Brasil vive o desafio indiano de dois anos atrás
O Brasil enfrenta hoje o mesmo desafio da Índia de dois anos atrás: reconquistar a credibilidade perante os agentes econômicos
Da Redação
Publicado em 22 de fevereiro de 2015 às 16h00.
São Paulo - O Brasil enfrenta hoje o mesmo desafio da Índia de dois anos atrás: reconquistar a credibilidade perante os agentes econômicos. Embora os analistas frisem que as realidades dos dois países são distintas, quase incomparáveis, com o Brasil à frente tanto no desenvolvimento econômico quanto institucional, as críticas que foram feitas aos dois países, as ameaças de perda do grau de investimento e as estratégias traçadas por ambos para reverter a situação se assemelham. A Índia começa a colher frutos do processo de ajustes, que ainda está em curso. O Brasil está nos primeiros passos: a escolha da nova equipe econômica brasileira, as primeiras medidas tomadas e as apresentações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no exterior fazem parte da estratégia.
O esforço não é trivial, tampouco rápido, se observamos o exemplo do colega de Brics. Na Índia, o processo de reconquista de credibilidade começou ainda em 2013, quando a dívida do país estava sob forte ameaça de voltar à condição de grau especulativo. Três meses antes de o atual presidente do BC indiano assumir o cargo, a Fitch deu um voto de confiança para o governo da época, elevando a perspectiva do rating da Índia de negativa para estável por conta de medidas adotadas para conter o déficit fiscal. O então provável rebaixamento da nota pelas agências acabou não se confirmando.
Em setembro daquele ano, o "Chicago man" e ex-economista do FMI Raghuram Rajan assumiu a presidência do Banco da Reserva da Índia (RBI), um movimento emblemático na busca de credibilidade, na avaliação do professor da escola de negócios na Suíça IMD, Carlos Braga. Alguns meses depois, um novo passo foi dado. Em maio de 2014, o atual primeiro-ministro Narendra Modi venceu as eleições naquele mês com uma plataforma considerada "market friendly".
Na avaliação do diretor de pesquisas econômicas para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, essa é uma diferença importante entre a situação brasileira e a indiana. Ao contrário do Brasil, na Índia o governo foi eleito com diretrizes econômicas conhecidas. No Brasil, o pacote de ajustes começou a ser anunciado depois da conturbada campanha eleitoral e vitória de Dilma Rousseff. Ainda hoje, as medidas geram polêmica na base e entre os aliados da presidente. As medidas provisórias de 29 de dezembro que impõem correções em benefícios previdenciários e trabalhistas estão distantes de uma concordância entre parlamentares. "É difícil saber até que ponto todo o governo Dilma tem convicção da importância do ajuste. (...) O (ministro) Levy não pode ser uma ilha na administração federal", afirmou Ramos.
Braga, do IMD, acrescenta que há outra diferença importante. O esforço para reconquistar a confiança dos investidores e empresários tem sido capitaneado pelo ministro Levy e não pela presidente Dilma. "No caso da Índia, é o primeiro-ministro (que assumiu esse papel). No Brasil, é um elemento muito importante da administração federal, mas não é a chefe de Estado", diz Braga.
Uma vantagem da Índia em relação ao Brasil é a taxa de crescimento da economia do país asiático. "Fazer um ajuste fiscal com crescimento é muito mais fácil", afirma o professor da FEA-USP, Simão Davi Silber. Segundo o FMI, a Índia deve crescer 6,5% em 2016, mais que a China (6,3%). O Brasil tende a crescer 1,5% no ano que vem, segundo o Relatório de Mercado - Focus, levantamento semanal divulgado pelo Banco Central. Em relação a 2015, ainda há dúvidas se o Brasil vai manter uma variação nula, como afirmou Levy no Fórum Mundial em Davos há algumas semanas, ou negativa em 0,42%, como preveem os analistas ouvidos no Focus.
Vale ponderar que a comparação entre as taxas de crescimento dos dois países emergentes não é totalmente justa ou mesmo adequada. "A Índia é um país muito mais pobre que o Brasil com um nível de desenvolvimento muito baixo", diz o economista do Itaú Unibanco, Caio Megale. No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupa a 79ª posição entre 187 países. A Índia, a 135ª. "As duas economias são muito diferentes. A Índia é um 'low middle income'. A renda per capita do Brasil é cerca de dez vezes maior que a da Índia", diz Braga, da escola de negócios na Suíça.
Além disso, o Brasil é muito mais desenvolvido que a Índia quanto à facilidade para fazer negócios - ainda que existam fortes críticas à burocracia brasileira. Segundo o ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil ocupa a 120ª posição entre 189 países pesquisados. A Índia, a 142ª.
