presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto Mesa: presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado (Edilson Rodrigues/Agência Senado/Flickr)
Redação Exame
Publicado em 22 de agosto de 2023 às 14h48.
Última atualização em 23 de agosto de 2023 às 08h07.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sinalizou nesta terça-feira, 22, que o Banco Central segue atuando para mudar a atual política de juros do rotativo do cartão de crédito. Segundo ele, como a participação do cartão de crédito no consumo brasileiro é alta na comparação com outros países, não fazer nada pode ser pior do que qualquer mudança em discussão.
"Precisamos achar uma solução em que o parcelado sem juros não pode sofrer nenhuma ruptura. Não temos como dizer qual vai ser a solução e, às vezes, não fazer nada talvez possa ser pior do que tentar achar uma solução organizada", disse durante a participação no evento do Santander.
Campos Neto afirmou, por outro lado, que a inadimplência acima de 50% no rotativo mostra que "há algo de errado" com essa linha de crédito. Ele ainda disse que é preciso considerar que a inadimplência vista no cartão de crédito nos últimos meses também é fruto da rápida expansão da oferta, puxada majoritariamente por novos players de mercado.
"O negócio de crédito é um negócio de assimetria de informação. Isso fez com que alguns desses entrantes novos da operação de cartões tivessem inadimplência alta com juros altos", afirmou o presidente do BC.
Campos Neto disse que uma solução desorganizada pode gerar problemas para o consumo no país. Ele citou dados que mostram que os cartões de crédito representam 40% do consumo no Brasil. "Você pode concluir ou pelo menos especular que o cartão de crédito faz uma função além do que deveria", afirmou ele.
Ainda de acordo com o presidente do BC, o cartão de crédito é 20% do crédito no Brasil, e nesse produto, só um terço das operações têm cobrança de juros, seja no rotativo, seja no parcelado. Com isso, cerca de 15% do crédito no País não tem a incidência de juros, comentou.
O presidente do Banco Central afirmou que aumento da incerteza fiscal ao tratar da dinâmica recente do câmbio. "Tem um pouco de prêmio de risco da incerteza fiscal, que parece que aumentou um pouquinho nas últimas duas ou três semanas", disse Campos Neto, referindo-se à desvalorização do real frente ao dólar no último mês. Ele considerou, porém, que o movimento reflete em maior parte fatores externos.
Durante o evento, Campos Neto lembrou de movimentos cambiais bastante diferentes nos últimos anos. Houve momentos, pontuou, nos quais o real se depreciou a despeito da redução do risco, como no período de "overhedge", que elevou as compras de dólares. Posteriormente, a desvalorização cambial esteve associada à piora na percepção de risco fiscal.
Agora, pontuou o presidente do BC, o câmbio está sendo guiado pelo aumento do diferencial com os juros americanos, já que há bons títulos privados nos Estados Unidos pagando 7% ao ano, atraindo assim investidores, em paralelo à desaceleração da economia chinesa, a qual o Brasil tem alta exposição.
Conforme Campos Neto, ao mesmo tempo em que exporta desinflação, a perda de tração da China gera questionamentos sobre o crescimento do Brasil.
O presidente do BC disse que mesmo com as regras previstas no novo arcabouço fiscal, que ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados, os gastos no Brasil devem crescer acima da média dos países emergentes. De acordo com ele, o País precisa discutir a estrutura do gasto público, e reduções feitas nos últimos governos foram conjunturais, como o congelamento dos reajustes salariais do funcionalismo público.
"No Brasil, se gastou em termos reais muito mais do que no mundo emergente nos últimos anos e mais do que no mundo desenvolvido", disse ele. Campos Neto afirmou que, ainda assim, é importante o País ter um arcabouço fiscal com credibilidade.
Na apresentação feita por Campos Neto, os dados apontam um crescimento real de 7,5% na despesa do governo geral no Brasil neste ano, contra uma média de 1% na América Latina. Para o ano que vem, as projeções são de queda de 1% no Brasil e de 2,7% no continente; em 2024, apontam para alta de 3,3% no Brasil, e queda de 0,9% na América Latina.
"Isso significa que nós temos um trabalho para fazer em termos de gastos, e que não é um trabalho fácil, não é uma coisa desse governo nem de outro governo, é uma coisa estrutural brasileira" disse ele. "Nós tivemos alguns momentos onde tentaram cortar gastos, mas em grande parte foi conjuntural, não foi estrutural."
Campos Neto afirmou que um eventual aumento da meta de inflação brasileira não daria mais liberdade à política monetária. A atual meta é de 3% ao ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo.
"Aumentar a meta de inflação não nos dava grau de liberdade, ao contrário, nos tirava", disse Campos Neto, durante participação em evento do Santander, realizado em São Paulo nesta terça-feira.
O debate sobre um possível aumento do centro da meta aconteceu no começo deste ano, estimulado pelo governo Lula, que defendia que o índice perseguido pela política monetária fosse maior.
Entretanto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) manteve a meta, mudando, entretanto, o horizonte de ano-calendário para meta contínua a partir de 2025. Campos Neto disse que houve uma série de ruídos nos debates relativos à meta no início do ano.
Campos Neto contou que o "voto de Minerva" já havia sido dado no encontro anterior do colegiado, realizado em junho. O presidente do BC lembrou que havia, em junho, uma divisão entre os diretores da autarquia sobre sinalizar ou não a abertura do ciclo de flexibilização monetária. Enquanto um grupo queria manter a porta fechada a um movimento de corte na reunião seguinte, outro desejava abri-la.
Assim, contou Campos Neto, o seu "voto de Minerva" foi determinar, na ocasião, que deveria constar da ata do Copom a informação de que a posição a favor da "porta aberta" foi a predominante.
O presidente do Banco Central disse também que, apesar da melhora das expectativas ao desempenho da economia neste ano, a tendência ao crescimento de longo prazo é mais preocupante. Ele apontou a baixa taxa de investimento e o envelhecimento da população, ao mesmo tempo que em a produtividade tem caído ao longo do tempo, entre os fatores que levaram o mercado a reduzir de 2% para 1,8% a estimativa ao crescimento potencial do País.
"No médio prazo, temos que entender por que a produtividade é menor apesar das reformas feitas nos últimos anos", declarou o presidente do BC.
Ao fazer comentários sobre a atividade mais recente, ele salientou a resiliência do setor de serviços ao aperto monetário e reafirmou a intenção do BC de realizar um pouso suave, o que significa trazer a inflação para baixo com o menor custo possível no emprego e no crescimento econômico.
O presidente do Banco Central afirmou também que o grau de direcionamento do crédito no Brasil reduz a eficácia da política monetária. Ele voltou a dizer que o crédito direcionado gera um "entupimento" dos canais de transmissão dos juros para a economia.
"Nenhum país tem o crédito direcionado tão alto quanto o Brasil" disse Campos Neto, durante a participação no evento do Santander.
O presidente do BC afirmou que o grau de direcionamento dos recursos no crédito faz com que a alta dos juros tenha sua eficácia reduzida para desaquecer a demanda por crédito. "É como se a tubulação estivesse entupida." De acordo com Campos Neto, isso faz com que os juros sejam mais altos no País.
Campos Neto também afirmou que os gastos públicos e os patamares da dívida pública do País contribuem para que as taxas de juros sejam altas.