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2015: o 2003 que virou 1999? Ou os anos 80?

O que aproxima e afasta a crise atual de outros momentos difíceis vividos pela economia brasileira

EXAME.com (EXAME.com)

João Pedro Caleiro

Publicado em 23 de março de 2015 às 13h30.

São Paulo – Inflação em alta, atividade em queda, dólar nas alturas, aperto nas contas públicas, um presidente enfraquecido e um Congresso em ebulição.

Poderia ser um resumo das manchetes de 2015, mas nenhum destes elementos é novidade na história do Brasil. No final de 2014, alguns economistas lembravam que o Brasil já havia se saído bem, por exemplo, de ajustes fiscais duros no passado.

A previsão dos otimistas era que se a presidente levasse a sério uma recondução da política econômica, este ano poderia acabar sendo um pouco como 2003, que terminou muito melhor do que começou. O problema é que ficou difícil ver de onde pode vir o otimismo.

2003

“2015 nunca poderia ser igual a 2003 como Dilma e Lula estavam pensando. Naquela época, uma sucessão de choques produziu uma rápida recuperação da confiança”, lembra Maílson da Nobrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e hoje na consultoria Tendências.

Já no final de 2002, a indicação do banqueiro Henrique Meirelles para o Banco Central afastou o temor de que o regime de metas de inflação seria abandonado. O risco país chegou a 2.400 pontos antes da eleição, mas já estava na metade disso quando Lula assumiu.

Depois, o encaminhamento da Reforma da Previdência sinalizaria a disposição do PT em enfrentar a própria base. De dezembro de 2002 para dezembro de 2003, a expectativa de inflação caiu pela metade (de 12% para 5,9%).

O dólar chegou a R$ 3,60 em novembro de 2002, mas havia recuado para R$ 3,45 em março de 2003 e atingiria R$ 3 já em maio. Só em 2015, ele saltou de R$ 2,69 para cerca de R$ 3,20.

“Hoje temos o pior dos dois mundos. Não é um novo governo, que consegue com poucas medidas mostrar sua firmeza de propósito. O ministro da Fazenda, em particular, é visto como corpo estranho na equipe - não era o caso de Malan [ministro de FHC], muito menos de Palocci”, diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e hoje na Schwartsman Associados.

1999

Do ponto de vista político, ele acredita que a melhor comparação é com 1999, com “um presidente começando seu segundo mandato e sendo forçado a renegar promessas, em meio a inflação alta e atividade em queda”, diz.

De acordo com o Datafolha, apenas 13% dos brasileiros consideram o governo Dilma ótimo ou bom. Fernando Henrique chegou ao mesmo patamar em setembro de 1999, reflexo do fim da âncora cambial, também negado até o fim na campanha.

A ligação entre insatisfação econômica e impopularidade é comum e notória e a conversa de impeachment também floresceu naquele momento. A diferença é que falta a Dilma o talento político e jogo de cintura mostrado por Lula, FHC e até Sarney, dizem os analistas.

Em 1999, o clima de "estelionato eleitoral" também era palpável, mas o PIB teve algum crescimento (0,8%) e parte da turbulência era de origem externa. Os anos 90 viram crises sucessivas em emergentes: México em 1994, tigres asiáticos em 1997, Rússia em 1998.

Apesar da perspectiva de alta dos juros nos Estados Unidos e do fortalecimento generalizado do dólar, o cenário internacional hoje é muito mais benigno.

“A história das nossas crises sempre tinha um lado cambial agudo, que não existe hoje. Continua entrando dólar, a taxa de risco subiu pouco e o investimento estrangeiro direto continua financiando grande parte do déficit. O que tem em comum é uma grande deterioração fiscal”, diz Raul Velloso, especialista em contas públicas.

2014 teve o primeiro déficit fiscal do governo central desde 2001. Isso significa que o ajuste fiscal é hoje mais difícil e sensível às incertezas do cenário do que em momentos anteriores.

Novidades boas e ruins

Para Maílson, a situação atual é inédita na democracia brasileira. Em termos de crescimento, quase: a previsão de analistas e de bancos como o HSBC é de recessão entre 0,78% e 1,2% em 2015 - de uma forma ou de outra, a pior desde 1990, quando o PIB recuou 4,3%.

Para Samuel Pessôa, do IBRE/FGV, o melhor paralelo é com meados dos anos 80, com muita inércia inflacionária, mercado de trabalho apertado e política microeconômica muito ruim: “O crescimento não virá rápido mesmo depois da arrumação da casa”, diz ele.

Para outros analistas, não há hoje nada comparável ao que o Brasil viveu com a crise da dívida, mas há também elementos novos ruins: um deles é a ligação direta entre a a corrupção – de resto, um problema histórico do país – com a deterioração do cenário econômico.

O escândalo da Petrobras atinge não só a capacidade de investimento da maior empresa do país, que já vem de anos com perdas blilionárias, mas também as grandes empreiteiras - que investigadas e punidas, dificilmente terão foco e fôlego financeiro para alavancar a taxa de investimento.

Se há algum consolo, é o de que algumas instituições e escudos também estão mais fortes. As reservas internacionais são um colchão recorde (US$ 370 bilhões) e grande parte da dívida foi convertida em moeda local. O país é, pelo menos por enquanto, grau de investimento pelas agências de risco.

