Ciência

Epidemia de obesidade é resultado de alteração do padrão alimentar

Nos últimos 35 anos, a prevalência de obesidade subiu de 5,4% para 21% da população

 (Stock.xchng)

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Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 5 de abril de 2018 às 11h09.

A Organização Mundial da Saúde estima que 1,9 bilhão de adultos tenham sobrepeso, sendo 600 milhões com obesidade. Ainda assim, de acordo com estudos publicados na revista Lancet, nos últimos 30 anos nenhum país conseguiu elaborar estratégias para reverter a epidemia de obesidade de forma consistente.

No Brasil não é diferente. Nos últimos 35 anos a prevalência de obesidade subiu de 5,4% para 21% da população. De acordo com dados do Ministério da Saúde, a cada ano são 1 milhão de novos casos de obesidade no país e a cada 15 anos dobra a taxa de casos de obesidade.

Outros estudos mostram que, se a taxa de crescimento da obesidade continuar a mesma, o Brasil atingirá, em menos de 10 anos, o mesmo índice dos Estados Unidos, onde mais de 36% da população vive com sobrepeso ou obesidade.

“No Brasil, há um aumento maior da obesidade na população mais pobre, em comparação com a mais rica. É um problema que acomete todas as classes sociais, portanto sua prevenção interessa à população inteira”, disse Carlos Augusto Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e coordenador da edição mais recente do Guia alimentar para a população brasileira, durante a estreia do programa de TV Ciência Aberta, da FAPESP e da Folha de S.Paulo, na terça-feira (03/04).

Também participaram do programa Licio Velloso, professor do Departamento de Clínica Médica da Unicamp e coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP – e a nutricionista especialista em comportamento alimentar Sophie Deram. A mediação do debate foi feita pela jornalista Sabine Righetti.

“Há um grande debate se a obesidade em si já seria uma doença, além de ser um fator de risco para a hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares, por exemplo. O fato é que, para a Organização Mundial da Saúde, doença é toda condição com algum tipo de alteração funcional, estrutural ou mesmo comportamental que leva sofrimento ao indivíduo e a obesidade se encaixa em todos esses critérios”, disse Velloso.

Os especialistas atribuem essa epidemia a mudanças no padrão alimentar da população em geral, que nas últimas quatro décadas trocou a alimentação tradicional de cada país – composta principalmente por cereais, verduras e carnes – por alimentos ultraprocessados, ricos em gorduras saturadas que fazem o alimento durar mais.

Estudo realizado no OCRC mostrou que essa alteração no padrão alimentar tem consequências na região cerebral que regula a fome. “Mostramos que a ingestão de gordura saturada gera uma inflamação no hipotálamo, a região do cérebro que controla a saciedade, e os neurônios começam a não regular tanto a fome”, disse Velloso.

A boa notícia é que essa inflamação pode ser revertida. “Da mesma forma que o ácido graxo saturado inflama, o insaturado reverte”, disse.

Os especialistas destacaram que o fato de aumentar o consumo de gorduras saturadas e de açúcar e a redução na ingestão de fibras explica essa epidemia de obesidade.

“Na obesidade, individualmente, a genética é importante, mas fica difícil explicar essa epidemia global com uma causa genética. A epidemia é atribuída a um fator ambiental, essa abundância de alimentos. A atividade física se modificou [reduziu] nos anos 1960 e a epidemia começou nos anos 1980”, disse Monteiro.

Os participantes do programa destacaram que há muitos fatores associados à obesidade. “Predisposição todos têm, mas quem vai puxar o gatilho para a obesidade é o ambiente”, disse Sophie Deram.

Ela lembrou ainda que há uma forte questão comportamental associada à obesidade. “Estamos sempre buscando o vilão da obesidade. Essa busca levou a uma confusão de informações. Para a academia, é importante saber, mas para a população fica difícil saber quando o ovo é bom ou ruim, por exemplo. Isso gera uma infinidade de dietas restritivas que, no fim, vão alterar a percepção de fome do indivíduo”, disse.

Tanto que, de acordo com Deram, a grande maioria das pessoas que fazem dieta retorna ao peso inicial depois de dois anos. “Não é uma questão de empenho. É o cérebro que controla tudo, inclusive a saciedade. Ele reage ao estresse da dieta restritiva e liga um mecanismo de adaptação que aumenta o apetite e diminui o metabolismo. Por isso não dá certo”, disse.

