Alta da Selic deve pressionar dívida e PIB, dizem economistas
Segundo especialistas, a elevação de 0,75 ponto porcentual demonstraria a falta de alternativa do BC, que precisava agir rapidamente para controlar as expectativas de inflação
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de março de 2021 às 10h23.
Os sinais contraditórios por parte do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 e a falta de um compromisso claro com a manutenção da política de controle de gastos públicos deixaram o Banco Central sem muitas saídas, além de iniciar um novo ciclo de aumento da Selic , segundo avaliação de economistas ouvidos pelo Estadão.
Segundo eles, a elevação de 0,75 ponto porcentual, levando a taxa básica de juros para 2,75% ao ano, demonstraria a falta de alternativa do BC, que precisava agir rapidamente para controlar as expectativas de inflação. O aumento, no entanto, deve ter um efeito negativo sobre o custo da dívida pública e pode deprimir ainda mais a atividade econômica, agravando o desemprego - no momento em que o País bate recordes de mortes e a pandemia de covid-19 segue fora de controle.
Como uma parte da dívida interna é diretamente atrelada à Selic, ao subir os juros, sobe também o custo de carregamento da dívida. Uma estimativa da corretora Necton aponta que a alta de 0,75 ponto nos juros básicos pode levar a um aumento de R$ 25 bilhões da dívida no curto prazo. Juros mais altos também tendem a ter um impacto negativo sobre a atividade econômica.
Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), é fato que o ciclo de alta de juros vai ter um efeito negativo sobre a atividade econômica, que já está fraca. Mas a alta da Selic não será causa da fraqueza, mas uma consequência de todo esse cenário.
"Não dá para pensar apenas nos juros. É preciso avaliar que o País está em um desequilíbrio grande. Antes da pandemia, a dívida era alta, mas convergindo. Depois de um choque, com gastos de curto prazo, a gente vai ter um segundo ano de gastos extraordinários e uma dificuldade grande de conter a pandemia."
Ela ressalta que seria preciso compensar o aumento de gastos decorrentes da pandemia com contrapartidas de médio e longo prazos e reduzir os gastos obrigatórios. "Ficamos com uma dívida alta e ainda não resolvemos a questão da pandemia. Não era para estarmos falando de subida de juros agora, pela fraqueza da economia, mas o BC está agindo de acordo com os seus objetivos."
A economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, concorda que a alta dos juros era um movimento necessário. "É um processo que começou agora e só deve acabar quando os juros chegarem a 6,5% ao ano. É preciso ancorar a expectativa de inflação. Certamente, isso tem impacto na dívida, mas o BC não pode fazer política de juros olhando para a dívida."
"O Brasil acaba tendo de subir juros antes do que poderia, como não aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial mais robusta, com gatilhos mais duros. E a gente deveria estar apresentando uma proposta efetiva de corte de gastos, com a reforma administrativa, mas não parece haver empenho em aprová-la."
Alternativas
Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco Central, argumenta que houve um choque vindo da combinação de preços de commodities (os produtos básicos) em alta e do dólar, também em alta, o que normalmente não ocorre.
"O BC tinha alternativas? Desconfio que não. O governo tinha alternativas? Com certeza. Se conseguisse sinalizar uma mudança na trajetória de gastos, déficits e dívida, provavelmente o dólar estaria menos pressionado e teria caído em resposta ao aumento das commodities, o que permitiria ao BC normalizar a política monetária mais tarde e em ritmo mais lento", diz.
"A desvalorização do real não tem ligação com a Selic", descarta o economista da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro. "O que levou à desvalorização da moeda foi a incerteza causada pela pandemia, a política ambiental do governo que afasta investidores estrangeiros e o próprio combate à pandemia", diz.
Oreiro acrescenta que o cenário para a economia brasileira em 2021 é de auxílio emergencial menor que no ano passado, o BC iniciando um novo ciclo de aumento de juros e a adoção de medidas de lockdown para tentar conter o aumento de mortes e contaminações por covid-19. "O efeito dos juros mais altos na economia vai vir a partir do segundo semestre deste ano."