Economia

A crise será longa, não com recuperação para 2021, diz Monica De Bolle

Em novo livro, a economista avalia que é preciso romper com padrões da estratégia econômica, como o teto de gastos, para responder a desafios do coronavírus

Monica De Bolle: "a pandemia é um desafio muito maior do que o de 2008" (Fernando Lemos/Exame)

Monica De Bolle: "a pandemia é um desafio muito maior do que o de 2008" (Fernando Lemos/Exame)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 27 de setembro de 2020 às 08h57.

Última atualização em 27 de setembro de 2020 às 08h58.

A economista Monica De Bolle acaba de lançar seu livro Ruptura -- primeiro livro da série A Pilha de Areia, que analisa os efeitos econômicos da pandemia de covid-19. Na obra, Monica defende que é preciso romper com padrões estabelecidos de estratégia econômica, como o teto de gastos públicos no Brasil, para responder aos desafios trazidos pelo novo coronavírus.

A economista deixa claro que a crise de saúde terá efeitos de prazo muito mais longo do que governos e empresas parecem projetar hoje. Para ela, o auxílio emergencial, que foi prorrogado até dezembro, terá de ser estendido novamente, uma vez que está claro que o emprego e a renda não vão se recompor inteiramente até janeiro de 2021.

"A crise será muito severa e prolongada. É curioso, porque essas noções não foram completamente absorvidas. Já se entendeu que é uma questão severa. O que não aconteceu, pelas projeções que se faz para a economia de 2021, é as pessoas se darem conta de que o processo (de recuperação) será muito prolongado e lento", disse ela, em entrevista ao Estadão.

Especialmente no Brasil, falta uma visão mais multidisciplinar da análise econômica?

Isso é particularmente marcante na macroeconomia. A microeconomia avançou mais. Juntou-se com a psicologia comportamental para explicar como pessoas fazem escolhas. Num modelo tradicional, as decisões são vistas como racionais, e a gente sabe que não é assim. Na parte aplicada, a microeconomia soube incorporar até técnicas biomédicas para fazer estudos randomizados e testar a efetividade de políticas públicas.

E a macroeconomia?

A macroeconomia é outra história. De muitas formas, parou no tempo. A economia nasceu da filosofia moral, depois virou economia política. Só após os anos 1950 que a economia foi tendo esse caráter mais tecnocrata. E virou um negócio de modelagem, análise quantitativa. O macroeconomista deve ter um olhar abrangente, saber que instituições, política e cultura afetam (a economia).

E como isso fica evidente?

Ficou mais claro depois da crise de 2008. E, agora, mais ainda: porque a pandemia é um desafio muito maior do que o de 2008. Acho que há um atraso completo na macroeconomia. E a ruptura trazida pela pandemia deveria ser uma oportunidade para mudar isso.

Essa limitação de visão atrapalhou a previsão da crise?

Essa foi uma das motivações para meu canal no YouTube: como é que os economistas não estavam conseguindo enxergar a crise? Isso deixou muito visível a limitação a um molde de pensamento. Sempre tive um background na área biomédica, e estou estudando de novo, e ficou muito claro que a gente estava enfrentando uma coisa inédita, para a qual a economia não tinha boas respostas. Entendi também que (a crise) será muito severa e prolongada. É curioso, porque essas noções não foram completamente absorvidas. Já se entendeu que é uma questão severa. O que eu acho que não aconteceu, pelas projeções que se faz para a economia de 2021, é as pessoas se darem conta de que o processo (de recuperação) será muito prolongado e lento.

Sua série de livros trabalha com o tema 'A Pilha de Areia'. Como se explica o conceito?

Quando você faz um castelo de areia, de uma coisa você tem certeza: em algum momento, ela vai desmoronar. Esse desmoronamento pode acontecer muito rapidamente ou demorar muito. Pensando nas pandemias, em termos da pilha de areia: a gente tinha certeza absoluta de que uma pandemia viria.

Era dado já tínhamos tido algumas - a última foi a de H1N1, em 2009. Aquela, em termos de pilha de areia, foi um desmoronamento pequeno e relativamente rápido. Na grande pandemia de 1918, foi exatamente o contrário: todo mundo achava que a influenza era uma gripe - os cientistas não entendiam como tanta gente estava morrendo. O tamanho e intensidade daquilo foi um choque para o mundo. Então, a gente tem de estar sempre preparado - e foi o grande erro do mundo todo, que ficou anestesiado com a H1N1, de 2009.

Isso atrapalhou a resposta econômica do Brasil à pandemia?

Acho que a gente conseguiu dar alguma resposta, ainda que muito insuficiente. A gente está deixando muita empresa de porte menor falir. Isso vai ter consequências graves para o emprego e para a eficiência dos mercados, porque você vai gerar uma concentração enorme em determinados setores. Isso se resolveria com política de crédito público.

O BNDES deve ser mais ativo?

O BNDES está em uma prisão ideológica. A TLP é uma excelente taxa de referência para o BNDES, mas é ruim em um momento de crise porque tem uma parte pós-fixada. As empresas ficam sem saber quanto vão pagar de juros. Isso seria facilmente corrigido se o BNDES também emprestasse às taxas do Tesouro. Não precisa colocar subsídio nenhum. O que as empresas pedem é uma taxa prefixada. A única explicação (para a estratégia atual) é: 'nós não vamos fazer o que a Dilma fez'. Mas não convence.

E a distribuição de renda, deve ser mais generosa e longa?

Principalmente, mais longa. (O auxílio emergencial) não ficou tão bom quanto poderia ter ficado, mas ajudou, apesar de muito problema de execução e fraude. Agora, o desafio que está colocado é o seguinte: o benefício foi reduzido e estendido até dezembro. Só que tem o precipício, porque a gente sabe que a pandemia ainda está descontrolada e as pessoas não vão achar emprego até o fim do ano. E a situação da economia em janeiro vai ser de penúria. Então, alguma coisa a mais vai ter de ser feita.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Acompanhe tudo sobre:Auxílio emergencialCoronavírusDéficit públicoDesemprego

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor