Recessão: “Recuperar o desenvolvimento perdido consumirá no mínimo todo o mandato do próximo presidente, tudo dando certo”, disse Carlos Langoni (Dado Galdieri/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 21 de agosto de 2017 às 18h53.
Última atualização em 21 de agosto de 2017 às 20h57.
O aumento da mendicância nas ruas e a deterioração da infraestrutura talvez sejam os sintomas mais evidentes do colapso econômico e político do Brasil. No entanto, as consequências menos visíveis — como o cancelamento de refeições escolares e os cortes em pesquisas médicas que poderiam salvar vidas — são as que podem deixar um legado mais devastador.
Anos de ajustes após o fim do boom das commodities restringiram o gasto governamental em educação, saúde, pesquisa e policiamento. A redução da presença policial levou ao aumento da criminalidade e do desmatamento da Amazônia — antigos problemas brasileiros que agora estão piores.
As consequências da austeridade exacerbam o desprezo quase universal à elite política do país após três anos de escândalo e, em um fenômeno que reflete uma tendência crescente em todo o mundo, trazem o risco de levar um outsider ao poder na eleição nacional do próximo ano.
“Recuperar o desenvolvimento perdido consumirá no mínimo todo o mandato do próximo presidente, tudo dando certo”, disse Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. “Nossa grande frustração, como economistas e brasileiros, é que o país já poderia estar em outro nível de desenvolvimento e bem-estar social, e estamos perdendo tempo.”
Antigamente a queridinha de Wall Street no mercado emergente, a economia brasileira passou de um crescimento de 7,5 por cento em 2010 a uma contração praticamente da mesma porcentagem nos últimos dois anos. O desemprego aumentou a um patamar quase recorde, o PIB per capita caiu para os níveis de 2009 e o déficit orçamentário está em torno de 10 por cento do PIB. Não há sinal de que o gigante latino-americano recuperará seu status de grau de investimento em breve.
Os recuos recentes dissiparam grande parte da esperança que os brasileiros nutriram para o País durante a década de 2000, quando o aumento dos preços da soja, do café e do açúcar triplicaram as exportações e encheram os cofres do governo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu inúmeros elogios internacionais por começar a acabar com alguns dos símbolos do atraso do Brasil, como a desnutrição e a destruição de grandes áreas da Amazônia.
Milhões de brasileiros saíram da pobreza durante o governo Lula e começaram a apreciar os frutos do estilo de vida de classe média. Hoje, escalar a estrutura socioeconômica do Brasil, notoriamente rígida, é impossível para a maioria das pessoas.
Estudar com o estômago vazio, afirmam especialistas, prejudica a aptidão escolar e potencialmente diminui o desempenho no mercado de trabalho. Na Bahia, estado do Nordeste, as autoridades locais culpam os cortes de orçamento realizados pelo governo federal pela falta de refeições escolares.
“Este ano a situação piorou”, disse Rui Oliveira, da Associação dos Professores Licenciados do Brasil – Secção da Bahia. “No interior do estado, onde a situação é mais intensa, esta é a única fonte de alimento das crianças.”
Saullo Rosa, de 26 anos, é filho de pais analfabetos funcionais em uma cidade assolada pela criminalidade perto do Rio de Janeiro e seria o primeiro membro da família a se formar na faculdade — até o estado ficar sem dinheiro para pagar professores e a escola suspender as operações.
Para os brasileiros com idade entre 14 e 24 anos, o mercado de trabalho está particularmente desolador, sendo que mais de um em cada quatro jovens estão desempregados, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, administrado pelo governo.