Vacinas contra o coronavírus (Malte Mueller/Getty Images)
Tamires Vitorio
Publicado em 1 de dezembro de 2020 às 16h40.
A semana mal começou e duas companhias farmacêuticas pediram aprovações emergenciais para suas vacinas contra o novo coronavírus. Nesta terça-feira, 1º de dezembro, a americana Pfizer pediu à União Europeia uma aprovação emergencial para sua imunização em parceria com a alemã BioNTech. Na segunda-feira, 30, a também americana Moderna entrou com o mesmo pedido nos Estados Unidos. No Brasil, um pedido emergencial ficará a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O que falta, então, para uma vacina finalmente ser aprovada? Quando isso deve acontecer?
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As respostas para essas perguntas são 1- depende do órgão regulador e 2- ninguém sabe. As regras para aprovação variam, mas no fim todas pedem uma coisa em comum: que a eficácia da imunização seja comprovada.
Todo o processo de criação, desenvolvimento, testes e aprovação de uma vacina é bastante complexo. Em média, uma vacina demora 10,7 anos para ser produzida. A mais rápida a passar por todas essas fases foi a do Ebola, que demorou cinco anos para ficar pronta e ser aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA), agência análoga à Anvisa nos Estados Unidos, e pela Comissão Europeia, em 2019.
Os esforços para a aprovação de uma vacina contra a covid-19 são inéditos na história da humanidade. Até mesmo as agências reguladoras precisaram se adaptar para lidar com a situação atual.
A União Europeia, por exemplo, adotou um novo protocolo em relação a aprovação de imunizações durante o período de pandemia. Além do monitoramento regular que acontece nos países pertencentes ao bloco econômico, monitoramentos a longo prazo continuarão a acontecer até o final do curso pandêmico.
A ideia da UE é coletar dados sobre as vacinas contra o SARS-CoV-2 (nome do vírus que causa a covid-19), adotar sinais específicos de segurança e gerenciamento para elas, criar uma infraestrutura europeia para monitorar os tratamentos e vacinas disponíveis, usar dados de práticas clínicas e aplicar “medidas excepcionais de transparência” acerca do que for descoberto. Também será monitorado quem tomou qual vacina e de qual lote, a fim de identificar possíveis efeitos colaterais graves.
Aqui no Brasil um movimento parecido foi feito pela Anvisa para acelerar a aprovação. Em novembro, o órgão nacional aprovou um protocolo de submissão contínua, ou seja, para que as fabricantes de vacinas estejam em contato direto com a agência reguladora e enviem continuamente seus relatórios parciais sobre a eficácia dos imunizantes, o que, na prática, agiliza a análise de laudos.
Em entrevista à GloboNews logo após a aprovação do protocolo, o gerente geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, afirmou que, geralmente, o processo todo de aprovação de uma vacina demora cerca de um ano no Brasil. Por conta da pandemia, no entanto, o prazo teve a previsão diminuída --- e depende diretamente do envio dos dados coletados pelas empresas.
Nos Estados Unidos, o FDA divulgou em seu site um guia para o uso emergencial de uma eventual vacina da covid-19. Por lá, uma vacina precisará ser ao menos 50% eficaz a fim de ser aprovada --- os EUA são o país mais afetado pela doença no mundo, com 13,5 milhões de casos confirmados e mais de 268 mil mortes, segundo o monitoramento em tempo real da universidade americana Johns Hopkins.
O laboratório chinês Sinovac (que está desenvolvendo a vacina Coronavac, testada no Brasil) pediu ao órgão regulador chinês uma aprovação para o uso emergencial de sua vacina.
A Administração Nacional Geral para Supervisão de Alimentos e Medicamentos da China (CFDA, na sigla em inglês) segue o mesmo parâmetro de outros países para aprovar uma vacina. Em outubro, Wu Guizhen, chefe de biossegurança do órgão regulador, afirmou à revista científica Nature que o ministro da saúde do país está esperando os resultados de testes clínicos robustos para aprovar uma vacina para venda. “Até lá existem algumas incertezas”, disse ela.
Apesar da afirmação, a Sinovac já tem vacinado pessoas fora dos grupos de testes clínicos desde setembro, quando aconteceu uma vacinação em massa de profissionais da área da saúde, militares e funcionários de fabricantes de imunizações. Em outubro, a companhia teria distribuído vacinas gratuitas para estudantes que pretendiam viajar para outro país, o que colocaria o número de doses administradas na casa dos 480 mil.
