.

A crise chegou a tal ponto que o primeiro-ministro Boris Johnson vem considerando a concessão de subsídios para o setor de energia. Um dos pontos focais é tentar manter as rédeas sobre a inflação e evitar prejuízos substanciais a vários setores da economia.

O preço do carvão, que abastece usinas na China e em outras partes do mundo, também segue em alta, com um aumento inédito de 250% no ano, na disputa mundial por matéria-prima para produzir energia. A crise já bateu à porta: no final de setembro, 22 das 34 unidades administrativas da China sofreram interrupções no fornecimento de energia. No nordeste do país, também foram registrados apagões. Diante desse cenário, o mercado financeiro já prevê um crescimento menor do país este ano, reduzindo as expectativas de aumento do PIB de 8,5% para 8%.

Os temores em relação a um viés inflacionário mundial com impactos na retomada do pós-pandemia também vêm se acirrando. Nos Estados Unidos, a alta do petróleo deve provocar um aumento na inflação de 0,4 pontos percentuais nos próximos meses, segundo o JPMorgan Chase.

Brasil

“Os aumentos no petróleo e do gás influenciam a inflação no mundo todo, mas dependendo a política do combustível, como no Brasil, pode levar a resultados particulares”, diz Callum Bruce, analista da Goldman Sachs, em entrevista à EXAME.

Segundo um levantamento da Fundação Getúlio Vargas, a gasolina tem um peso de quase 6% na composição da taxa da inflação, seguida pela energia elétrica (4,8%). Semana após semana, o mercado vem elevando as projeções para a alta de preços – o último boletim Focus, desta segunda, 11, aumentou a expectativa do IPCA de 8,51% para 8,59%. “No que se refere à questão energética, os preços devem continuar pressionados nos próximos meses devido à crise hídrica e a maior necessidade de acionamento das termelétricas”, diz Rivaldo Moreira Neto, sócio da consultoria Gas Energy.

O acionamento das usinas térmicas, mais caras do que as hidrelétricas, já é 40% superior este ano em relação a 2020 e 2019, segundo a Goldman Sachs. Na busca por matéria-prima para a geração de energia, o Brasil se tornou um dos principais importadores do mundo de gás natural.

Entre janeiro e setembro deste ano, o país comprou 5,1 milhões de toneladas de gás natural do mercado internacional, um recorde, de acordo com a Kpler. Durante todo o ano de 2020, as importações somaram 2,4 milhões de toneladas e, em 2019, totalizaram 2,3 milhões. Ao mesmo tempo, em julho a geração de energia pelas hidrelétricas chegou ao nível mais baixo desde 2002, segundo a Kpler.

A previsão é que o pico da demanda pelo insumo aconteça neste mês. E, se não chover o suficiente para encher os reservatórios nos próximos meses, não está afastado o risco de apagão. “O volume de precipitações vem caindo nos últimos anos, mas pouco se fez para tomar medidas que evitassem a crise atual”, diz Neto. “Precisamos fazer um debate sério sobre essa questão”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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