Capitalismo explica maior vitória climática global
Sucesso do mercado de energia renovável marca a maior vitória na luta contra o aquecimento global. Avanço, porém, não vem por causa de benfeitores morais
Ligia Tuon
Publicado em 20 de setembro de 2019 às 15h00.
Última atualização em 20 de setembro de 2019 às 15h28.
O presidente da maior empresa privada de carvão do mundo sentou-se diante de um grupo de legisladores dos Estados Unidos que queriam saber se o combustível tinha futuro. Ele não hesitou. "O carvão", disse, "é o futuro".
Isso foi em 2010. O carvão respondia por quase metade da energia nos EUA, segundo depoimento do executivo, e estava crescendo a um ritmo 1,5 vez mais rápido do que o petróleo, gás natural, energia nuclear e renováveis combinados. A demanda global subiu 53% em duas décadas. E a energia renovável? Não era uma opção.
"As energias eólica e solar representam apenas 1% do mix energético atual dos EUA", disse Gregory Boyce, na época presidente da Peabody Energy, aos membros do Congresso. "Não é realista sugerir que as energias renováveis possam substituir os combustíveis convencionais de carga de base."
Não é bem assim. Em abril, pela primeira vez na história, o fornecimento de energia renovável superou a do carvão na rede dos EUA: o sinal mais evidente de que as energias solar e eólica agora podem enfrentar os combustíveis fósseis. Em dois terços do mundo, essas energias se tornaram as formas mais baratas de eletricidade.
As fontes solar e eólica responderão por metade da energia global até 2050, com base nas previsões da BloombergNEF. A essa altura, o carvão e a energia nuclear terão praticamente desaparecido nos EUA, expulsos por fontes renováveis mais baratas e gás natural.
O sucesso do mercado de energia renovável marca a maior vitória na luta contra o aquecimento global. As fontes solar e eólica estão proliferando não por causa de benfeitores morais, mas porque agora são a parte mais rentável dos negócios de energia na maior parte do mundo. Um setor que antes dependia de pesados subsídios e era sustentado por mandatos de governos agora está cada vez mais independente.
No esforço para atrasar as mudanças climáticas, o setor de energia é importante.
Tradicionalmente, a geração de eletricidade é a maior fonte mundial de emissões de gases de efeito estufa. Nos EUA, pela primeira vez desde a década de 1970, esse não é mais o caso. Desde 2016, as usinas americanas emitem menos dióxido de carbono do que o setor de transporte do país, onde o petróleo continua a dominar. A mudança deve muito ao gás natural barato e de combustão mais limpa, mas os parques eólicos e solares desempenham um papel cada vez mais importante.
Os recursos solares, eólicos e hidrelétricos combinados geram mais de 25% da eletricidade do mundo. Na China e na Índia, essa participação ultrapassará 60% até 2050, segundo estimativas da BNEF. Na Europa, essa parcela será de 90%.
A energia renovável não salvará o mundo sozinha. A geração de energia é responsável por cerca 25% das emissões de gases de efeito estufa lançadas na atmosfera nos EUA. O restante vem principalmente do transporte, fábricas, agricultura, aquecimento e refrigeração de residências e empresas.
Esses setores precisarão acompanhar os avanços tecnológicos e a manufatura mais eficiente, que reduziram os custos de energia solar e eólica. Os preços das baterias caíram 84% em menos de uma década. Peças mais baratas tornaram a construção de instalações solares e eólicas mais econômica do que as usinas de carvão e gás em dois terços do mundo.
Nos EUA, o gás natural permanece o rei da matriz energética, respondendo por cerca de 40% da eletricidade do país. Mas a participação das energias renováveis está subindo rapidamente, chegando a 25% no início do ano.
No entanto, o gás é cada vez mais atacado. Berkeley, na Califórnia, tornou-se a primeira cidade dos Estados Unidos a proibir o gás em novos imóveis e empresas no início do ano. Legisladores de Seattle a San José avaliam proibições. O governo britânico propôs uma proibição semelhante.
Em regiões do mundo em desenvolvimento, o carvão ainda domina. A China abriga a maior capacidade de energia hidrelétrica, eólica e solar, mas continua sendo a maior consumidora mundial de carvão. O sonho do Paquistão de gerar 60% de sua energia a partir de fontes de energia limpa ainda está a décadas de distância. Na Indonésia, as usinas de carvão são tão baratas de operar que o país do Sudeste Asiático deve dobrar sua geração de carvão nos próximos 25 anos.
A crescente divisão ressalta um dilema global: os países ricos podem se dar ao luxo de dar as costas ao carvão, mas o combustível continua a ser uma alternativa fácil em países onde a eletricidade é escassa, instável ou inacessível.
(Com a colaboração de Will Wade e Eric Roston)