Como a secretaria lida com os sites ilegais que tiveram seus domínios derrubados, mas que podem voltar ao ar? O governo acredita que o mecanismo que criaram no final do ano passado será suficiente para impedir que essas casas não autorizadas continuem operando?
Eu diria que a derrubada de domínios vai ser necessária, mas ela vai ter que ser complementada. Não é só com isso que a gente vai conseguir impedir que empresas ilegais atuem no Brasil. Aqui existe uma primeira coisa que é: a existência de empresas autorizadas e legais tende a levar os apostadores para que apostem nessas empresas. Se eu tenho uma dúvida se a empresa é séria ou não, e eu sei que uma delas é autorizada pelo Ministério da Fazenda, a tendência, na média, é que os apostadores prefiram aquelas que são autorizadas. Então, esse é o primeiro passo. A existência de um mercado legalizado é um bom começo para a gente saber como lidar e para os apostadores saberem onde apostar com mais segurança.
E qual o outro passo?
Vamos continuar esse rastreamento e vai continuar a derrubada desses sites. Você tem razão quando fala que existe a possibilidade de elas reaparecerem com outro domínio. Mas isso passa a ser custoso para elas, porque eventualmente perdem a carteira de clientes e a capacidade de fazer a sua marca prevalecer no mercado. Normalmente, essas empresas que ficam trocando de domínio são mais fraudulentas do que as que querem se estabelecer no mercado.
E o papel do sistema financeiro?
No artigo 21 da Lei 14.790, tem um dispositivo bastante importante que proíbe instituições financeiras e instituições de pagamento de terem relação com casas de apostas não autorizadas. Estamos trabalhando junto com o Banco Central em mecanismos para fazer com que os prestadores de serviços financeiros, as IFs (instituições financeiras) e as IPs (instituições de pagamento), deixem de prestar serviços para essas empresas de apostas que não tenham a autorização.
Existe previsão de bloquear transações?
Estamos tentando identificar uma forma de barrar a realização de Pix para remessa de dinheiro ao exterior. Basicamente, como funciona hoje: você tem empresas que atuavam até o ano passado no Brasil, tanto as sérias quanto as menos sérias. Elas usavam intermediários, que abriam contas em instituições financeiras ou de pagamento e centralizavam os recursos das apostas. Esses intermediários remetiam o dinheiro para um banco de câmbio, que então enviava os recursos para o estrangeiro, onde estava a empresa operadora. Quando a gente identificar esse fluxo, será possível bloquear essa saída de recursos. A ideia aqui é ter um conjunto de elementos. A derrubada de domínios é relevante, é importante, mas não é suficiente sozinha. Ela precisa de outros mecanismos complementares.
Com as portarias e a lista de empresas autorizadas divulgadas, a Fazenda tem uma previsão de quando os sites irregulares deixarão de funcionar?
Eu gostaria de poder dizer que em duas semanas a gente não terá nenhum site não autorizado funcionando, mas sabemos que será um desafio constante. Devem surgir novas empresas, e vamos precisar atuar com monitoramento e fiscalização o tempo inteiro. O Banco Central também precisa atuar na área deles. A tendência é que, com o tempo, os incentivos econômicos para operar ilegalmente no país diminuam cada vez mais.
Como compara o mercado ilegal de apostas com outros que funcionam no Brasil?
É importante entender que o mercado legalizado cria uma concorrência direta com as empresas ilegais. Há uma diferença em relação a outros tipos de mercado ilegal, como streaming ou TV a cabo, em que o produto oferecido pelas empresas ilegais é o mesmo, só que mais barato. No caso das apostas, o incentivo econômico para apostar em uma empresa ilegal não é tão evidente. Quando o apostador aposta em uma casa de apostas autorizada, ele tem muito mais garantias de que seus direitos serão preservados, que sua saúde mental e financeira serão protegidas e, principalmente, que receberá o prêmio caso ganhe.
Já com empresas ilegais, o apostador expõe suas finanças, sua saúde mental e não tem garantia de que receberá o prêmio. Então, o que acreditamos é que, com o tempo, operar ilegalmente será cada vez menos viável, tanto pela atuação do regulador quanto pelo mercado se ajustando. Mas sabemos que será uma tarefa de acompanhamento contínuo.
Há uma previsão de arrecadação para 2025?
Ainda não temos uma previsão exata, porque não sabemos o volume total de recursos que o mercado movimentará. Agora que começamos a receber os dados financeiros das empresas, teremos condições de estimar melhor a arrecadação anual. Ainda temos um número alto de empresas com pedidos de autorização pendentes. Algumas delas devem ser autorizadas no início deste ano, o que pode gerar novas outorgas. Há um fluxo contínuo de pedidos, então a arrecadação também continuará ocorrendo ao longo do tempo.
Com a discussão sobre o aumento das apostas entre os mais pobres, setores da sociedade e parlamentares afirmam que a regulamentação precisa ser revista. Como a secretaria vê essa questão?
Sempre tivemos clareza de que regulação é algo que precisa ser acompanhado. Não é algo estanque, criado uma vez e que não pode ser modificado. O que pretendemos fazer agora é observar como o mercado vai reagir às regras que implementamos e avaliar se elas estão funcionando como planejado. Tomamos decisões com base em motivos claros e ferramentas específicas para mitigar problemas identificados no setor. Estamos confiantes de que acertamos na média, mas sabemos que, eventualmente, podem surgir situações que exigirão ajustes.
O legislativo apontou que a proibição das apostas pode ser uma solução. Qual é a posição da secretaria sobre isso?
Não é papel da secretaria dizer que o legislador não pode ou não deve tratar do assunto. O que podemos fazer como reguladores é estudar, acompanhar e, se necessário, apontar tecnicamente o que funciona ou não. Sobre a proibição total das apostas, a nossa leitura é de queuma proibição absoluta simplesmente jogaria a demanda para o mercado ilegal. Já vimos isso acontecer em outros lugares, e temos um histórico de que não dá certo.
O senhor acredita que teremos dados suficientes neste ano para entender o setor?
Imagino que, após o primeiro ano, teremos dados suficientes para avaliar o impacto das medidas e, se necessário, promover alterações. Estamos atentos para corrigir restrições que não forem eficazes ou reforçar regras em áreas que precisem de maior controle. A regulação precisa ser dinâmica, acompanhando o mercado e respondendo às suas necessidades de forma técnica e eficiente. Isso só será possível com paciência e o uso de dados concretos para embasar qualquer decisão futura.