Ciência

Pesquisadores brasileiros se unem para combater o coronavírus

Labotários da Unicamp devem começar a oferecer testes em larga escala para diagnosticar coronavírus na região de Campinas

Coronavírus no Brasil: realização de testes para diagnóstico do novo coronavírus é apenas uma das frentes da força-tarefa (Victor Moriyama/Getty Images)

Coronavírus no Brasil: realização de testes para diagnóstico do novo coronavírus é apenas uma das frentes da força-tarefa (Victor Moriyama/Getty Images)

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Reuters

Publicado em 31 de março de 2020 às 09h31.

Última atualização em 1 de abril de 2020 às 00h49.

Um grupo de pesquisadores e servidores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reuniu equipamentos, insumos e voluntários para a realização de testes do novo coronavírus em Campinas. Além disso, eles estudam novos métodos de detecção, a ação do vírus no organismo e fármacos que possam atuar contra a covid-19.

Os pesquisadores buscam ainda garantir a manutenção de aparelhos médicos necessários neste momento e a fabricação de peças e equipamentos de proteção individual, por meio de impressão 3D, para profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à epidemia.

Os recursos vêm de projetos de pesquisa em andamento – financiados por agências de fomento como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a FAPESP –, da própria Unicamp e também de doações de empresas, pessoas físicas e do Ministério Público do Trabalho (MPT) .

José Luiz Proença Módena, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE), tem entre suas atribuições a ampliação da capacidade do Laboratório de Patologia Clínica (LPC) do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp em realizar testes diagnósticos.

O LPC, coordenado por Magnun Nueldo Nunes dos Santos, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, está na fase final do processo de certificação junto ao Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, para se adequar às normas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Com isso, os testes realizados na Unicamp não precisarão de contraprova na capital paulista.

Módena replicou as primeiras amostras do RNA do vírus para serem usadas como controle positivo nos testes diagnósticos. As amostras do vírus foram obtidas junto a Edison Luiz Durigon, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador do grupo de pesquisadores que isolou e cultivou o vírus obtido dos dois primeiros pacientes infectados do Brasil, além de colaborar com a produção de reagentes para diagnóstico e dos ensaios com virais.

“Com esse material, pudemos padronizar e implementar o teste diagnóstico no Hospital de Clínicas da Unicamp. Isso agora está sendo escalonado, com o objetivo de oferecer testes em larga escala para a região de Campinas, sendo que a chegada dos insumos nos próximos dias nos permitirá testar um grande número de pacientes”, diz Módena, que coordena o projeto “Patogênese e neurovirulência de vírus emergentes no Brasil”, financiado pela FAPESP.

Testes

Para realizar tantos testes, são necessários não só os insumos de laboratório, mas equipamentos como termocicladores, centrífugas e máquinas de PCR em tempo real, além de pessoal treinado para operá-los. Por isso, assim que obtiveram as amostras do vírus, a preocupação dos pesquisadores foi ter mais dessas máquinas e equipe capacitada para realizar os testes.

Alessandro dos Santos Farias, professor do IB-Unicamp, foi um dos pesquisadores que organizaram um mutirão para reunir equipamentos e treinar os profissionais do HC e voluntários.

“Em outros países, houve problema de falta de gente treinada para fazer os testes. Na nossa rotina de pesquisa, porém, esse tipo de reação é algo que fazemos com bastante frequência e as máquinas estão disponíveis em muitos laboratórios. Fizemos então um chamado à comunidade e conseguimos equipamentos e voluntários”, diz Farias, coordenador de um Auxílio à Pesquisa Regular e de outro Auxílio à Pesquisa no âmbito do Programa Equipamentos Multiusuários, apoiados pela Fundação.

Primeiramente, estão sendo treinados os profissionais do próprio LPC e serão usados quatro aparelhos de PCR em tempo real (capazes de identificar o material genético do vírus nas amostras), que analisam simultaneamente 96 amostras cada um.

Pelo menos outras quatro unidades desses aparelhos servirão de backup. Se for necessário aumentar a quantidade de testes, já há outros PCRs disponíveis e cerca de 400 voluntários, a grande maioria com experiência em biologia molecular, como professores, servidores e alunos de pós-graduação da universidade.

“Mais de 80% dos voluntários têm experiência em biologia molecular, o que mostra a importância do financiamento público não só para montar um parque de equipamentos desse tipo como para a capacitação de recursos humanos especializados, que agora podem atender a uma demanda urgente da sociedade”, diz Marcelo Mori, professor do IB-Unicamp, responsável por Projeto Temático apoiado pela FAPESP.

