Economia

Conheça a receita de Jeffrey Sachs para acabar com a pobreza

Para o economista, a globalização deve aumentar a riqueza nos países em desenvolvimento, mas só a ajuda das nações mais ricas poderá erradicar de vez a miséria no planeta

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h44.

O economista Jeffrey Sachs quer erradicar a miséria do planeta. Como? Eis a receita: basta que os países ricos destinem mais ou menos 1% de suas riquezas às áreas mais atingidas pela pobreza. Com esse dinheiro, seria possível fazer investimentos em infra-estrutura, saúde e educação. O problema, diz Sachs, é que a ajuda foi prometida, mas nunca entregue. Ele falou a EXAME da sede do Instituto da Terra, entidade criada por ele na Universidade Columbia, em Nova York. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

A globalização vai resolver o problema da miséria?

Ela não vai solucionar o problema por si só, mas é uma força poderosa. O desenvolvimento não é um processo inevitável. Há muitos lugares no mundo que não progridem. A globalização permite que países pobres dêem saltos tecnológicos e alcancem rapidamente os países de maior renda. Foi o que aconteceu com a China nos últimos 25 anos e com a Índia, nos últimos 15. Espero que aconteça com o Brasil nos próximos 15. O país teve períodos de crescimento rápido, mas não por muito tempo seguido. Agora, o crescimento voltou a acontecer.

Os críticos apontam que a globalização pode reduzir a miséria, mas também aumenta as desigualdades. O senhor concorda?

Há alguma verdade nisso. Em qualquer país, haverá regiões mais beneficiadas do que outras. Nos últimos 20 anos, regiões urbanas capazes de se conectar à rede mundial de tecnologia da informação tiveram melhores resultados. Indústrias, serviços financeiros e empresas de mídia tiram proveito desse fenômeno, enquanto o campo geralmente fica para trás. A globalização certamente não impulsiona todos os setores de uma economia na mesma medida. Isso levanta algumas questões. As regiões que ficaram para trás serão beneficiadas por tabela? Sim, mas o ganho não será comparável ao das regiões líderes. Outra questão: há algo que a sociedade possa fazer a respeito da desigualdade crescente? Acredito que a resposta também seja positiva. É preciso fazer investimentos públicos - em educação, infra-estrutura, saúde e assim por diante -, para garantir que os benefícios sejam compartilhados por igual, e ao mesmo tempo preparar o terreno para que os investimentos estrangeiros e as melhorias tecnológicas cheguem por igual a todos os pontos do país.

O senhor costuma dizer que é a economia, e não a política, o melhor remédio contra a pobreza extrema. Deixando de lado considerações morais, o senhor pode dar razões econômicas para atacar o problema?

A razão básica é que a pobreza extrema é um anacronismo. A renda per capita média mundial hoje é de cerca de 9 000 dólares e, nos países ricos, pode ficar entre 35 000 e 40 000. Como em alguns lugares do mundo ela pode ser de apenas 350, ou mesmo 1 000 dólares? É simplesmente um choque, uma afronta à sociedade saber que há gente morrendo de fome enquanto outros se beneficiam do moderno desenvolvimento econômico. Você pode dizer que essa é uma discussão moral, mas eu diria que ela também é pragmática. Enquanto tivermos esse tipo de miséria, vamos conviver com instabilidade, doenças, imigrações em massa, crescimento populacional acelerado, conflitos armados, degradação ambiental e berços para o terrorismo. Com um pouco de ajuda externa, que dure tempo suficiente para reconstruir a infra-estrutura básica e cuidar da saúde e da educação da população, países hoje miseráveis podem também tirar vantagem do movimento mundial de crescimento econômico. E eu não sou a favor da redistribuição de riqueza como um fim em si. O que eu sugiro é algo mais direcionado e específico: tirar as amarras que impedem a chegada do crescimento a algumas partes do mundo.

Existe uma receita única que possa ser empregada em todo o mundo? Nas suas experiências com a abertura econômica de países da América Latina e do Leste Europeu, fatores regionais, geográficos e estruturais foram decisivos no sucesso ou no fracasso das reformas.