Para Velloso, os programas contra a obesidade precisam trabalhar o comportamento. “Em vez de enfatizar a perda de peso, enfatizar a manutenção do peso e a qualidade de vida”, disse.

O coordenador do OCRC explicou que existem dois tipos de fome: a homeostática e a hedônica. A primeira está relacionada ao hipotálamo e serve como um alerta para a baixa de energia. Já a segunda está ligada ao sistema límbico e às emoções.

“Fazer dieta restritiva aumenta a vontade da fome hedônica. Vimos isso em ratos que, quando acabam a dieta, buscam ingerir gordura”, disse Deram.

Assista ao programa na íntegra:

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Obesidade infantil

A obesidade é vista como um fator de risco para diversas outras doenças, como o diabetes, a hipertensão, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. A associação da obesidade com essas doenças a torna uma doença com um aspecto maior ainda de comprometimento da saúde do indivíduo.

“Pequenos ganhos de peso acarretam grandes riscos de desenvolver diabetes e outras doenças. Portanto quando se fala em obesidade estamos falando de múltiplas doenças”, disse Velloso.

No Brasil, os dados de obesidade infantil são surpreendentes. Há 45 anos um terço das crianças sofria de desnutrição infantil. Hoje, um terço das crianças tem sobrepeso ou obesidade. “Isso não tem uma explicação clara. mas é um problema grave, pois as crianças já desde muito pequenas vão fazer dietas com restrição, terão insatisfação com o próprio corpo. Isso afeta muito a infância”, disse Deram.

A obesidade infantil ocorre justamente na fase da vida em que há o maior gasto energético, usado para o crescimento da criança. “O ambiente mudou tanto que até as crianças sucumbiram. Para ter uma ideia, uma refeição tradicional tem em média 1,4 Kcal/grama. Já um fast food tem 3 Kcal/grama. A mudança no ambiente alimentar é absurda”, disse Monteiro.

Velloso ressalta o aspecto do tempo na obesidade. “Quanto mais tempo a criança permanecer obesa, mais difícil será voltar ao peso e mais ela vai desenvolver doenças”, disse.

Para Monteiro, é preciso que os alimentos ultraprocessados sejam tratados como o tabaco e a bebida alcoólica. “Não estou falando em proibir, mas em restringir o marketing”, disse.

Ele ressaltou que o custo da obesidade no Brasil é de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto menos de 1% do PIB é gasto em ciência. “Do ponto de vista da carga de doença no Brasil, a obesidade é o primeiro fator. É muito mais que o tabagismo, por exemplo. É possível economizar recursos e o sofrimento, mas para isso é preciso haver políticas públicas”, disse.

Entre as medidas destacadas pelo pesquisador estavam: imposto de alimentos ultraprocessados, restrição de propaganda e rotulagem nutricional como é feita no Chile, que destaca os riscos dos alimentos.

O programa na íntegra pode ser assistido em: https://youtu.be/-7htACAjApA

Público ampliado

O próximo programa de TV Ciência Aberta será no dia 8 de maio com o tema “Mudanças Climáticas”. A proposta do programa é apresentar ao público grandes temas em discussão na atualidade em uma linguagem simples e ágil para estimular a participação de jovens pesquisadores, estudantes e público interessado – levando ao conhecimento da sociedade as pesquisas apoiadas pela FAPESP, bem como o intercâmbio e a divulgação da ciência produzida no Estado de São Paulo e no Brasil.

“Com o programa, esperamos responder à inquietação de que o que os cientistas fazem é incompreensível e mostrar que não só é compreensível como pode beneficiar as pessoas. A série será uma maneira de os cientistas se comunicarem mais com a sociedade”, disse José Goldemberg, presidente da FAPESP.

A produção conjunta do programa Ciência Aberta faz parte de um acordo entre a FAPESP e a Folha de S.Paulo, que inclui também publicação de reportagens da Agência FAPESP, em português, inglês e espanhol, nas edições impressas e on-line da Folha (www1.folha.uol.com.br/especial/2018/agencia-fapesp/).

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