Ciência

Pesquisadores descrevem a história genética do cacau no Brasil

Estudo estruturou a genética e a diversidade molecular do chamado “cacau da Bahia”, um conjunto de variedades locais desenvolvidas nos últimos dois séculos

Fruto do cacau: maior controle da vassoura-de-bruxa possibilitou à Bahia voltar ao mercado externo de cacau (Getty Images)

Fruto do cacau: maior controle da vassoura-de-bruxa possibilitou à Bahia voltar ao mercado externo de cacau (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 11 de janeiro de 2017 às 09h57.

Última atualização em 11 de janeiro de 2017 às 09h58.

A saga do cacau no sul da Bahia faz parte da história econômica e cultural do Brasil. Não fosse a bem-sucedida introdução dos cacaueiros na região de Ilhéus no século 18, não haveria o ciclo do cacau da Bahia nem motivos para inspirar Jorge Amado a escrever Gabriela, Cravo e Canela.

Mas o sucesso da cultura do cacau na Bahia é coisa do passado. O Brasil, que já foi o segundo maior produtor mundial de cacau, hoje é apenas o sexto.

E foi somente em 2015, após mais de 20 anos excluída do mercado mundial, que a Bahia pôde retomar a exportação do produto.

A culpa do declínio da cacauicultura baiana é o fungo Moniliophtora perniciosa, que transmite a doença da vassoura-de-bruxa. A praga apareceu na região de Ilhéus-Itabuna em 1989 e se alastrou afetando os frutos, os brotos e as flores dos cacaueiros.

As árvores deixaram de dar frutos. A produção brasileira, que era de 320 mil toneladas por ano, despencou para 190 mil toneladas por ano em 1991. Toda a queda corresponde ao tombo da cacauicultura baiana, estado que concentrava 80% da produção.

Nas últimas duas décadas, muitos esforços têm sido feitos para o combate à vassoura-de-bruxa, especialmente na busca de novas variedades de cacau resistentes à praga, pois o fungo continua presente no sul da Bahia.

Uma iniciativa inovadora é o estudo de estrutura genética e da diversidade molecular do assim chamado “cacau da Bahia”, um conjunto de variedades locais desenvolvidas nos últimos dois séculos. O estudo é conduzido pela professora Anete Pereira de Souza, do Instituto de Biologia e do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas, ao lado de pesquisadores de diversas universidades e centros de pesquisa da Bahia, como a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano).

Os resultados foram publicados na PLoS One, com apoio da FAPESP.

“A baixa resistência do cacau da Bahia à praga da vassoura-de-bruxa sempre me intrigou”, disse Souza. “A Amazônia brasileira é um dos centros da espécie Theobroma cacao. Portanto, devem existir muitas variedades e tipos de cacau diferentes, alguns inclusive resistentes ao fungo M. perniciosa. Então, como se explica que a praga praticamente dizimou as plantações de cacau do sul da Bahia em poucos anos, sendo que ele veio da Amazônia? Decidimos então estudar a história genética do cacau da Bahia para encontrar a razão de sua baixa resistência à vassoura-de-bruxa e assim encontrar uma maneira de torná-lo mais resistente ao fungo.”

O cacau chegou à Bahia em 1746, quando um colonizador francês que vivia no Pará, Luiz Frederico Warneau, enviou algumas sementes da variedade “Forastero” (do grupo Amelonado) ao fazendeiro baiano Antonio Dias Ribeiro, que as semeou no município de Canavieiras.

Em 1752, foram plantadas as primeiras sementes em Ilhéus. As plantas se aclimataram bem à região. Ao longo do século 19, as fazendas de cacau foram se disseminando na região e as exportações avançaram à medida que aumentava o consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos. Nas primeiras décadas do século 20, o cacau era o principal produto de exportação da Bahia.

