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O que diz o estudo que levou cientista brasileira à lista da Time

Grupo chefiado por brasileira conseguiu identificar como o vírus Zika e a microcefalia estavam associados

Celina: ela ganhou o título de influenciadora mundial pelo papel que desenvolveu na investigação dos casos de microcefalia e a relação com o vírus Zika (Fiocruz/Divulgação)
AB

Agência Brasil

Publicado em 25 de abril de 2017 às 11h55.

Última atualização em 25 de abril de 2017 às 12h07.

Entre as 100 pessoas mais influentes do mundo escolhidas este ano pela revista norte-americana Time figuram dois brasileiros. Um deles é o mundialmente conhecido jogador de futebol Neymar Jr.

A outra é a médica epidemiologista Celina Turchi, de 64 anos, cientista brasileira nascida em Goiás que atua como pesquisadora convidada na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Pernambuco.

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Citada na categoria Pioneiros, Celina, é professora aposentada da Universidade Federal de Goiás (UFG) e ganhou o título de influenciadora mundial pelo papel que desenvolveu na investigação dos casos de microcefalia e a relação com o vírus Zika .

Foi ela a responsável por formar uma rede, com cerca de 30 de profissionais de diversas especialidades e instituições, reunidos no Merg - Microcephaly Epidemic Research Group (Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia).

O grupo de pesquisadores conseguiu identificar como o vírus Zika e a microcefalia estavam associados em apenas três meses - em janeiro de 2016 os estudos começaram e em abril já havia fortes indícios da relação.

No fim do ano passado, Celina Turchi foi citada na lista dos dez cientistas mais importantes de 2016 da revista Nature (uma das publicações científicas mais importantes do mundo), pelo mesmo motivo.

Apesar da notoriedade no meio científico, a pesquisadora se considera apenas uma "representante" do setor, que até hoje trabalha em conjunto para responder as tantas questões ainda em aberto sobre o vírus Zika e suas consequências.

Em entrevista à Agência Brasil, a cientista fala sobre o reconhecimento que recebe hoje (25), no Lincoln Center, em Nova Iorque, defende a manutenção de recursos para o meio científico, opina sobre o setor público de saúde no Brasil, além, é claro, de comentar sobre o assunto que lhe rendeu fama internacional: o vírus Zika e a síndrome congênita causada por essa arbovirose.

Agência Brasil: Você foi um dos destaques da revista Nature em 2016 e agora está entre as 100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time. O que passa pela sua cabeça ao ser reconhecida dessa forma? Até pensando de outro jeito: uma mulher cientista é uma das representantes brasileiras em listas de pessoas que fazem a diferença no mundo.

Celina Turchi: Eu gosto quando você coloca "representante". É isso que eu me sinto, uma representante do grupo de investidagores e profissionais de saúde brasileiros que se empenharam tanto, desde o início dos acontecimentos extraordinários, do ponto de vista científico, que ocorreram no Brasil no segundo semestre de 2015 e que estamos acompanhando até agora.

Agência Brasil: E para o meio científico brasileiro como um todo, esse reconhecimento influencia?

Celina Turchi: Eu acho que todo o reconhecimento de algum dos pares é bem-vindo, porque traz à tona essa possibilidade de visibilidade. Normalmente o grupo de cientistas almeja, quando muito, o reconhecimento entre os próprios cientistas. Dificilmente existe esse reconhecimento social. Mas eu acho que esse reconhecimento é importante principalmente em momentos onde se há menção de retirada de recursos para a pesquisa. Para que se entenda que a manutenção e o aprimoramento de instituições de ensino e pesquisa públicas, não só no Brasil, mas no mundo, são essenciais para dar respostas a ameaças em saúde, como essa que ocorreu.

Agência Brasil: Você é pesquisadora convidada da Fiocruz e, em outras entrevistas, falou que tem consciência do investimento feito pelo Estado brasileiro na formação da sua carreira, já que teve bolsa para estudar no exterior, trabalhou na Federal de Goiás. Seria possível avançar tão rápido nas descobertas com o seu grupo, o MERG, sem que o Brasil tivesse uma estrutura pública na área de saúde que tem atualmente? Como você avalia o setor público de saúde no país?

