Ciência

Supercomputadores: uma arma silenciosa na batalha contra a covid-19

O suprassumo tecnológico das fabricantes de microchips possibilitou acelerar a contenção da covid-19. Os resultados já podem ser observados 

O computador japonês Fugaku: o mais poderoso do mundo (STR/Kontributor/Getty Images)

O computador japonês Fugaku: o mais poderoso do mundo (STR/Kontributor/Getty Images)

A categoria supercomputadores, a que agrega as máquinas capazes de processar trilhões de dados ao mesmo tempo, são comumente usadas para medir o potencial tecnológico de um país. É quase um índice bélico. No entanto, essas forças computacionais espalhadas pelo mundo, e que atendiam aos interesse de quem os detinha, quando foram unidas para frear os efeitos catastróficos do novo coronavírus, retornaram benefícios para toda a humanidade. Nesse momento, inúmeras ações sanitárias e de saúde promovidas por governos em diferentes nações tem a contribuição dos cálculos feitos por supermáquinas, comprovando o quão crucial elas se tornaram para a superação da pandemia. 

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Eis aqui um bom exemplo disto: como saber qual tipo de máscara é a mais eficaz para a proteção contra o vírus? Hoje é irredutível que as produzidas com polipropileno (pff2), um material relativamente barato, são as mais eficazes para bloquear a propagação do vírus ao impedir as gotículas de o carregarem pelo ar. E cientificamente não há dúvida sobre outros tipos de máscaras, como as de TNT, algodão, poliéster ou de tecidos experimentais, geralmente mais caros. Mas quem confirmou isso foi o Faguku, um supercomputador japonês que usa processadores da fabricante Fujitsu, que está posicionado na lista Top 500 como o mais poderoso do mundo, e que, por acaso, se tornou operacional na época em que o vírus apareceu pela primeira vez. Após os cálculos feito pela máquina que equivale a 20 milhões de smartphones, foi possível orientar as populações de todo o mundo sobre o nível de filtragem de cada máscara, além de ajustar a cadeia produtiva se baseando na eficácia real de cada um dos protetores faciais.

Ele também ajudou no estudo de novos remédios. Virologistas puderam usar a máquina que está localizada no Instituto Riken de Ciência da Computação para modelar a estrutura do vírus e a forma como vários medicamentos poderiam agir contra ele. “Testar 200 substâncias em apenas um alvo, e um único vírus tem muitos alvos, levaria cerca de um ano em níveis normais de processamento”, disse Satoshi Matsuoka, diretor do centro Riken, em um fórum virtual da Academia Australiana de Ciências. “Em um supercomputador como o Fugaku levou apenas três dias". 

É justamente o poder de simular inúmeros cenários dos supercomputadores que os torna incomparáveis à computação comum. Na Austrália, o Centro de Infraestrutura Computacional de Canberra, tem usado o computador Gandi — o 24º mais rápido, operado pela Dell com processadores Intel — para projetar medicamentos anti-covid, tarefa que ainda é um grande desafio da farmacologia. Uma pesquisa feita em dezembro pela Universidade Nacional da Austrália, chegou a simular o efeito de novos medicamentos em mais de 800.000 átomos presentes no vírus. “Seria impensável um medicamento contra coronavírus sem esse nível de simulações que processamentos massivos propiciam”, afirma a engenheira australiana Kerrie Mengersen, responsável pelo estudo.

No campo das vacinas, foi possível usar os computadores para simular a vida útil dos imunizantes até o momento que uma variante poderosa surgir. Em março, o segundo mais parrudo dos computadores do mundo, o texano Frontier, foi usado pela Universidade Católica da América, nos Estados Unidos, para testar a duração da eficácia de algumas vacinas. Com o resultado, foi aferido algo estarrecedor: muito em breve serão necessárias vacinas para cada variante do novo coronavírus que surgir, uma vez que as atuais ficarão defasadas frente ao potencial de mutação das cepas. O autor responsável pela pesquisaVictor Padilla-Sanchez, fez a declaração num artigo publicado na “Research Ideas and Outcomes”, no qual usou como base as variantes do Reino Unido e da África do Sul.

O Brasil tem três supercomputadores entre os 500 mais potentes do mundo. Dois são da Petrobras — Atlas e Fênix. O terceiro, o Santos Dumont, localizado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ), e que processa 5,1 quatrilhões de operações, quase 100 vezes menos do que o supercomputador japonês, mas que ainda assim tem muito com o que contribuir. Desde o ano passado, ele tem parte da sua força de processamento alocada para os esforços para combater a pandemia de covid-19. Entre outras atribuições, ele é utilizado no sequenciamento genético de amostras do vírus que chegam de diferentes regiões do país.

Foi com a ajuda dele que a equipe coordenada pela bióloga Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos identificou em dezembro uma variante nova do coronavírus no Rio de Janeiro, posteriormente batizada de P.2. Ainda que o governo tenha patinado para usar a informação em um cálculo de contenção do espalhamento do vírus, ter o sequenciamento da nova cepa em menos de 5 meses foi um marco que pode ser compartilhado com outros países.

Um outro projeto notável de supercomputação colaborativa é o Folding@Home, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que é feito por voluntários que doam parte do poder de processamento de seus computadores pessoais para realizar cálculos e simulações relacionadas a pesquisas médicas. Aglomerando a capacidade ociosa de computadores como do brasileiro Santos Dumont, a rede chegou em um poder de processamento de 2,4 exaflops, mais do que os 500 supercomputadores mais poderosos do mundo somados.

Com isso, foi possível ter uma análise e projeção visual de como o vírus Sars-Cov-2 usa três proteínas para formar uma “estaca” que se prender e infecta uma célula humana. “Se você tentasse simular a abertura da estaca em PC comum, teria sorte se conseguisse ver apenas uma parte do processo nos próximos 100 anos”, escreveu o bioquímico Greg Bowman, diretor do projeto, no blog do Folding@Home.

Corrida das super máquinas

Mas, ainda que o clima seja diplomático, a fabricação das supermáquinas faz parte de um combate tecnológico silencioso, marcado por grande rivalidade entre os competidores. Como em todas as áreas comerciais, a disputa é mais acirrada entre Estados Unidos e China. O gigante asiático tem 226 sistemas entre os 500 computadores mais poderosos do mundo, sendo que um deles aparece em quarto lugar na lista. Os Estados Unidos contabilizam 114. O Japão tem participação relativamente menor no ramo dos supercomputadores, com apenas trinta unidades entre os melhores. 

Há, no entanto, evidências de que está próximo da corrida dos microchips ficar obsoleta. O primeiro passo nesse sentido foi dado em 2019, quando o Google e a Nasa criaram o equipamento Sycamore, que usa computação quântica em vez de processadores comuns. Em termos simplificados, o método possibilita às ações do computador ocorrerem simultaneamente em busca de um resultado. Assim, ele é capaz de realizar, em três minutos, cálculos que antes levariam 10 000 anos para ser feitos. Tamanha a força dessas máquinas, o enfrentamento da pandemia certamente seria diferente se supercomputadores desses já estivessem disponíveis. 

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