CNI: aumentar juros é um exagero
Em entrevista ao site EXAME, Robson Braga de Andrade, da CNI, diz que não há inflação de demanda no Brasil que justifique uma alta da Selic
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
Última atualização em 19 de fevereiro de 2019 às 15h55.
Brasília O presidente interino da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade , que assume o cargo em definitivo em outubro, afirma que é um exagero o Banco Central elevar novamente os juros. "Além de jabuticabas, nós somos os únicos no mundo a ter juros altos", diz o empresário.
Nesta quarta-feira (21), o Comitê de Política Monetária (Copom) decidirá o que fazer com a taxa básica de juros. Em entrevista ao site EXAME, o empresário mineiro afirmou que o aumento da Selic será um contrassenso. "Quando a gente começa a entrar num ritmo de crescimento acima de 5% ou 6%, vem o Banco Central e quer voltar para os 4%. É sempre um jogo contra."
Na entrevista a seguir, Robson Braga de Andrade fala sobre as prioridades do setor industrial, as expectativas em torno do futuro governo e os planos de sua gestão, entre outros temas.
EXAME - O Copom deve deliberar mais uma alta de juros nesta quarta-feira (15). O que o senhor acha de mais uma possível alta nos juros?
Robson Braga - Acho que é demais, um exagero. Nós temos hoje uma economia que está crescendo, desenvolvendo - e a CNI fez recentemente uma pesquisa com o empresariado que mostra otimismo com a economia. Há crescimento no país com manutenção dos investimentos e isso é bom demais para o Brasil. Isso gera emprego, gera renda. O aumento de juros parece um contrassenso. O Banco Central fica tentando preservar a moeda, ser o guardião do controle monetário do país através de uma política de aumento de juros que reduz o consu mo, reduz o crescimento, reduz a taxa de emprego. É uma política que no mundo inteiro não é praticada, o Brasil tem uma das taxas de juros mais altas do mundo. Será que nós somos os únicos certos? Além de jabuticabas, nós somos os únicos no mundo a ter juros altos. Não tem sentido essa política. Acho que não existe um risco de inflação de demanda porque nós não estamos chegando ao limite da capacidade produtiva do país. Nós temos ainda um espaço grande para crescer a produção. Nós temos que trabalhar muito na questão da produtividade e da competitividade e isso vai aumentar a nossa capacidade de produzir e de colocar produtos no mercado de tal maneira que não haja um aumento inflacionário de demanda. Nós ficamos um pouco a reboque das decisões do Banco Central.
EXAME - Alguns especialistas estãoesperando que a alta desta vez seja um pouco menor, de 0,5 ponto percentual. O senhor acha que a subida mais baixa que as anteriores é um sinal de que o Banco Central está percebendo uma menor necessidade de ajustar os juros?
Braga - É um sinal, mas é um sinal fraco que não adianta nada porque nós estávamos indo num ritmo de redução das taxas de juros que era aquilo que estava ajudando o desenvolvimento. Se nós estamos tendo uma economia desejada pelos outros países é justamente pelo nosso crescimento e parece que é pecado crescer porque quando a gente começa a entrar num ritmo de crescimento acima de 5% ou 6% vem o Banco Central e quer voltar para os 4%. É sempre um jogo contra.
<p class="pagina"><strong>EXAME - O senhor acha então que seria possível manter um ritmo de crescimento melhor sem este tipo de interferência?</strong></p>
Braga - Com certeza, crescemos na produção, crescemos na economia. O Banco Central considerou que os aumentos que houve no início do ano eram sinais de retomada de inflação ou de risco de retomada de inflação, mas na verdade foram aumentos sazonais que todo an o acontece. Principalmente nos alimentos, na recomposição de estoques, muitas fábricas estavam em férias coletivas, então isso faz com que reduza a produção e, portanto, aumente o preço. Mas não era um sinal de que precisava ficar em estado de alerta.
EXAME - Quais as previsões da CNI para o segundo semestre deste ano?