Nos Emirados Árabes Unidos, a vacina da companhia chinesa também foi aprovada para uso emergencial na população --- tudo isso sem a finalização dos testes necessários.
No mês passado, a China afirmou que suas cinco vacinas experimentais contra a covid-19 não apresentaram nenhum efeito adverso. A Sinovac disse recentemente que divulgará os resultados de fase três de testes da vacina no país após a aprovação.
Na Rússia, a infame Sputnik V já está sendo aplicada na população mesmo sem ter passado por todas as fases de testes. O uso doméstico da vacina russa foi permitido em agosto e o país também foi o primeiro (e único) a registrar uma proteção contra o vírus no mundo.
Para uma vacina ser aprovada, ela precisa passar por diversas fases de testes clínicos prévios e em humanos. Primeiro, ela passa por fases pré-clínicos, que incluem testes em animais como ratos ou macacos para identificar se a proteção produz resposta imunológica.
A fase 1 é a inicial, quando os laboratórios tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz imunidade contra um vírus. Já a fase 3 é a última do estudo e tenta demonstrar a eficácia da imunização.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população. Para chegar mais rápido ao destino, muitas opções contra a covid-19 nem passaram pela fase pré-clínica e outras estão fazendo fases combinadas, como a 1 e a 2 ao mesmo tempo.
Mesmo após passar por algumas das fases (como a 1 e a 2), uma imunização pode não ter sua eficácia comprovada, o que nos faria voltar à estaca zero.
Nenhuma vacina contra a covid-19 foi aprovada ainda, mas os países estão correndo para entender melhor qual será a ordem de prioridade para a população uma vez que a proteção chegar ao mercado. Um grupo de especialistas nos Estados Unidos, por exemplo, divulgou em setembro uma lista de recomendações que podem dar uma luz a como deve acontecer a campanha de vacinação.
Segundo o relatório dos especialistas americanos (ainda em rascunho), na primeira fase deverão ser vacinados profissionais de alto risco na área da saúde, socorristas, depois pessoas de todas as idades com problemas prévios de saúde e condições que as coloquem em alto risco e idosos que morem em locais lotados.
Na segunda fase, a vacinação deve ocorrer em trabalhadores essenciais com alto risco de exposição à doença, professores e demais profissionais da área de educação, pessoas com doenças prévias de risco médio, adultos mais velhos não inclusos na primeira fase, pessoas em situação de rua que passam as noites em abrigos, indivíduos em prisões e profissionais que atuam nas áreas.
A terceira fase deve ter como foco jovens, crianças e trabalhadores essenciais que não foram incluídos nas duas primeiras. É somente na quarta e última fase que toda a população será vacinada.
Em entrevista ao MIT Technology Review, o epidemiologista Marc Lipsitch, de Harvard, afirmou que faz mais sentido vacinar os mais velhos primeiro, a fim de evitar mais mortes, e depois seguir em frente para outros grupos mais saudáveis ou para a população geral.
Um estudo realizado em setembro deste ano, por exemplo, fez um modelo de como a covid-19 poderia se espalhar em seis países --- Estados Unidos, Índia, Espanha, Zimbábue, Brasil e Bélgica --- concluiu que, se o objetivo é reduzir as taxas de mortalidade, adultos com mais de 60 anos devem ser priorizados na hora da vacinação.
Segundo uma pesquisa publicada no jornal científico American Journal of Preventive Medicine uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia. Para evitar que outras aconteçam, a prevenção precisa ser 70% eficaz.
Uma vacina com uma taxa de eficácia menor, de 60% a 80% pode, inclusive, reduzir a necessidade por outras medidas para evitar a transmissão do vírus, como o distanciamento social. Mas não é tão simples assim.
Isso porque a eficácia de uma vacina é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que a tomam, ou seja, se 75% da população for vacinada, a proteção precisa ser 70% capaz de prevenir uma infecção para evitar futuras pandemias e 80% eficaz para acabar com o surto de uma doença.
As perspectivas mudam se apenas 60% das pessoas receberem a vacinação, e a eficácia precisa ser de 100% para conseguir acabar com uma pandemia que já estiver acontecendo — como a da covid-19.
Isso indica que a vida pode não voltar ao “normal” assim que, finalmente, uma vacina passar por todas as fases de testes clínicos e for aprovada e pode demorar até que 75% da população mundial esteja vacinada.