A inflação está alta, mas em boa parte por causa do reajuste de preços administrados que ficaram contidos por muito tempo, como energia e gasolina. O desemprego dá sinais de alta, mas a partir de patamares historicamente baixos. Se a máxima que "o que não mata, fortalece" vale também para a economia brasileira, só o futuro dirá.

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Poderia ser um resumo das manchetes de 2015, mas nenhum destes elementos é novidade na história do Brasil. No final de 2014, alguns economistas lembravam que o Brasil já havia se saído bem, por exemplo, de ajustes fiscais duros no passado.

A previsão dos otimistas era que se a presidente levasse a sério uma recondução da política econômica, este ano poderia acabar sendo um pouco como 2003, que terminou muito melhor do que começou. O problema é que ficou difícil ver de onde pode vir o otimismo.

2003

“2015 nunca poderia ser igual a 2003 como Dilma e Lula estavam pensando. Naquela época, uma sucessão de choques produziu uma rápida recuperação da confiança”, lembra Maílson da Nobrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e hoje na consultoria Tendências.

Já no final de 2002, a indicação do banqueiro Henrique Meirelles para o Banco Central afastou o temor de que o regime de metas de inflação seria abandonado. O risco país chegou a 2.400 pontos antes da eleição, mas já estava na metade disso quando Lula assumiu.

Depois, o encaminhamento da Reforma da Previdência sinalizaria a disposição do PT em enfrentar a própria base. De dezembro de 2002 para dezembro de 2003, a expectativa de inflação caiu pela metade (de 12% para 5,9%).

O dólar chegou a R$ 3,60 em novembro de 2002, mas havia recuado para R$ 3,45 em março de 2003 e atingiria R$ 3 já em maio. Só em 2015, ele saltou de R$ 2,69 para cerca de R$ 3,20.

“Hoje temos o pior dos dois mundos. Não é um novo governo, que consegue com poucas medidas mostrar sua firmeza de propósito. O ministro da Fazenda, em particular, é visto como corpo estranho na equipe - não era o caso de Malan [ministro de FHC], muito menos de Palocci”, diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e hoje na Schwartsman Associados.

1999

Do ponto de vista político, ele acredita que a melhor comparação é com 1999, com “um presidente começando seu segundo mandato e sendo forçado a renegar promessas, em meio a inflação alta e atividade em queda”, diz.

De acordo com o Datafolha, apenas 13% dos brasileiros consideram o governo Dilma ótimo ou bom. Fernando Henrique chegou ao mesmo patamar em setembro de 1999, reflexo do fim da âncora cambial, também negado até o fim na campanha.

A ligação entre insatisfação econômica e impopularidade é comum e notória e a conversa de impeachment também floresceu naquele momento. A diferença é que falta a Dilma o talento político e jogo de cintura mostrado por Lula, FHC e até Sarney, dizem os analistas.

Em 1999, o clima de "estelionato eleitoral" também era palpável, mas o PIB teve algum crescimento (0,8%) e parte da turbulência era de origem externa. Os anos 90 viram crises sucessivas em emergentes: México em 1994, tigres asiáticos em 1997, Rússia em 1998.

Apesar da perspectiva de alta dos juros nos Estados Unidos e do fortalecimento generalizado do dólar, o cenário internacional hoje é muito mais benigno.

“A história das nossas crises sempre tinha um lado cambial agudo, que não existe hoje. Continua entrando dólar, a taxa de risco subiu pouco e o investimento estrangeiro direto continua financiando grande parte do déficit. O que tem em comum é uma grande deterioração fiscal”, diz Raul Velloso, especialista em contas públicas.

2014 teve o primeiro déficit fiscal do governo central desde 2001. Isso significa que o ajuste fiscal é hoje mais difícil e sensível às incertezas do cenário do que em momentos anteriores.

Novidades boas e ruins

Para Maílson, a situação atual é inédita na democracia brasileira. Em termos de crescimento, quase: a previsão de analistas e de bancos como o HSBC é de recessão entre 0,78% e 1,2% em 2015 - de uma forma ou de outra, a pior desde 1990, quando o PIB recuou 4,3%.

Para Samuel Pessôa, do IBRE/FGV, o melhor paralelo é com meados dos anos 80, com muita inércia inflacionária, mercado de trabalho apertado e política microeconômica muito ruim: “O crescimento não virá rápido mesmo depois da arrumação da casa”, diz ele.

Para outros analistas, não há hoje nada comparável ao que o Brasil viveu com a crise da dívida, mas há também elementos novos ruins: um deles é a ligação direta entre a a corrupção – de resto, um problema histórico do país – com a deterioração do cenário econômico.

O escândalo da Petrobras atinge não só a capacidade de investimento da maior empresa do país, que já vem de anos com perdas blilionárias, mas também as grandes empreiteiras - que investigadas e punidas, dificilmente terão foco e fôlego financeiro para alavancar a taxa de investimento.

Se há algum consolo, é o de que algumas instituições e escudos também estão mais fortes. As reservas internacionais são um colchão recorde (US$ 370 bilhões) e grande parte da dívida foi convertida em moeda local. O país é, pelo menos por enquanto, grau de investimento pelas agências de risco.

A inflação está alta, mas em boa parte por causa do reajuste de preços administrados que ficaram contidos por muito tempo, como energia e gasolina. O desemprego dá sinais de alta, mas a partir de patamares historicamente baixos. Se a máxima que "o que não mata, fortalece" vale também para a economia brasileira, só o futuro dirá.

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