Há princípios gerais que se aplicam em todos os casos, mas certamente eles precisam ser adaptados. Faço a seguinte analogia: na agricultura é necessário ter boa terra, sol, boas sementes e água suficiente. Em alguns lugares há sementes, mas falta água; em outros o solo é o problema. Cada lugar tem seus fatores limitantes. Na Europa do leste, o fator limitante eram as políticas econômicas, pois a infra-estrutura básica estava lá. Mas não havia malária, e ninguém morria de fome. O que recomendei, portanto, foram reformas de mercado. Na África, é outra situação: falta de tudo. É preciso fazer os investimentos básicos.  Para ser parte da economia global, você precisa ter uma boa força de trabalho, tanto em saúde como em capacitação, uma infra-estrutura básica de estradas, eletricidade, portos e conectividade. Também é necessário ter produção regular de comida e acesso à água. E é preciso ter um governo decente, que não jogue os esforços por terra.

O senhor já estimou o custo de erradicar a pobreza...

Eu disse que o mundo rico deveria gastar cerca de 0,7% do PIB global a cada ano. A riqueza produzida pelos países ricos é algo em torno de 35 trilhões de dólares. Portanto estamos falando algo como 240 bilhões de dólares ao ano. Não é tanta coisa, afinal é menos de 1% do PIB do mundo desenvolvido, mas faria muita diferença. Conseguiríamos resolver questões básicas, controlar doenças como malária e AIDS, e o mundo rico mal sentiria. É muita miopia não fazer nem sequer esse pequeno investimento. Mas acho que agora precisaremos gastar um pouco mais.

Por quê?

Porque haverá um acréscimo para que o mundo rico ajude os países pobres a lidar com a mudança climática. Isso não fazia parte da conta inicial, e talvez represente alguns décimos percentuais a mais no valor. Mas, insisto, estamos buscando desenvolvimento sustentável, e a um custo muito baixo.

O senhor mencionou a mudança climática. Nos paíse ricos, o assunto parece receber muito mais atenção do que a miséria. Por quê?

É simples: o aquecimento global atinge as pessoas nos países ricos. A miséria tem de ser imaginada. É como a AIDS e a malária. Não quero fazer comparações nem dizer que uma doença é mais grave que a outra, mas sem dúvida a AIDS recebeu muito mais atenção, pois houve muito mais casos da doença. Ou seja, uma doença foi compreendida pelas sociedades desenvolvidas; a outra, não. Agora, com o furacão Katrina, as secas na Austrália e as ondas de calor na Europa, eles sentem o problema diretamente. E isso é uma força muito poderosa.

Como estão as metas de redução da pobreza estabelecidas pelo senhor no chamado Projeto do Milênio, da ONU?

Na África subsaariana, estamos caminhando muito devagar para atingir os objetivos. Eu atribuo isso a investimentos insuficientes, pois a ajuda não veio. O que me preocupa é que os países ricos prometeram ajuda à África, mas ainda não entregaram. Foram muitas palavras, mas pouca ação.

Num país como o Brasil, onde a miséria não é um problema tão dramático como na África subsaariana, o senhor diria então que a prioridade é investir em educação?

Ainda há alguns bolsões de pobreza no Brasil, especialmente no Nordeste, onde faltam investimentos básicos em infra-estrutura e há regiões sujeitas a condições climáticas extremas. Mas, em geral, o sucesso crescente do país é resultado de políticas de educação e ciência e tecnologia. Diria que essas políticas têm de ser incentivadas ainda mais, pois é daí que haverá retornos certos.

Há uma sensação no país de que talvez estejamos ficando para trás de China e Índia, tanto em termos educacionais como de crescimento econômico.

Certamente nas taxas de crescimento econômico, mas não podemos esquecer que a economia brasileira ainda é mais rica que a da China, em termos médios. Segundo a ONU, a renda per capita brasileira é de 7 500 dólares, contra 6 000 dólares na China, ajustadas por paridade de poder de compra. Ou seja, os chineses estão atrás dos brasileiros. Mas eles estão chegando, e rápido. Acredito que o Brasil possa chegar a 6% ou 7% de crescimento econômico anual, e isso vai significar ainda mais redução da pobreza.

Há uma divisão de modelos na América Latina. De um lado está a Venezuela e seu intervencionismo cada vez mais pronunciado e, do outro, o Brasil, cada vez mais inserido na economia mundial. O senhor vê um risco de que o continente opte pelo modelo intervencionista?

O modelo de Hugo Chávez é ter petróleo, com preços batendo em cem dólares o barril. É o dinheiro que vem dos campos de petróleo que permite que ele siga esse rumo atual. O Brasil não tem essa opção, por isso tem de se esforçar mais. E a maioria dos países também não tem essa opção. Portanto, não recomendaria a estratégia de Chávez para outros - ninguém tem condições de arcar com ela.

Que papel países como Brasil, Índia e China têm a desempenhar na luta contra a miséria?

