Pesquisadores brasileiros criam testes rápidos para detectar coronavírus
Projeto usa sensor eletroquímico que encontra na saliva do paciente pelo menos três sequências do genoma do vírus
Isabela Rovaroto
Publicado em 13 de maio de 2020 às 13h50.
Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) estão desenvolvendo dispositivos para a identificação do coronavírus (SARS-CoV-2) em pacientes infectados, em ambientes contaminados e até mesmo nas redes de esgoto.
O projeto prevê a utilização de um sensor eletroquímico para a detecção, na saliva do paciente, de pelo menos três sequências do genoma do vírus. A pesquisa tem o apoio da FAPESP , no âmbito do edital Suplementos de Rápida Implementação contra COVID-19.
“Nosso objetivo é desenvolver uma metodologia simples e de baixo custo para o diagnóstico de COVID-19. A plataforma de testes descartável fará uso de materiais de fácil acesso e equipamentos simples e também permitirá a análise de diferentes amostras simultaneamente”, diz Ronaldo Censi Faria, pesquisador do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que lidera o projeto.
De acordo com Faria, o teste rápido consiste em um dispositivo com vários compartimentos (canais microfluídicos), no qual a saliva do paciente é inserida. Os compartimentos contarão com quatro regiões sensoras (chips) programadas para identificar pedaços do RNA do vírus. “A detecção se dá por eletroquimiluminescência, ou seja, a partir da reação eletroquímica entre o sensor e o RNA do vírus ocorre a emissão de luz. Com isso, se o sensor detectar pelo menos uma das sequências de RNA, um ponto de luz irá surgir, indicando que o paciente está infectado", diz.
Em 2017, a equipe de Faria desenvolveu um dispositivo semelhante para a detecção de biomarcadores da doença de Alzheimer. "Normalmente, trabalhamos em conjunto com médicos e especialistas de outras áreas que nos apresentam um problema. No caso do dispositivo do Alzheimer, a professora Márcia Cominetti, do Departamento de Gerontologia da UFSCar, nos procurou após ter identificado que pacientes com Alzheimer apresentavam alteração em uma proteína [ADAM10] presente no sangue”, diz.
O grupo de pesquisadores desenvolveu então um sensor para detectar a presença dessa proteína em um dispositivo de baixo custo já patenteado, mas ainda sem previsão para ser comercializado.
Biomarcadores proteicos
De acordo com Faria, a metodologia usada no desenvolvimento dos testes para COVID-19 é uma adaptação de uma série de dispositivos que estão sendo desenvolvidos nos laboratórios para identificar a ocorrência de outras doenças, como câncer, leishmaniose, hanseníase, zika e Alzheimer.
“O nosso laboratório tem experiência no uso de biomarcadores proteicos para a identificação de doenças. Alguns deles já eram marcadores conhecidos que utilizamos em dispositivos, outros eram biomarcadores novos, como o caso do nosso dispositivo para detectar Alzheimer. Nesse novo projeto usaremos marcadores de RNA, partes da sequência de RNA que foram separadas pelo pesquisador Matias Melendez, que integra o nosso grupo”, diz.
No estudo para COVID-19, os pesquisadores vão testar a aplicação dos biomarcadores genéticos inicialmente em amostras com sequências sintéticas. Na segunda fase do projeto, haverá comprovação da técnica em amostras de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 fornecidas pelo Hospital Universitário da UFSCar, por meio de uma colaboração do pesquisador com o professor do Departamento de Medicina Henrique Pott Junior.
Identificação do vírus em ambientes
A equipe multidisciplinar também está desenvolvendo outros tipos de testes com sensores para a identificação do vírus em ambientes, como casas, ruas e escritórios, e no sistema de esgoto. Esses dois outros projetos estão sendo apoiados por um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Como já temos uma metodologia, é do nosso interesse adaptá-la para diferentes usos, desde que seja possível identificar um biomarcador para a doença”, diz.
Além de trabalhar com a detecção de sequências de RNA do vírus, o grupo busca desenvolver ainda outra abordagem a partir do capsídeo do vírus (a membrana que envolve o vírus). “Se conseguirmos detectar o capsídeo, podemos desenvolver um teste mais abrangente e que precisaria de menos tratamento da amostra”, diz.
Faria explica que para atingir o RNA é preciso uma solução para "quebrar" o vírus e expor o material genético a ser detectado pelo sensor. “Ao identificar o capsídeo será possível detectar o vírus diretamente, o que abre um leque de possibilidades, como criar um dispositivo para identificação em sistema de esgoto ou no ar. Com isso, seria possível monitorar a distância o ambiente externo e mapear a contaminação de áreas pelo esgoto ou por coleta de material particulado na atmosfera”, diz