Economia

A inflação está baixa, mas o preço no supermercado só sobe. Por quê?

O IPCA, divulgado hoje, está longe de ser considerado alto. Mas os preços dos alimentos subiram e impactam desproporcionalmente as famílias mais pobres

Pratos brasileiros: os favoritos nacionais, como arroz, feijão e alface, acumulam altas de dois dígitos nos preços (Uber Eats/Divulgação)

Pratos brasileiros: os favoritos nacionais, como arroz, feijão e alface, acumulam altas de dois dígitos nos preços (Uber Eats/Divulgação)

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Carolina Riveira

Publicado em 9 de setembro de 2020 às 13h48.

Última atualização em 9 de setembro de 2020 às 19h01.

A semana passada foi marcada por acontecimentos que foram da reforma administrativa às aglomerações no feriado e a busca pela vacina contra a covid-19. Mas entre tudo isso, uma declaração chamou a atenção de parte dos economistas: o pedido do presidente Jair Bolsonaro para que os empresários donos de supermercados fossem "patriotas" e não subissem os preços nas prateleiras.

O pedido é o reflexo mais claro de um movimento que já vem sendo alvo de reclamação dos brasileiros há meses. A alta nos preços de alimentos, embora a inflação oficial esteja ainda muito abaixo da meta do Banco Central, se comprova no vilão da vez, o arroz, cujo preço disparou mais de 20% em um ano e chegou a dobrar em alguns lugares.

Os alimentos puxaram parte da alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto, que ficou em 0,24%. Mas, ao todo, o índice inflacionário segue sob controle: o acumulado é de 2,44% nos últimos 12 meses.

A meta de inflação do Banco Central para 2020 é de 4%, com 1,5 ponto de tolerância. Nada comparado a números já vistos no Brasil — o recorde é março de 1990, quando a inflação em um mês chegou a passar de 80%, segundo o IBGE.

"O IPCA é um índice composto de alimentos, mas também de outros itens, como habitação, transporte, vestuário e educação. Esse descolamento entre o índice e a 'vida real' das pessoas é que, para muita gente, a alimentação tem mais impacto e pesa mais no bolso", diz Auberth Venson, do departamento de economia da Universidade Estadual de Londrina.

A inflação de agosto foi puxada pela alta no preço dos alimentos, mas o índice geral não explica, sozinho, a alta nas prateleiras

Venson destaca, por exemplo, que a alimentação tem peso de menos de 20% na cesta de itens medidos pelo IPCA. A influência de cada item no índice é com base em uma tentativa de padrão dos cidadãos brasileiros. Na prática, a fatia do salário gasta com alimentação é maior do que isso para os mais pobres, mostra o IBGE, pondendo passar de 20% ou 30%, enquanto é de menos de 10% para os mais ricos.

"Desta forma, a deflação de educação e vestuário e a desaceleração de habitação atenuaram o aumento dos preços de alimentos", aponta relatório da Exame Research sobre o IPCA de agosto.

Ainda assim, a alta nos alimentos já começa a se mostrar até mesmo nas métricas do IPCA, o que é reflexo da tendência dos últimos meses. Quando separadas as altas de preço medidas pelo IPCA individualmente, os alimentos são os 23 primeiros e dominam a lista que inclui todos os setores, de habitação a vestuário (leia no fim da matéria alguns dos alimentos que mais subiram e os que caíram no ano).

O produto que mais subiu em 2020 segundo a variável do IPCA não foi o arroz, mas a manga. A alta da fruta foi de 62%, seguida pela cebola (50%) e pela abobrinha (47%). O arroz aparece só perto do 20º lugar, com alta de 19%. Os diversos tipos de feijão também estão entre os 30 produtos que mais subiram, além do leite longa vida (23%), óleo de soja (19%), alface (18%), entre outros.

Vale lembrar, ainda, que esta é uma medição nacional. A variação é gigante entre os lugares. O tomate, por exemplo, (um dos vilões preferidos de outros anos dentre as altas de preço), subiu 12% na média do Brasil, mas caiu 14% em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

Há também produtos cujo preço medido pelo IPCA caiu, o que balanceia a medição geral. O filé-mignon e o abacate caíram quase 20% em 2020. Ao todo, o cojunto das carnes caiu pouco menos de 2%, mas itens como salsicha, carnes industrializadas, frango, linguiça e peixes subiram.