Além de tentar entender por que idosos são mais suscetíveis à COVID-19, Mori faz a articulação entre o IB, o HC, a Reitoria da Unicamp e financiadores da iniciativa, como o Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão (FAEPEX) da universidade, e empresas e pessoas físicas que queiram fazer doações para a compra de insumos e equipamentos.

Compreensão do vírus

A realização de testes para diagnóstico do novo coronavírus é apenas uma das frentes da força-tarefa. O laboratório comandado por Módena – único com nível de biossegurança 3 na região, em uma escala que vai até 4 – vai realizar a caracterização do vírus presente em pacientes que testarem positivo para o SARS-COV-2 em Campinas.

“O objetivo é entender como está a circulação do vírus aqui, as diferenças em relação ao de São Paulo e como isso pode impactar o quadro clínico do paciente”, diz o pesquisador.

O trabalho será realizado em parceria com o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), apoiado pela FAPESP e coordenado por Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP.

Sabino comandou a equipe que sequenciou o genoma dos vírus nos primeiros casos da COVID-19 no Brasil.

A caracterização do vírus conta ainda com a colaboração de William Marciel de Souza, que realiza estágio de pós-doutorado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP com bolsa da FAPESP, vinculada a projeto coordenado por Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, professor da FMRP-USP.

Outra medida importante, que terá apoio do laboratório de Módena, será o monitoramento da carga viral dos pacientes graves internados no HC. A informação é essencial para saber quando liberar os pacientes e disponibilizar os leitos.

As amostras obtidas vão proporcionar ainda a análise dos chamados mediadores inflamatórios que o organismo produz quando em contato com o novo coronavírus. “Além das comorbidades, será possível entender melhor o que diferencia a resposta de um paciente que evolui para um quadro grave de outro, da mesma faixa etária, que evolui bem, por exemplo”, explica o pesquisador.

A equipe comandada por Módena trabalha ainda, em colaboração com Daniel Martins de Souza e Rodrigo Ramos Catarino, na caracterização de novos biomarcadores do SARS-COV-2, que pode possibilitar desde a criação de variações mais baratas do método de detecção usado hoje, de PCR em tempo real, até o desenvolvimento de novas metodologias para detectar pacientes de alto risco Essa possível alternativa ao método PCR, hoje preconizado pela Organização Mundial de Saúde, ainda deve levar alguns meses para ser desenvolvida e validada.

Medicamentos

Módena colabora ainda com grupos que buscam fármacos já disponíveis no mercado com potencial de ação contra a COVID-19, como o de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que atualmente testa a ação de cinco fármacos em uma das enzimas essenciais para o vírus.

Outro grupo com essa missão faz parte do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e coordenado por Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP.

Outras moléculas que serão testadas pela equipe do pesquisador serão fornecidas pelo Centro de Química Medicinal (CQMED), da Unicamp, também apoiado pela FAPESP.

“A ideia é encontrar fármacos que já se mostraram seguros para humanos no tratamento de outras doenças e que possam ter efeito contra a COVID-19”, explica Módena.

Impressão 3D de EPI

Uma outra frente da força-tarefa se dedica ao conserto de aparelhos hospitalares, inclusive respiradores, e à produção de peças de reposição e equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde.

O Centro de Engenharia Biomédica (CEB), coordenado por Leonardo Abdala Elias, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, dará suporte e fará manutenção e recuperação não só de respiradores artificiais como de monitores multiparamétricos, bombas de infusão e cardioversores.

O Laboratório de Biofabricação (Biofabris), por sua vez, coordenado por Rubens Maciel Filho, recebeu doações do Ministério Público do Trabalho para a compra de polímeros para a produção, por meio de impressão 3D, do chamado face shield, um protetor facial transparente que protege todo o rosto do profissional de saúde, aumentando a proteção. As impressoras 3D localizadas no laboratório podem ainda imprimir peças de reposição para equipamentos hospitalares.

“Além de recuperar equipamentos que não estão operando, com essa tecnologia é possível substituir peças que, muitas vezes, são importadas e por isso têm alto custo e demoram a chegar. Com a impressão 3D, fabricamos algumas peças rapidamente, com bastante precisão, e fazemos a substituição”, diz Maciel, que coordena ainda o Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE), constituído pela FAPESP em parceria com a Shell.

O Biofabris pode fabricar ainda moldes para máscaras cirúrgicas, que serão fornecidos para empresas que tenham certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para fabricá-las.

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