Braga - Nós não vamos crescer no ritmo que estávamos crescendo no primeiro trimestre, porque foi um ritmo muito forte. O que deve acontecer agora é uma estabilidade no crescimento, mas acho que o país vai crescer até o fim do ano entre 6% e 7%. A indústria deve crescer mais forte que isso, devendo chegar a 8% até o fim do ano. E acho que para o ano que vem a gente pode contar com um crescimento de PIB que vai variar entre 4,5% e 5,5%. Existem alguns fatores desconhecidos que podem surgir com o novo governo. No Brasil o governo é mais do que um indutor da economia e do desenvolvimento, ele participa muito fortemente, pri ncipalmente dos investimentos públicos. O governo brasileiro tem investido muito pouco na infraestrutura. Nós estamos falando que o Brasil precisa atingir uma relação investimento/PIB em torno de 22% e estamos em 18%. Crescer quatro pontos percentuais não é fácil.
EXAME - E quais são as expectativas para o próximo governo?
Braga - Nos discursos dos principais candidatos - José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) -, a gente vê a intenção de ampliar o investimento público no Brasil, principalmente na parte de infraestrutura. Mas o primeiro ano de governo é um ano de organização, de constituir a equipe, então sempre tem um certo espaço entre o início do governo e as realizações. Além disso, eu acho que o próximo governo vai ter que cuidar de alguns ajustes fiscais, principalmente dos gastos públicos. Isso pode reduzir um pouco a nossa expectativa de crescimento para 2011, mas por outro lado acho que para que o Brasil continue cresc endo a taxas superiores a 5%, há algumas condicionantes: a desoneração dos investimentos, pois hoje qualquer empreendedor paga os impostos antes de começar a produzir, e isso não existe em lugar nenhum do mundo; a desoneração das exportações, pois o Brasil exporta imposto e ninguém que compra lá fora quer comprar imposto. A contrapartida do imposto é a prestação do serviço e ela é feita no país de origem. Nós estamos perdendo competitividade em relação a outros países por fatores como esse. A taxa cambial, a alta carga tributária das exportações, uma infraestrutura deficiente e a burocracia brasileira nas exportações também são problemas. Esses fatores precisam ser trabalhados pelo país para melhorar o ambiente de negócios a partir de 2011.
EXAME - A exportação de commodities acaba se beneficiando dessa falta de competitividade? É arriscado ficar na mão do mercado internacional?
Braga - Eu acho que as pessoas colocam ex portação de commodities como uma coisa ruim, mas penso que não. Exportar commodities é bom, se puder exportar mais, melhor. Nós somos muito competitivos na exportação de commodities porque os preços desses produtos estão elevados. Existe uma demanda no mercado internacional, tanto por minério quanto por alimentos como café e soja. Essa demanda faz com que o produto brasileiro tenha um mercado quase que garantido lá fora. Os preços estão bons e nós temos condições excepcionais para produzir commodities. Mas precisamos também exportar os produtos elaborados, uma coisa não compete com a outra, elas se complementam. Só que para exportar os produtos manufaturados ou com conteúdo tecnológico precisamos de condições que não temos hoje. O mercado lá fora é muito exigente, temos poucos acordos bilaterais, comerciais. Nosso acordo com o Mercosul não privilegia a criação de outros acordos bilaterais do Brasil com a União Europeia, Estados Unidos ou outros países. Nós precisamos investir muito em inovação tecnológica para que o produto brasileiro ganhe competitividade pela inovação e pela produtividade.