Silber pondera ainda que, apesar de alta, a taxa atual de crescimento da Índia foi um dos motivos de frustração dos agentes econômicos. O país asiático crescia entre 9% e 10% ao ano na década passada, segundo a base de dados do FMI. Entre 2011 e 2014, caiu para praticamente a metade desse valor. Nesse contexto de desaceleração econômica, o país se viu diante de um déficit gêmeo, fomentado do lado fiscal por uma dívida bruta equivalente a mais de 80% do PIB na década passada. O lado positivo, que está sendo percebido e comemorado pelos investidores, é que, com os ajustes, as perspectivas vêm melhorando tanto no lado fiscal quanto no balanço externo.
Segundo as estimativas do Bank of America Merril Lynch (BofA), o déficit fiscal deve ficar em 4,5% em 2014 e de 4,1% em 2015. E o déficit em conta corrente tende a ser de 1,7% em 2014 e em 2015 e de 1,3% em 2015. "O importante é que há uma mudança de rumo nesses indicadores", diz Ramos, do Goldman Sachs. De fato, as projeções do FMI mostram um arrefecimento da inflação nos próximos anos, chegando a 5,95% em 2019. Segundo relatório do BofA, o déficit fiscal consolidado em 2014 foi de 6,6% do PIB e, para 2015, está estimado em 6,2%.
É preciso dizer que o sucesso de Modi não está garantido. Na semana passada, o resultado das eleições para a assembleia legislativa de Délhi foi desfavorável para o partido do primeiro-ministro. "Será que isso significa que o Modi está perdendo apoio popular?", questiona Megale, do Itaú Unibanco. Para ele, assim como no Brasil, a proposta indiana, na verdade, ainda precisa ser implementada. A dúvida é a mesma retratada pelo economista do Bofa, Indranil Sen Gupta. Em relatório da semana passada, Sen Gupta, questiona já no título: "A pergunta de US$ 2 trilhões é: qual é o potencial?", referindo-se à economia indiana.
Há mais dúvidas do que certezas sobre a implementação das necessárias reformas trabalhista e tributária. "Não há um plano para reformar a legislação tributária em si. Mas há uma proposta para criar um imposto nacional sobre consumo, mas que precisa de uma emenda legislativa", afirma Sen Gupta, do BofA, em entrevista por e-mail ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. Sobre ajustes na legislação trabalhista, o economista afirma que o governo "irá provavelmente calibrar mudanças nas leis com provisões para direitos assim como a criação de uma rede de segurança social".
São Paulo - O Brasil enfrenta hoje o mesmo desafio da Índia de dois anos atrás: reconquistar a credibilidade perante os agentes econômicos. Embora os analistas frisem que as realidades dos dois países são distintas, quase incomparáveis, com o Brasil à frente tanto no desenvolvimento econômico quanto institucional, as críticas que foram feitas aos dois países, as ameaças de perda do grau de investimento e as estratégias traçadas por ambos para reverter a situação se assemelham. A Índia começa a colher frutos do processo de ajustes, que ainda está em curso. O Brasil está nos primeiros passos: a escolha da nova equipe econômica brasileira, as primeiras medidas tomadas e as apresentações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no exterior fazem parte da estratégia.
O esforço não é trivial, tampouco rápido, se observamos o exemplo do colega de Brics. Na Índia, o processo de reconquista de credibilidade começou ainda em 2013, quando a dívida do país estava sob forte ameaça de voltar à condição de grau especulativo. Três meses antes de o atual presidente do BC indiano assumir o cargo, a Fitch deu um voto de confiança para o governo da época, elevando a perspectiva do rating da Índia de negativa para estável por conta de medidas adotadas para conter o déficit fiscal. O então provável rebaixamento da nota pelas agências acabou não se confirmando.
Em setembro daquele ano, o "Chicago man" e ex-economista do FMI Raghuram Rajan assumiu a presidência do Banco da Reserva da Índia (RBI), um movimento emblemático na busca de credibilidade, na avaliação do professor da escola de negócios na Suíça IMD, Carlos Braga. Alguns meses depois, um novo passo foi dado. Em maio de 2014, o atual primeiro-ministro Narendra Modi venceu as eleições naquele mês com uma plataforma considerada "market friendly".
Na avaliação do diretor de pesquisas econômicas para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, essa é uma diferença importante entre a situação brasileira e a indiana. Ao contrário do Brasil, na Índia o governo foi eleito com diretrizes econômicas conhecidas. No Brasil, o pacote de ajustes começou a ser anunciado depois da conturbada campanha eleitoral e vitória de Dilma Rousseff. Ainda hoje, as medidas geram polêmica na base e entre os aliados da presidente. As medidas provisórias de 29 de dezembro que impõem correções em benefícios previdenciários e trabalhistas estão distantes de uma concordância entre parlamentares. "É difícil saber até que ponto todo o governo Dilma tem convicção da importância do ajuste. (...) O (ministro) Levy não pode ser uma ilha na administração federal", afirmou Ramos.