“O cacau da Bahia é de excelente qualidade, tanto que todos os cinco maiores produtores mundiais (Costa do Marfim, Gana, Indonésia, Nigéria e Camarões, nesta ordem) plantam o cacau da Bahia. As sementes que lá foram introduzidas pertenciam todas à variedade Forastero da Bahia”, explicou Souza.

A vassoura-de-bruxa é endêmica na América do Sul e no Caribe, mas jamais atravessou o oceano para infestar os plantios na África e no sudeste asiático.

Após grande combate epidemiológico e científico à vassoura-de-bruxa, resultados começaram a aparecer. A produção brasileira de cacau, que havia recuado a um mínimo de 170 mil toneladas em 2003, atingiu 291 mil toneladas em 2014, a maior safra em 26 anos.

O maior controle da vassoura-de-bruxa possibilitou à Bahia voltar ao mercado externo, com a exportação de 6,6 mil toneladas de amêndoas para o mercado europeu em 2015.

Base genética estreita

Para entender a razão genética da extrema suscetibilidade do cacau da Bahia à vassoura-de-bruxa, Souza e a então doutoranda Elisa Santos, da Universidade Estadual do Sudeste da Bahia, juntamente com pesquisadores da Universidade Estadual de Santa Cruz e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, ambas em Ilhéus (BA), foram a campo. Santos coletou 219 amostras de folhas de cacaueiros em sete fazendas, assim como outras 51 amostras de híbridos desenvolvidos ao longo de décadas no Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec/Ceplac), de Ilhéus.

De volta ao Centro de Biologia Molecular da Unicamp, foi realizado o sequenciamento do DNA nuclear das 270 amostras, focalizando a investigação em 30 marcadores moleculares – pequenos trechos do DNA que servem de parâmetro de comparação entre as variedades.

O que se descobriu foi que a base genética do cacau da Bahia é muito estreita. Literalmente todos os cacaueiros baianos têm a sua origem em um número muito pequeno de indivíduos, ou seja, de sementes da variedade Forastero. É que essas sementes foram muito bem escolhidas pela qualidade do cacau produzido pelas árvores que deram origem a elas. Entre aquelas estão as sementes trazidas por Warneau há 270 anos.

Se por um lado a baixa diversidade genética das plantas garantia a qualidade do fruto, por outro tornava toda a população de cacaueiros frágil, dada a ausência de variedades que pudessem resistir a uma ameaça como acabou sendo a vassoura-de-bruxa.

Para piorar a situação, os pesquisadores descobriram que os híbridos desenvolvidos pelo centro de melhoramento nos anos 1950 e 1960 (e cultivados até hoje), em vez de aumentarem a variação genética na população cacaueira, acabaram por reduzi-la ainda mais, já que também foram produzidos com base apenas na qualidade do cacau.

“Já havia uma base genética estreita. Então se escolheu unicamente plantas dessa base para obter híbridos. Não se pensou em trazer novas variedades de fora da Bahia para ampliar a base genética das árvores da região. O resultado foi a obtenção de híbridos ainda menos resistentes à vassoura-de-bruxa”, disse Souza.

Uma boa notícia da pesquisa foi a descoberta nas fazendas de árvores resistentes à doença e com maior variação genética que aquela encontrada nos híbridos atualmente existentes.

“São cacaueiros anteriores à praga, que jamais foram atacados, não foram derrubados e continuam produzindo. E devem existir outros, além dos que coletamos. Essas árvores não podem ser perdidas. Governo e fazendeiros precisam preservar essas variedades, elas representam o sucesso no futuro da cacauicultura baiana, nacional e também mundial, já que o cacau da Bahia foi exportado para o mundo todo”, disse Souza.

Atualmente novos híbridos envolvendo as árvores de cacau com resistência à vassoura-de-bruxa e maior variação genética já estão sendo obtidos pelos pesquisadores dos centros de pesquisa na Bahia.

Essa matéria foi originalmente publicada no site da Agência Fapesp.

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