2 semanas após moratória, crise argentina continua sem saída
"Entrou-se em um terreno desconhecido sem precedentes", disse em entrevista o ex-ministro da Economia argentino Roberto Lavagna
Da Redação
Publicado em 13 de agosto de 2014 às 19h17.
Duas semanas depois de a Argentina ter entrado em moratória por uma ordem judicial nos Estados Unidos vinculada ao litígio com fundos especulativos, o caso parece bloqueado entre as limitações do juiz para forçar o pagamento e a decisão do governo de Cristina Kirchner de não ceder.
Mesmo que cada analista faça seu próprio prognóstico sobre certos aspectos da complexa situação judicial e financeira criada no dia 30 de julho, todos concordam em um ponto: "Entrou-se em um terreno desconhecido sem precedentes", como disse em uma entrevista à AFP o ex-ministro da Economia argentino Roberto Lavagna.
"Este foi um jeito duro de aprender que, no fim das contas, os tribunais americanos não têm controle sobre as políticas internas dos países estrangeiros", afirmou a analista Anna Gelpern, do Instituto Peterson de Economia Internacional, sugerindo que o "default não era o plano" do juiz federal Thomas Griesa.
Griesa bloqueou no final de junho um pagamento da Argentina de 539 milhões de dólares por títulos reestruturados em 2005 e 2010 para forçar o país a cumprir sua decisão a favor dos fundos especulativos por dívida em moratória desde 2001.
Mesmo com o vencimento do prazo de carência, no dia 30 de julho, e com as negociações de última hora em Nova York na presença do ministro da Economia Axel Kiciloff, a Argentina tomou a decisão de não aceitar a exigência do juiz de pagar 1,33 bilhão de dólares aos fundos chamados de "abutres", porque compraram a dívida já em moratória.
As agências de classificação de risco declararam o país em "moratória parcial" e o pagamento dos seguros da dívida foi ativado. O governo argentino, contudo, não se conformou: garante ter cumprido sua obrigação de pagar aos 92,4% dos credores que aceitaram a renegociação e acusa Griesa de ter gerado uma situação "insólita".
Embora, do ponto de vista técnico legal, a sentença possa ser considerada acertada, questiona-se sua execução, que toca em aspectos delicados como a imunidade soberana dos Estados.
Segundo o economista Claudio Loser, da consultoria Centennial Group Latin America, "no setor financeiro há uma unanimidade sobre a validade da decisão, em particular porque foi aprovada pelo tribunal de apelações e, em última instância, pela Suprema Corte dos Estados Unidos".
"Há diferenças de tom sobre o impacto nos mercados financeiros mundiais, mas existe um claro entendimento de que se chegou corretamente à decisão", acrescentou.
São poucos os que eximem a Argentina de culpa, embora nos últimos dias cada vez mais analistas tenham questionado na imprensa americana a teimosia do juiz em fazer cumprir ao pé da letra um contrato em um contexto que supera sua jurisdição dando razão àqueles que aproveitam a fundo os resquícios do sistema judicial.
Onde está o piloto?
Um dos exemplos concretos do limbo criado por Griesa são os 539 milhões de dólares pagos pela Argentina e retidos no Bank of New York Mellon (BoNY).
O governo argentino argumenta que esse dinheiro, uma vez depositado na conta do agente fiduciário, já não é mais seu, e que, por isso, Griesa não pode retê-lo ou embargá-lo.
Griesa não tocou nos 539 milhões para pagar parte da sentença. De acordo com alguns especialistas, isso pode indicar que esse dinheiro já não pertence legalmente à Argentina e que não pode ser embargado por estar da conta do BoNY no Banco Central da República Argentina (BCRA).
Desde a moratória de 30 de julho, o juiz apenas insiste que as partes voltem a negociar com o mediador Dan Pollack, algo que o governo de Kirchner rejeita depois de ter afirmado que o advogado é "parcial".
Griesa ainda ameaçou declarar a Argentina em "desacato" por declarações "falsas e enganosas" em relação ao litígio, embora não tenha esclarecido que repercussão isso poderia ter para um Estado soberano.
"Como é conhecida, a figura do desacato poderia ser abstrata para um Estado soberano. A não ser que o juiz Griesa comunique ao Departamento de Estado americano e peça sua intervenção", disse o advogado Eugenio Bruno, especialista que acompanha o caso.
O governo argentino insiste que a solução é política e passa pelo presidente Barack Obama.
A Argentina tenta retardar todo tipo de negociação pelo menos até janeiro de 2015, quando expira a cláusula Rufo dos contratos de renegociação de 2005 e 2010, que impede que o país conceda qualquer melhora na remuneração dos seus títulos da dívida sob pena de ter que estendê-la a todos os credores.
Por enquanto, a catástrofe prevista para a economia argentina com a chegada da moratória não aconteceu, ainda que ninguém garanta que não vá surgir um panorama de inflação, volatilidade cambial e recessão.