Favela do Mandela, na zona norte do Rio, é uma das mais pobres da cidade, com esgoto correndo em meio às casas (Vladimir Platonow/Abr)
João Pedro Caleiro
Publicado em 3 de fevereiro de 2017 às 07h00.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2017 às 07h00.
São Paulo - A crise econômica no Brasil enviou 4,4 milhões de famílias para as classes D e E só no biênio 2015-2016, de acordo com estudo da consultoria Tendências.
É suficiente para mais do que anular todo o processo de mobilidade social verificado entre 2006 e 2012, quando 3,3 milhões de famílias fizeram o caminho inverso.
Nos últimos dois anos, só as classes mais baixas (D e E) ganharam membros enquanto todas as outras (A, B e C) perderam, o que deixa claro a direção da mobilidade.
A classe A foi a maior perdedora tanto em termos relativos quanto em perda no agregado da massa salarial: R$ 46,2 bilhões em 2015 e R$ 39 bilhões em 2016. Mas esse é o grupo que costuma entrar e sair mais rápido da crise:
“Há maior concentração de empregadores no estrato mais alto de renda, com renda atrelada à lucratividade de suas empresas, de modo que tendem a sentir de forma mais rápida e aguda o ciclo econômico que os trabalhadores com carteira, por exemplo", diz o estudo.
Foram consideradas como classes D e E as famílias com rendimento mensal abaixo de R$ 2.166, como classe C aquelas com renda entre R$ 2.166 e R$ 5.233, como classe B as com renda entre R$ 5.233 e R$ 16.263 e como classe A as famílias com renda acima disso.
Desigualdade e futuro
Foram utilizados dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) combinados com dados da Receita Federal para quem ganha mais de 5 salários mínimos.
Essas informações extras permitem um retrato mais fiel da realidade, já que a PNAD reconhecidamente subestima a renda dos mais ricos ao se basear apenas em questionários.
Um exemplo: pela PNAD original, a renda familiar média da classe A é 19,5 vezes maior do que a média nas famílias das classes D/E. Com ajuste, a diferença sobe para 33,4 vezes (dados de 2014).
A classe A tem 3% das famílias e 35% da renda total, enquanto as classes D e E tem 56,4% das famílias e apenas 16,4% da renda.
“A desigualdade de renda no Brasil é muito maior do que as estatísticas oficiais reportam”, diz o estudo.
Pouco menos de metade dessa desigualdade pode ser atribuída ao fator escolaridade: praticamente não há profissionais com ensino superior na classe D/E, enquanto a classe A é praticamente dominada (81,7%) por gente com essa formação.
A retomada econômica, quando vier, já não deve ser tão positiva para a nova classe média, nota Adriano Pitoli, economista da Tendência e responsável pelo estudo.
“Os motores do crescimento brasileiro entre 2006 e 2014 foram varejo e o consumo, que demandam muita mão de obra de baixa qualificação, o que favoreceu o aumento de salário nesses grupos. Mas esse cartucho a gente já gastou e não pensamos ser possível voltar. O fator que favoreceu as classes de menor renda não vai se repetir tão cedo", diz ele.
O chamado "prêmio por qualificação" - o valor a mais que um indivíduo ganha por ter faculdade - caiu em 2011, ficou estável em 2012, 2013 e 2014 e voltou a subir em 2015.
A previsão do estudo é que a classe C, que já deixou de ser a mais dinâmica, siga com evoluções modestas enquanto as classes A e B terão as taxas de crescimento mais elevadas quando a economia voltar a crescer - o que pode acontecer já neste trimestre.