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Como saber se uma empresa realmente tem compromisso Net Zero?

Alguns aspectos são fundamentais para avaliar se as metas climáticas anunciadas vão além do discurso e representam um plano de ação consistente

(Colin Anderson Productions pty ltd/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 24 de março de 2022 às 07h00.

Última atualização em 28 de março de 2022 às 12h18.

Os últimos anos, especialmente após o Acordo de Paris em 2015, uma série de empresas anunciaram a meta de se tornar Net Zero até 2050. Na teoria, um movimento significativo do setor privado, que trará resultados fundamentais para enfrentar os desafios climáticos.

Mas anunciar é uma coisa. Ter um plano de ação concreto, que contribua efetivamente para conter o aquecimento do planeta, é outra história. Como então separar o joio do trigo? Segundo especialistas, alguns aspectos importantes podem ajudar consumidores e investidores a avaliar se os compromissos declarados vão além do marketing.

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Para Marta Blazek, pesquisadora do programa Iniciativas Empresariais, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), antes de qualquer análise, é preciso entender a definição de Net Zero, que muitas vezes se confunde com outras expressões, como neutralidade de carbono.

“Um primeiro passo é a organização ter claro o significado do termo e as implicações decorrentes do seu uso, para que o compromisso possa ser assumido de forma consistente e transparente”, diz.

Tanto no conceito de Net Zero quanto no de carbono neutro, nenhum gás de efeito estufa (GEE) é acrescentado à atmosfera pela empresa, o que pode passar pela eliminação das emissões, a compensação delas ou uma mistura de ambos.

O que os diferencia é que neutralidade envolve as emissões pertencentes apenas aos escopos 1 e 2 ( veja quadro a seguir ), enquanto que Net Zero é algo mais complexo, abrangendo também o escopo 3, que é o mais complicado de gerenciar. É uma transformação do modelo de negócio.

“Carbono neutro, na verdade, é mais uma forma de colocar para debaixo do tapete a responsabilidade. O termo correto para ser agressivo é Net Zero”, resume Priscila Claro, professora associada do Insper e líder do Núcleo de Sustentabilidade e Negócios. “Mas alguns grupos empresariais e políticos querem tornar o discurso difícil de ser entendido por todos. Justamente para depois não ser pressionado com relação ao que não alcançou”, completa.

-(ARTE/Exame)

Como?

Para que as metas sejam vistas com credibilidade, um dos pontos-chave é a companhia apresentar um detalhamento de como vai atingir os resultados. A estratégia para o Net Zero se baseia principalmente na compra de créditos de carbono, para compensar as emissões, por exemplo? É um sinal de alerta.

As compensações são sim importantes nesse quebra-cabeça, segundo Marta, mas para cobrir as emissões residuais, aquelas muito difíceis de eliminar. E em um primeiro momento apenas – porque ainda não há tecnologia limpa para a questão ou o investimento na tecnologia é alto demais por enquanto. Não significam uma licença para o negócio seguir nos mesmos padrões.

“Isso deve ser transitório. O ideal é que as empresas tenham um comprometimento de chegar perto do zero mudando as suas operações. Na maior parte dos discursos isso não está claro”, acrescenta Priscila.

Outro fator crucial é a transparência das metas por escopo de emissões. “A maioria das companhias não especifica. E a gente sabe que o escopo 3, que considera a cadeia inteira, é o mais desafiador e onde o problema geralmente está”, diz a professora do Insper.

Nesse contexto, Marta destaca a importância da articulação com outros grupos. “É um ponto a ser observado também: a organização atua junto ao governo, grupos setoriais e em sua cadeia de valor para provocar a agenda climática? Porque o Net Zero demanda a atuação das organizações para além de seus muros”, explica.

Por quê?

Para que as estratégias sejam críveis, a pesquisadora da FGV lembra que é preciso ter fundamento. “A organização inventaria suas emissões de GEE?”, questiona. O inventário permite mapear as fontes de emissão e quantificá-las, desenhando o perfil de emissões da atividade para nortear os projetos de redução, bem como monitorar o seu andamento.

“E quais escopos são inventariados? Atualmente são predominantemente os escopos 1 e 2. Mas as emissões relacionadas ao 3 devem ser conhecidas e mitigadas, o que resulta em uma ampliação dos inventários atuais, em sua grande maioria”, comenta.