<hr> <p class="pagina"><strong>EXAME - Quais são os principais problemas enfrentados para a produção de manufaturados? </strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga -</strong> Precisamos desonerar nossas exportações, porque é impossível exportar com a quantidade de imposto. E na cadeia produtiva brasileira há incoerências muito grandes. A energia é um custo importante na produção de qualquer bem e no Brasil o imposto sobre a energia é 100%. As pessoas acham que é 50%, mas é 50% sobre o valor de venda. É 100% sobre o custo da energia. O transporte no Brasil é muito caro e as poucas ferrovias que nós temos estão sendo utilizadas para transportar produtos primários. Nossos portos e aeroportos não estão preparados. Essas coisas precisam ser trabalhadas a partir do ano que vem. </p> <p class="pagina"><strong>E</strong><strong>XAME - Na<a target="_blank" href="http://portalexame.com/economia/eleicoes-2010/noticias/ao-vivo-dilma-serra-marina-enfrentam-sabatina-cni-563005.html"> sabatina proposta pela CNI aos presidenciáveis</a>, o senhor fez uma apresentação sobre as reformas necessárias no país. O que o senhor acha que falta para que as reformas sejam realizadas?</strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga - </strong>Algumas reformas são imprescindíveis: as reformas Política, Tributária e Trabalhista. Elas são básicas. Não se pode ficar a cada dia que passa discutindo, nós precisamos parar de gastar energia com essas questões pra gastar energia competindo, lá fora. Todos os candidatos estão sempre prontos a fazer as reformas, eles acham a reforma importante e são a favor de fazer uma reforma. Mas para fazer qualquer reforma é necessário negociar com a sociedade, com os prefeitos, com os governadores e com o Congresso e nenhum candidato tem recurso para isso.</p> <p class="pagina"><strong>EXAME - O senhor acha que falta mobilização da sociedade para pressionar os parlamentares a aprovarem as reformas, a exemplo do Ficha Limpa?</strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga - </strong>Eu acho que a sociedade não está preparada para defender seus direitos. A experiência do Ficha Limpa foi muito positiva e a gente vai aprendendo à medida que as necessidades vão aumentando.</p> <p class="pagina"><strong>EXAME - O candidato a vice na chapa de Marina Silva, Guilherme Leal (sócio da Natura), disse, em recente entrevista ao site EXAME, que falta empresário na política. O senhor concorda?</strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga -</strong> Não concordo com esta posição, acho que a política tem que ser representada pela sociedade de maneira geral.</p> <p class="pagina"><strong>EXAME - E o senhor acha que está bem representada?</strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga - </strong>Nós temos que ter bons representantes, aprender a votar e a cobrar.</p>
<hr> <p class="pagina"><strong>EXAME - O senhor está como presidente interino, mas assume o cargo oficialmente em outubro. Quais são os planos para sua gestão?</strong> </p> <p class="pagina"><strong>Braga -</strong> A CNI hoje, pelo trabalho desenvolvido pelo Armando Monteiro Neto (presidente licenciado, para concorrer a uma vaga de senador pelo PTB-PE) tem uma visibilidade, uma respeitabilidade muito grande e por enquanto quero dar continuidade a iss o. Por outro lado, para o futuro nós temos um trabalho de longo prazo que já foi elaborado que é o mapa estratégico da indústria. Mas apesar de ser da indústria, ele vê o Brasil como um todo, ele entra em áreas de segurança jurídica, infraestrutura, de educação, de tecnologia. Dentro deste mapa temos metas e rumos para perseguir. Temos alguns desafios para o futuro, vamos ter que continuar trabalhando na formação e qualificação dos trabalhadores para uma nova indústria, mais inovadora. Temos uma contribuição muito grande a dar na saúde do trabalhador, principalmente na saúde ocupacional, na melhor forma de trabalhar. Outro desafio grande é o novo governo que vai entrar. A CNI tem o papel de discutir as questões de exportação, investimento, infraestrutura, questões ambientais e de tecnologia com o próximo governo.</p> <p class="pagina"><strong>EXAME - O senhor teria alguma meta que gostaria que fosse um marco em sua gestão à frente da CNI?</strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga -</strong> Não te nho números, mas à frente da CNI, temos que fazer com que a CNI seja uma entidade parceira do governo e que possa proporcionar junto ao governo essas mudanças que o governo almeja, e ser reconhecida como tal. Além de fazer com que a indústria nacional seja inovadora e competitiva, para defender seus interesses tanto no mercado brasileiro, como no mercado externo.</p> <p class="pagina"><strong>EXAME - Como o senhor avaliaria a relação da CNI com o governo hoje? </strong></p> <p class="pagina"><strong>Braga - </strong>É uma relação muito boa, muito próxima. O presidente Armando Monteiro construiu essa relação de diálogo, de transparência, que permite discutir os assuntos importantes. Isso foi uma conquista da CNI e do setor industrial.</p> <p class="pagina"><strong>EXAME - E essa boa relação deve continuar no próximo governo?<br></strong></p> <strong>Braga -</strong><span style="""font-weight:bold;"> </span>Acho que vai continuar porque nós vamos trabalhar para manter. Mas como a relação traz benefício não só para o setor industrial e privado, mas também para o país e para o governo do ponto de vista de gestão e de propostas, qualquer governante vai querer preservar esta relação.