A técnica funciona identificando padrões ocultos em dados do paciente rotineiramente disponíveis na clínica (iLexx/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 22 de dezembro de 2021 às 15h59.
Uma nova ferramenta de inteligência artificial pode prever com 92% de precisão quem irá desenvolver demência com dois anos de antecedência. A descoberta é de um estudo realizado pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, publicado na revista Jama Network Open.
Dados de mais de 15 mil pacientes que frequentavam uma rede de 30 clínicas de memória do National Alzheimer’s Coordinating Center, nos Estados Unidos, foram usados para treinar a inteligência artificial a detectar quem desenvolveria ou não algum tipo de demência. A técnica funciona identificando padrões para descobrir quem corre maior risco.
No início do estudo, todos participantes apresentavam problemas de memória ou outras funções cognitivas, mas não apresentavam demência. Entre 2005 e 2015, um em cada dez participantes recebeu diagnóstico de demência dentro de dois anos após visitar a clínica.
Os pesquisadores descobriram que cerca de 8% dos diagnósticos de demência pareciam ter sido errados, já que foram posteriormente revertidos. De acordo com o estudo, o modelo de aprendizado de máquina identificou com 92% de precisão e dois anos de antecedência os pacientes que iriam desenvolver o problema e com 80% de acerto os diagnósticos inconsistentes.
A técnica funciona identificando padrões ocultos em dados do paciente rotineiramente disponíveis na clínica, como memória e função cerebral, desempenho em testes cognitivos e fatores de estilo de vida específicos.
O médico geriatra Otavio Castello, diretor científico da regional Distrito Federal da Associação Brasileira de Alzheimer, explica que o diagnóstico de demência é essencialmente clínico. Isso significa que, embora os exames de imagem tenham evoluído muito nos últimos anos, quem dá o veredicto é o médico, apoiado pelo histórico do paciente, testes neuropsicológicos, exames de imagem e de laboratório.
— Ferramentas de inteligência artificial jamais irão substituir o médico, mas podem ajudar a dar um diagnóstico mais preciso — afirma.
O próximo passo do trabalho é conduzir estudos de acompanhamento para avaliar o uso prático desse método em clínicas, o que pode ajudar a melhorar o diagnóstico, o tratamento e o cuidado da demência.
“A inteligência artificial tem um enorme potencial para melhorar a detecção precoce das doenças que causam a demência e pode revolucionar o processo de diagnóstico para pessoas preocupadas com elas mesmas ou com um ente querido com sintomas. Esta técnica é uma melhoria significativa em relação às abordagens alternativas existentes e pode dar aos médicos uma base para recomendar mudanças no estilo de vida e identificar pessoas que podem se beneficiar de apoio ou avaliações aprofundadas”, escreveu, em comunicado, Rosa Sancho, chefe de pesquisa da Alzheimer’s Research UK, organização sem fins lucrativos que financiou o estudo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência em todo o mundo, e há quase 10 milhões de novos casos a cada ano. Estima-se que esse número aumente para 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050.
Marcos Pais, psiquiatra e pesquisador do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), explica que a demência não é uma doença e sim uma síndrome ou um conjunto de sintomas. Ela traz a deterioração da função cognitiva além do que se poderia esperar naturalmente no envelhecimento biológico. As pessoas perdem o funcionamento cognitivo a ponto de isso interferir nas atividades diárias.
A condição é resultado de uma variedade de doenças e lesões que afetam o cérebro, sendo o Alzheimer a causa mais comum, responsável por cerca de 70% dos casos.
— Mas existem outras possibilidades, como demência vascular, frontotemporal e com corpos de Lewy. Existem ainda demências relacionadas a eventos clínicos que podem ser reversíveis, como a deficiência da vitamina B12 em idosos — explica Pais.
O tratamento da demência depende da causa. No caso das demências provocadas por doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, não há cura, mas há tratamento. Nos últimos cinco anos, cientistas têm investido no desenvolvimento de exames de imagem, sangue e ferramentas de inteligência artificial e aprendizado de máquina capazes de rastrear a doença anos antes dos primeiros sintomas. Mas o que fazer com esses resultados diante de uma doença incurável?
A detecção precoce é fundamental para melhorar a qualidade de vida e o prognóstico da doença.
— As demências não têm cura, mas têm tratamento e alguns remédios funcionam melhor quanto mais precocemente o diagnóstico for dado — afirma Castello.
O diagnóstico precoce possibilita ainda iniciar uma abordagem prevenindo fatores de risco, como obesidade e pressão alta. Um relatório produzido por 28 especialistas da Comissão Lancet para prevenção, intervenção e assistência à demência, publicado em 2020, mostrou que a modificar 12 itens associados ao estilo de vida pode atrasar ou prevenir 40% dos casos.
Os fatores de risco modificáveis apontados pela comissão são: perda auditiva, depressão, baixo nível de escolaridade, tabagismo, isolamento social, diabetes, hipertensão, obesidade, falta de atividade física, traumatismo craniano, consumo excessivo de álcool (mais de 21 unidades por semana) e exposição à poluição do ar.
Ter uma boa alimentação, rica em frutas e verduras e baixo consumo de alimentos ultraprocessados, além de manter a mente e o corpo ativos, ajudam a reduzir bastante o risco de demência. Um estudo publicado recentemente por pesquisadores chineses no Reino Unido mostrou que algumas xícaras de chá ou café também diminuem em 30% a chance de desenvolver a condição.