Economia

Reforma da Previdência vira cortina de fumaça

O governo havia se comprometido até o fim de 2017 a ceder quase 45 bilhões de reais a quem votasse pela Previdência

MICHEL TEMER: a Previdência, em vez de ser a bala de prata para sanar as contas públicas, tem tido efeito contrário / Adriano Machado/Reuters (Adriano Machado/Reuters)

MICHEL TEMER: a Previdência, em vez de ser a bala de prata para sanar as contas públicas, tem tido efeito contrário / Adriano Machado/Reuters (Adriano Machado/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 08h49.

Última atualização em 15 de janeiro de 2018 às 14h37.

O governo do presidente Michel Temer começou 2018 monotemático. Engoliu a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB) pela necessidade de ter o partido como aliado na votação da reforma da Previdência. Avaliou que o rebaixamento na nota de crédito pela agência S&P pode ser um argumento a mais para votar a Previdência. A Previdência é também motivo de crescente mal estar entre dois pretendentes ao Planalto: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD).

Pela Previdência, vale tudo. Mesmo que o governo esteja longe de ter os votos necessários para aprovar a pauta em ano eleitoral, e de concreto, mesmo, só a data de início dos debates no Congresso: 19 de fevereiro, na ressaca do carnaval.

Neste cenário, começamos 2018 em uma situação sui generis: a Previdência, em vez de ser a bala de prata para sanar as contas públicas, tem tido efeito contrário.

De acordo com levantamento realizado por EXAME, o governo havia se comprometido até o fim de 2017 a ceder quase 45 bilhões de reais em promessas diversas a quem votasse com o governo. São aumentos nos recursos de emendas impositivas aos deputados, renúncias fiscais e compromisso de destinação de verbas para obras públicas a serem entregues estrategicamente em período eleitoral. Eram presentes dados a setores econômicos poderosos no Congresso e políticos que têm verba reduzida para buscar votos em outubro próximo.

Para evitar que todos esses benefícios prejudiquem ainda mais a situação fiscal do país, o governo se vê em meio a uma ginástica orçamentária. Uma série de projetos tem sido adiada ou vetada para permitir que as verbas necessárias para aprovar a Previdência não sequem. Um exemplo cabal é o projeto de lei que dá os dispositivos do refis do Funrural. Michel Temer sancionou nesta semana o projeto de lei que faria o governo abrir mão de 15 bilhões de reais em 15 anos. Para seguir sinalizando ao mercado que o Planalto está engajado na agenda fiscal, vetou 24 pontos do texto, que tiram quase todo o vigor da isenção fiscal prometida.

No principal deles, fazendeiros e empresas endividados com o Funrural não poderão mais parcelar os débitos com descontos que chegavam a 100%, como foi aprovado no Congresso. Na prática, contudo, há um truque: os vetos podem ser derrubados por parlamentares e voltar a gerar economias bilionárias e frustração de receitas. A canetada presidencial, então, é apenas uma transferência de custo político da medida. A bancada ruralista tem cerca de 200 parlamentares e terá que se comprometer para retomar os números antigos.

Outra manobra regimentar que também saiu do Planalto nesta semana foi o veto ao refis das Micro e Pequenas Empresas, ou refis do Simples. O perdão da dívida no setor teria impacto de mais 7,8 bilhões de reais nos próximos 15 anos. Para apoiar a medida, o Ministério do Planejamento justificou que empresas do Simples Nacional teriam renúncia em 2018 de 80,6 bilhões de reais. Acontece que, nos corredores do Congresso, a própria base do governo articula outra derrubada de veto. A ideia foi apenas transferir os gastos para um novo ano fiscal. Em entrevista recente a EXAME, o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, disse que está confiante na aprovação e que tem o apoio de Temer, com quem se encontrou no último dia 5 de janeiro. [Veja em detalhes da seção Para Entender]

Também em nome da Previdência, o governo prometeu recentemente 5 bilhões de reais aos prefeitos, caso articulem em favor da aprovação da proposta e ela seja aprovada.