Braga, do IMD, acrescenta que há outra diferença importante. O esforço para reconquistar a confiança dos investidores e empresários tem sido capitaneado pelo ministro Levy e não pela presidente Dilma. "No caso da Índia, é o primeiro-ministro (que assumiu esse papel). No Brasil, é um elemento muito importante da administração federal, mas não é a chefe de Estado", diz Braga.
Uma vantagem da Índia em relação ao Brasil é a taxa de crescimento da economia do país asiático. "Fazer um ajuste fiscal com crescimento é muito mais fácil", afirma o professor da FEA-USP, Simão Davi Silber. Segundo o FMI, a Índia deve crescer 6,5% em 2016, mais que a China (6,3%). O Brasil tende a crescer 1,5% no ano que vem, segundo o Relatório de Mercado - Focus, levantamento semanal divulgado pelo Banco Central. Em relação a 2015, ainda há dúvidas se o Brasil vai manter uma variação nula, como afirmou Levy no Fórum Mundial em Davos há algumas semanas, ou negativa em 0,42%, como preveem os analistas ouvidos no Focus.
Vale ponderar que a comparação entre as taxas de crescimento dos dois países emergentes não é totalmente justa ou mesmo adequada. "A Índia é um país muito mais pobre que o Brasil com um nível de desenvolvimento muito baixo", diz o economista do Itaú Unibanco, Caio Megale. No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupa a 79ª posição entre 187 países. A Índia, a 135ª. "As duas economias são muito diferentes. A Índia é um 'low middle income'. A renda per capita do Brasil é cerca de dez vezes maior que a da Índia", diz Braga, da escola de negócios na Suíça.
Além disso, o Brasil é muito mais desenvolvido que a Índia quanto à facilidade para fazer negócios - ainda que existam fortes críticas à burocracia brasileira. Segundo o ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil ocupa a 120ª posição entre 189 países pesquisados. A Índia, a 142ª.
Silber pondera ainda que, apesar de alta, a taxa atual de crescimento da Índia foi um dos motivos de frustração dos agentes econômicos. O país asiático crescia entre 9% e 10% ao ano na década passada, segundo a base de dados do FMI. Entre 2011 e 2014, caiu para praticamente a metade desse valor. Nesse contexto de desaceleração econômica, o país se viu diante de um déficit gêmeo, fomentado do lado fiscal por uma dívida bruta equivalente a mais de 80% do PIB na década passada. O lado positivo, que está sendo percebido e comemorado pelos investidores, é que, com os ajustes, as perspectivas vêm melhorando tanto no lado fiscal quanto no balanço externo.
Segundo as estimativas do Bank of America Merril Lynch (BofA), o déficit fiscal deve ficar em 4,5% em 2014 e de 4,1% em 2015. E o déficit em conta corrente tende a ser de 1,7% em 2014 e em 2015 e de 1,3% em 2015. "O importante é que há uma mudança de rumo nesses indicadores", diz Ramos, do Goldman Sachs. De fato, as projeções do FMI mostram um arrefecimento da inflação nos próximos anos, chegando a 5,95% em 2019. Segundo relatório do BofA, o déficit fiscal consolidado em 2014 foi de 6,6% do PIB e, para 2015, está estimado em 6,2%.
É preciso dizer que o sucesso de Modi não está garantido. Na semana passada, o resultado das eleições para a assembleia legislativa de Délhi foi desfavorável para o partido do primeiro-ministro. "Será que isso significa que o Modi está perdendo apoio popular?", questiona Megale, do Itaú Unibanco. Para ele, assim como no Brasil, a proposta indiana, na verdade, ainda precisa ser implementada. A dúvida é a mesma retratada pelo economista do Bofa, Indranil Sen Gupta. Em relatório da semana passada, Sen Gupta, questiona já no título: "A pergunta de US$ 2 trilhões é: qual é o potencial?", referindo-se à economia indiana.
Há mais dúvidas do que certezas sobre a implementação das necessárias reformas trabalhista e tributária. "Não há um plano para reformar a legislação tributária em si. Mas há uma proposta para criar um imposto nacional sobre consumo, mas que precisa de uma emenda legislativa", afirma Sen Gupta, do BofA, em entrevista por e-mail ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. Sobre ajustes na legislação trabalhista, o economista afirma que o governo "irá provavelmente calibrar mudanças nas leis com provisões para direitos assim como a criação de uma rede de segurança social".