Se realizado periodicamente, o inventário funciona como uma importante ferramenta para o controle das emissões da empresa, especialmente se contar com uma auditoria independente para validar e dar robustez aos dados inventariados diante dos stakeholders.

“Para reduzir as emissões, é fundamental entendê-las por meio de um inventário de GEE”, reforça Denise Saboya, sócia-diretora de ESG da Mazars, companhia global de auditoria e consultoria empresarial.  “Observamos o compromisso da organização com o Net Zero ao identificarmos projetos com gestão, medições e monitoramento adequados das reduções internas e da cadeia de fornecimento”, diz.

Ainda na direção de trazer fundamento às estratégias, Priscila Claro, do Insper, lembra ainda que não adianta fazer o inventário e divulgar metas sem testar internamente a real capacidade de alcançá-las.

“Antes de, por exemplo, orçar investimentos que são consistentes e fazer o que a gente chama de due diligence: uma boa avaliação do que a empresa já tem. Isso envolve também rever contratos na cadeia de valor. Se não houver revisão de contratos, o resultado não virá”.

-(ARTE/Exame)

Onde?

Outra questão que deve estar especificada nos planos para o Net Zero é quais operações estão envolvidas com as metas, já que há companhias com unidades em várias cidades, em estados diferentes e até fora do país.

“Normalmente, num discurso vazio, vem logo o estabelecimento da meta: ‘o objetivo é chegar ao Net Zero em 2030’. Porém, sem estipular quais operações da empresa vão se comprometer”, avalia Priscila, do Insper.

Quem?

E onde essas metas estão alocadas na estrutura da organização? A mensagem precisa ir além do setor de sustentabilidade, marketing ou relações internacionais. “Se é a meta só de uma área, não vai acontecer. É algo que precisa estar no negócio. Muitas vezes, uma área sozinha não consegue permear a mudança necessária na cultura da empresa”, afirma.

Para ela, ao contrário do que se vê em boa parte dos casos, o básico deveria ser as metas fazerem parte de compliance. “Até porque é quem guarda as questões ligadas à ética, integridade e reputação da marca. É uma área que busca olhar mais para dentro do que comunicar”.

Principalmente, o plano deve estar na agenda do CEO e do conselho, que é quem vai garantir a governança da mudança. Se a empresa tem o propósito de se tornar Net Zero e o seu gestor não fala sobre o assunto ou não sabe responder perguntas a respeito, é mais um sinal amarelo.

Quando?

Compromissos para aqui 10, 20, 30 anos soam vagos se a empresa não mostrar o trajeto a ser percorrido até lá. Por isso, é mandatório que essa jornada tenha cronogramas claros de curto e médio prazo, com metas intermediárias. “Para chegar a 2030, é preciso fazer um monte de mudança a partir de hoje”, salienta a professora.

Marta Blazek frisa também a importância de que esse planejamento seja monitorado e revisado em periodicidade definida e com resultados divulgados para a sociedade, sejam eles os bons ou ruins.

“Os caminhos no sentido do Net Zero (ou próximo dele) estão em construção pelas empresas e serão constantemente revisados para incorporação de novas práticas e metas que surjam com o passar do tempo”, diz.

Transparência, transparência, transparência

Nesse cenário, é essencial ser honesto também sobre limitações e desafios. O percurso da descarbonização é complexo e é melhor a organização assumir suas dificuldades – e dizer como está lidando com elas – do que maquiá-las com informações imprecisas.

Hoje, com tanto acesso à informação, consumidores e investidores têm a possibilidade de avaliar melhor sobre prática versus discurso. “Cedo ou tarde a conta chega. Vemos empresas pagando caro pela falta de transparência em suas estratégias de sustentabilidade”, comenta Priscila.

Na visão dela, no Brasil, há empresas que estão mais à frente, outras tentando se adequar e também o greenwashing (negócios que mascaram seus impactos ambientais). Mas é inegável que existe uma crescente adesão das lideranças empresariais ao Net Zero, assim como às estratégias ESG como um todo. Porque, afinal, envolve risco e oportunidade.

“Uma razão lógica: se fizer, vai criar valor; se não fizer, vai destruir valor. Já caiu a ficha para muitos segmentos. Mas a gente tem um caminho grande para trilhar, principalmente em relação a pequenas e médias empresas, pela questão da governança. Temos bons exemplos, bons benchmarks, sabemos o que precisa ser feito. Só precisamos, cada vez mais, ter uma rota bem estabelecida e um discurso condizente com a prática”, finaliza.

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