Mesmo tomando déficit de 159 bilhões de reais nas contas públicas, há também promissórias eleitorais. Conforme apontou reportagem do jornal Folha da S. Paulo nesta semana, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (PMDB-MS), prometeu 10 bilhões de reais para a finalização de obras em redutos eleitorais de quem votar pela reforma da Previdência. Também há pouco tempo, o governo concedeu à Caixa Econômica Federal o montante de 15 bilhões de reais do FGTS para obras do Minha Casa, Minha Vida. Por fim, estão previstos 7,5 bilhões no Orçamento deste ano para as emendas parlamentares, aumento de 600 milhões de reais em uma arma forte de articulação no Congresso, que em 2017 salvou o presidente de ser investigado imediatamente pelas denúncias da Procuradoria-Geral da República.

As benesses concedidas aos prefeitos e deputados dão retorno nas eleições. Emendas e obras são moedas para que políticos com mandato briguem com a força da máquina estatal por suas reeleições em 2018.

Contraditório

“É contraditório, sim. O governo acaba dando um passo para frente e dois para trás. Ainda que tenha equipe econômica muito competente, com diagnóstico e lista do que precisa ser feito, muitas vezes os sujeitos da política caminham na direção oposta. Isso passa a mensagem de pouco esforço fiscal em ano de eleição, um esforço pequeno para recolocar contas públicas nos trilhos”, diz Bruno Lavieri, sócio da consultoria econômica 4E. “Por isso, nós e muitas consultorias temos como base que não passa Previdência nesse ano. Mesmo que algo fosse aprovado, seria tão desidratada que teria que ser endereçada novamente 2019”.

Prova de que a estratégia do governo tem pouca chance de emplacar uma mudança no rumo fiscal foi o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência de risco Standard & Poors. No relatório, o atraso das reformas e a incerteza política foram determinantes para que o rating soberano do país caísse de BB para BB-, com perspectiva saindo de negativa para estável. “Isso reflete os pontos fortes da política externa e monetária do País, que ajudam a compensar uma fraqueza significativa, uma economia com perspectivas de crescimento menores do que seus pares e nossa visão de que a eficácia da formulação de políticas em todos os ramos do governo enfraqueceu”, diz o texto.

Há um mês, EXAME entrevistou as outras duas agências de risco, a Fitch Ratings e a Moody’s, e mostrou que o cenário político era ponto-chave de preocupação — ambas ainda não anunciaram revisão da nota do Brasil. “Aumentam os riscos de diluição dessa reforma, o que impacta pouco na contenção do rombo fiscal. Isso é importante para estabilizar a nota, em especial no contexto de uma eleição tão incerta”, disse à reportagem Todd Martinez, diretor de ratings soberanos da Fitch para a América Latina. “A recuperação econômica é uma boa notícia e o motivo pelo qual mantivemos a nota no último relatório em vez de rebaixar, mas precisamos ver a resposta do governo ao adiamento da reforma para tomar uma nova decisão. Não sabemos se há um bom plano B, por exemplo, para conter os gastos públicos”.

Em vez de apresentar um plano B, o ministro da Fazenda preferiu minimizar a crítica da S&P, dizendo que o rebaixamento foi “absolutamente normal” e a nota seria retomada após os resultados da agenda de “histórico comprovado de sucesso”. “Não se deve dar um peso excessivo, transformando isso em um movimento político. A questão de upgrade ou downgrade é pontual, um importante sinalizador, mas não é um grande evento político do país”, disse Meirelles nesta sexta-feira. “Pelo contrário, [houve uma] observação de que eles vão aguardar a aprovação de todas medidas relevantes do ponto de vista fiscal. Nós temos nossa agenda de trabalho e na medida que isso vai funcionando, as agências vão reconhecendo no devido tempo”.

Como mostrou a S&P, paciência tem limite.

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