Feijão, arroz, verduras, frutas, leite e trigo estão entre as maiores altas de preço. Mas as carnes, quem diria, caíram

Além disso, um conceito econômico explica a diferença entre o IPCA e a prateleira do supermercado: a alta nos preços dos itens não necessariamente significa que há inflação. A inflação é medida quando há muito dinheiro no mercado e uma demanda que não acompanha esse consumo, levando a uma tendência de mudança nos preços de mais de longo prazo, e não uma alta ou baixa momentânea.

"Pode haver um problema no futuro, porque temos juros baixos [a taxa Selic está em 2% ao ano]. Se o governo gastar muito e houver uma recuperação forte da economia, a inflação volta a ser uma preocupação. Mas isso ainda está longe de acontecer em um cenário de recessão como vivemos", diz a economista Juliana Inhasz, professora no Insper.

Em meio à crise, a economia está pouco aquecida, com projeção média do boletim Focus do Banco Central de queda de 5,31% do produto interno bruto brasileiro em 2020.

Do dólar à China: o que faz o preço aumentar

Cada item tem uma explicação específica para seus preços — o tempo, mais ou menos chuvas, as condições de mercado daquele produto no Brasil e lá fora. Mas, no geral, três fatores impactam a alta dos produtos: o dólar alto, a gasolina, o bom momento das exportações brasileiras e, por fim, até mesmo o auxílio emergencial.

O dólar avançou 32% só em 2020. Com isso, fica mais caro importar todo tipo de insumo. Para o Brasil, isso afeta especialmente o preço de alguns incenticidas, equipamentos da lavoura e na indústria alimentícia, alimentos industrializados e outros insumos.

Um exemplo clássico é o trigo, que o Brasil importa de países como a Argentina -- a combinação de demanda forte e dólar alto é certeira para fazer tudo subir de preço

Além disso, o Brasil também vende mais: o real desvalorizado faz as exportações brasileiras ficarem mais baratas no mercado externo. De janeiro a julho, o agronegócio brasileiro exportou 17% mais em volume e ganhou 9% mais do que no mesmo período de 2019. Os números são da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Há uma atenção especial para a alta demanda da China, que vem impulsionando o agronegócio. O país importou quase 40% de tudo o que o agronegócio brasileiro vendeu para o exterior no período. Em seguida vieram União Europeia (16%) e Estados Unidos (6%).

Para os agricultores no campo, sua produção já está saindo da lavoura a preços mais altos. Na medição mensal feita pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da faculdade de agronomia da USP, a Esalq, que inclui as sacas de arroz, mandioca, trigo, feijão, carnes, ovos e outros produtos, a tendência é de alta nos preços em boa parte deles.

"Apesar do setor de alimentos e bebidas ser bem amplo, itens de exportação como carnes, milho e soja podem ser impulsionados ao mercado externo em detrimento do mercado local. Já a importação de trigo e seus derivados podem ser impactados", diz o economista George Sales, professor na Fipecafi, fundação privada vinculada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

O preço da gasolina também interfere porque impacta o transporte dos alimentos. Enquanto o mundo passava pelo pior da pandemia nos últimos meses, o preço do petróleo desabou no mercado internacional, o que fez o preço da gasolina cair mais de 10% no acumulado do ano.

Ainda assim, o petróleo começou a se recuperar nas últimas semanas com a reabertura econômica global. E, quando o preço está alto no mercado externo, a Petrobras vende o petróleo por aqui com defasagem devido ao dólar. Além disso, nem sempre os descontos repassados pela estatal são aplicados nos postos de gasolina — nesta semana, a Petrobras decidiu reduzir em 5% o valor da gasolina.

E o que tem o auxílio emergencial a ver com tudo isso? O auxílio de 600 reais pago pelo governo desde abril colocou uma parcela de dinheiro em circulação. Ele não foi suficiente para aumentar a inflação, porque houve ao mesmo tempo uma queda na renda das famílias.

Mas o auxílio é recebido por famílias de baixa renda e usado sobretudo para alimentação, o que pressiona o preço desse setor. Por serem itens essenciais, os produtos no supermercado notam menos a crise. No começo da pandemia, houve ainda uma demanda concentrada com a "corrida aos mercados" para estocar comida, mas, agora, a tendência é de uma normalização, diz Inhasz, do Insper.

Tudo somado, a tendência é que a inflação siga baixa por algum tempo. Mas da pandemia ao dólar, essa série de fatores deve seguir impactando o preço dos alimentos nos próximos meses.

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