Ciência

Desmatamento pode intensificar o aquecimento global

O processo de aquecimento global pode ser ainda mais intenso do que o previsto caso não se consiga frear o desmatamento

Desmatamento: processo pode acelerar o aquecimento global (Mario Tama/Getty Images)

Desmatamento: processo pode acelerar o aquecimento global (Mario Tama/Getty Images)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 09h59.

O processo de aquecimento global pode ocorrer de forma ainda mais intensa do que o previsto originalmente caso não se consiga frear o desmatamento – particularmente nas regiões tropicais do planeta.

O alerta foi publicado na Nature Communications por um grupo internacional de cientistas. Entre os autores do texto estão os brasileiros Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), e Luciana Varanda Rizzo, professora do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp.

“Se continuarmos destruindo as florestas no ritmo atual – cerca de 7 mil km2 por ano no caso da Amazônia –, daqui a três ou quatro décadas teremos uma grande perda acumulada. E isso vai intensificar o processo de aquecimento do planeta independentemente do esforço feito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, disse Artaxo à Agência FAPESP.

As conclusões do estudo se baseiam em trabalhos de modelagem computacional e medidas coletadas em florestas sob a coordenação de Catherine Scott, pesquisadora na Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Após anos coletando informações sobre o funcionamento das florestas tropicais e temperadas, os gases emitidos pela vegetação e seus impactos na regulação do clima, o grupo foi capaz de reproduzir matematicamente as condições atmosféricas atuais do planeta, incluindo concentrações de aerossóis, compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês) antropogênicos e biogênicos, ozônio, dióxido de carbono, metano e também os demais fatores que influenciam na temperatura global – entre eles o chamado albedo de superfície (a fração da radiação solar refletida de volta para o espaço em comparação à fração absorvida, que muda de acordo com o tipo de cobertura da superfície).

Foi usado no estudo um modelo numérico da atmosfera desenvolvido no Met Office, agência nacional de meteorologia do Reino Unido.

“Depois que conseguimos regular o modelo para reproduzir as condições atuais da atmosfera terrestre e o aumento da temperatura do planeta ocorrido desde 1850, fizemos uma simulação em que o mesmo cenário era mantido, mas todas as florestas eram eliminadas. O resultado foi uma elevação significativa de 0,8 ºC na temperatura média. Ou seja, hoje o planeta estaria em média quase 1 ºC mais quente se não houvesse mais florestas”, comentou Artaxo.

Os estudos revelaram ainda que a diferença observada nas simulações se deve principalmente às emissões de BVOCs (compostos orgânicos voláteis biogênicos) pelas florestas tropicais.

“Ao serem oxidados, os BVOCs dão origem a partículas de aerossol que esfriam o clima refletindo parte da radiação solar de volta ao espaço. Uma vez que a floresta é derrubada, ela deixa de emitir BVOCs e este resfriamento deixa de existir, levando a um aquecimento futuro. Este efeito não estava sendo levado em conta em modelagens anteriores”, comentou Artaxo.

Segundo o pesquisador, as florestas temperadas produzem VOCs diferentes e com menor capacidade de dar origem a essas partículas esfriadoras.

Coleta de dados

Como destacado no artigo, atualmente a vegetação cobre um terço da área continental do planeta – fração bem menor do que a existente antes da intervenção humana. Grandes áreas florestais na Europa, Ásia, África e América já foram derrubadas.

As informações sobre o funcionamento das florestas tropicais começaram a ser coletadas em 2009 na Amazônia, sob a coordenação de Artaxo, no âmbito de dois Projetos Temáticos apoiados pela FAPESP: “GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da Floresta Amazônica” e “Aeroclima: efeitos diretos e indiretos de aerossóis no clima da Amazônia e Pantanal”.

Os dados sobre as florestas temperadas foram obtidos na Suécia, na Finlândia e na Rússia, sob a coordenação de Erik Swietlicki, da Universidade de Lund (Suécia).

“Vale ressaltar que não tratamos neste artigo do impacto direto e imediato das queimadas, como a emissão do carbono negro [considerada um fator importante no aquecimento global devido à alta capacidade dessa partícula de absorver a radiação solar]. Ele existe, mas dura somente algumas semanas. Estamos olhando para efeitos de longo prazo na variação da temperatura”, afirmou Artaxo.

Segundo o professor do IFUSP, o desmatamento altera em definitivo a quantidade de aerossóis e de ozônio na atmosfera do planeta, o que muda todo o balanço radiativo da atmosfera.

“A partir deste estudo aumentou a importância relativa de se manter a floresta em pé. Não só é urgente parar a destruição, como também pensar em políticas de reflorestamento em larga escala, principalmente em regiões tropicais. Caso contrário, pouco vai adiantar o esforço para reduzir as emissões de gases estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis”, disse Artaxo.

O artigo Impact on short-lived climate forcers increases projected warming due to deforestation (doi:10.1038/s41467-017-02412-4), de C. E. Scott, S. A. Monks, D. V. Spracklen, S. R. Arnold, P. M. Forster, A. Rap, M. Äijälä, P. Artaxo, K. S. Carslaw, M. P. Chipperfield, M. Ehn, S. Gilardoni, L. Heikkinen, M. Kulmala, T. Petäjä, C. L. S. Reddington, L. V. Rizzo, E. Swietlicki, E. Vignati e C. Wilson, pode ser lido neste link.

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