Podem ter um papel significativo, pois conhecem o problema de perto e têm tecnologias e conhecimentos mais apropriados para combater o problema. Se o Brasil usasse o conhecimento que tem da indústria do etanol para ajudar países como São Tomé e Príncipe ou Moçambique, por exemplo, seria uma grande contribuição, e não haveria nenhuma ameaça aos mercados do país. A China também está muito envolvida na África. Em parte pelo interesse nos recursos naturais do continente e pela busca de influência geopolítica, é claro, mas há um grande investimento em curso. E a Índia tem uma longa lista de tecnologias que estão sendo usadas, especialmente no campo da saúde, como hidratação, remédios genéricos, novas abordagens para garantir a sobrevivência de recém-nascidos e assim por diante.

E com relação às empresas? O que elas podem fazer a respeito?

Acredito que as empresas devem olhar para seus negócios centrais para saber como podem ajudar no combate à miséria. Existem companhias que lidam com tecnologias fundamentais, como energia solar, remédios e serviços financeiros, logísticos e tecnológicos. Elas devem se perguntar: "Como posso ajudar?" Acredito que os negócios sejam, em primeiro lugar, negócios. Ou seja, não espero que se comportem como grandes entidades caridosas. Mas espero que as empresas coloquem suas inovações à disposição - em troca de pagamento, claro: "Se um governo cobrir nossos custos, vamos abrir mão dos lucros e vamos transferir tecnologia". Penso nos produtores de etanol e nos grandes produtores agrícolas brasileiros, por exemplo. Não quero dizer a um empresário o que fazer, porque eu não sei, e também não vou pedir contribuições em dinheiro, pois não é disso que se trata. E também é importante levar em conta a chance de operar em mercados ainda inexplorados. Por que não ter um projeto na África? Mesmo que você não esteja lá hoje, vai querer estar no futuro. Trabalho com várias companhias. A Ericsson ajuda a criar redes de telecomunicações, a Sumitomo Chemical distribui mosquiteiros antimalária, a Novartis fornece remédio contra a doença, a KPMG ajuda com a contabilidade e assim por diante. Cada uma dessas empresas fornece suas inovações para combater a miséria, e a resposta é muito positiva: ajuda a levantar o moral dos funcionários e até mesmo a atrair talentos.

Recentemente, Al Gore juntou-se a um enorme fundo de capital de risco, na condição de assessor. Há um grande esforço de inovação na luta contra as mudanças do clima. Poderemos esperar algo semelhante no que diz respeito à pobreza?

Bem, os seus "clientes" não têm dinheiro para pagar por essa inovação. Os capitalistas de risco investem em energia por causa dos ricos. Eles apostam que, quando as tecnologias estiverem prontas, as novas fontes energéticas serão adotadas por causa de regulamentações ou impostos sobre as fontes poluidoras. Quando lidamos com a pobreza, o que conta é a melhoria social, não o ganho financeiro. Portanto, não podemos esperar a mesma torrente de capital na luta contra a pobreza. Mas, graças ao alto preço das commodities e ao apetite da China por matérias-primas, os primeiros sinais de investimentos na África começam a aparecer. E já se fala, ainda que de maneira muito incipiente, que alguns países africanos possam ser os novos emergentes. É claro que não se compara ao que conhecemos hoje por países emergentes. Mas os países que receberam o auxílio de melhor qualidade estão chegando perto de obter crescimento auto-sustentado, e então poderemos ver mais investimentos nesses países, pois eles precisam.

O senhor é conhecido por seu otimismo. Mudou de idéia?

Não. Sei que algumas medidas podem ter efeito muito rápido. Países africanos podem dobrar ou triplicar sua produção de comida em três anos, pois sofrem com a falta de fertilizantes e sementes de boa qualidade. Se houvesse uma aceleração da ajuda, o progresso seria imediato. Doenças como a malária, que mataram até 2 milhões de crianças, podem ser controladas em poucos anos, pois há remédios e técnicas para isso. Ou seja, temos as condições técnicas, mas não conseguirmos colocá-las em uso. Então diria que meu otimismo é condicionado. Ele é posto à prova diariamente.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Economia

Brasil exporta 31 mil toneladas de biscoitos no 1º semestre de 2024

Corte anunciado por Haddad é suficiente para cumprir meta fiscal? Economistas avaliam

Qual é a diferença entre bloqueio e contingenciamento de recursos do Orçamento? Entenda

Haddad anuncia corte de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024 para cumprir arcabouço e meta fiscal

Mais na Exame