Celina Turchi: Eu acho que as evidências que tivemos nessa epidemia é que o setor público de saúde do Brasil, não só de atendimento, como de pesquisa, ele têm áreas de excelência. Basta lembrar que os primeiros casos foram notificados por neurologistas, a doutora Ana Van der Linden e a doutora Vanessa Van der Linden, que trabalhavam em hospitais públicos do Recife. Também teve a contribuição enorme do doutor Carlos Brito, um médico infectologista que formulou essa primeira hipótese, da possibilidade de que uma epidemia [de Zika] pudesse estar causando microcefalia. E a quantidade de pesquisadores que tinham uma experiência, um trânsito internacional muito grande com laboratórios produzindo antígenos, testes laboratoriais que pudessem ser aplicados.

Então, eu vejo que a manutenção de institutos de saúde públicos, de centros de excelência no país, isso é parte esssencial até de uma estratégia de segurança. Porque as epidemias, principalmente de saúde pública, são uma ameaça local e podem ser uma ameaça global, como foi essa, que ainda persiste. E também por uma de redução do impacto econômico que as epidemias causam, acho que a gente tem que no mínimo manter e reforçar essas instituições e a formação de pessoal.

Agência Brasil: O setor privado não conseguiria substituir essa rede?

Celina Turchi: As estruturas que eu conheço de pesquisa no mundo inteiro são - principalmente em áreas de doenças infecciosas - de responsabilidade e considerada estratégicas para o país. Os Estados Unidos têm uma rede, um Centro para Controle e Prevenções de Doenças, o CDC [na sigla em inglês], que é quem dá as diretrizes e normativas, que é uma instituição pública gerenciada pelo governo, porque isso faz parte da segurança do país.

Agência Brasil: Você falou sobre a epidemia de vírus Zika como uma ameaça que ainda persiste. Como ela está se configurando atualmente? A gente pode considerar que houve um pico no passado e existem menos casos de fato, ou ainda não chegou o tempo de uma nova epidemia?

Celina Turchi: Acho, sim, que houve uma redução de casos, em relação ao Nordeste. As epidemias virais se traduzem por aumentos e depois reduções do número de casos, então essa redução pós epidêmica é esperada. Mas como isso vai evoluir, se a gente vai ter outros picos epidêmicos, só vamos saber com um monitoramento. Nós não temos ainda todos os elementos para fazer uma predição: população infectada, introdução de outros vírus que podem potencializar a ação deste, quantidade de vetores, como as pessoas se mobilizam.

Agora, eu não tenho dúvida nenhuma de que as arboviroses [como a dengue e a zika] passaram a ser uma ameça nas cidades pela desigualdade, por esse mosaico que a gente tem nas nossas cidades, de ilhas de riqueza rodeadas por extrema pobreza e habitação muito precária, o que facilita a proliferação de vetores em áreas urbanas.

Agência Brasil: Essa seria uma das questões para entender como foi o surgimento da microcefalia em diferentes regiões do país? Porque o Nordeste foi mais afetado, registrou mais casos.

Celina Turchi: Nós não temos ainda muita clareza... esse parece ser um dos fatores, mas não temos ainda evidências muito sólidas. Temos alguns estudos que mostram que existem diferenças intraurbanas na distribuição dos casos da síndrome de zika congênita, sendo que os locais com mais casos têm piores condições socioeconômicas. Isso ficou muito claro pra cidade do Recife.

Agência Brasil: Quais as outras questões que o grupo que você coordena estão tentando responder atualmente? Existe alguma resposta nova? Por exemplo: por que o vírus afeta alguns bebes e outros não?

Celina Turchi: Atualmente tem um grupo coordenado pelo doutor Ricardo Ximenes [professor da Universidade Federal e da Universidade Estadual de Pernambuco] que está acompanhando um grupo grande de gestantes para responder perguntas em relação a que semestre ou trimestre gestacional a infecção viral afeta mais o bebê. Essas crianças nascidas de mães infectadas durante a gestação, independente de ter ou não microcefalia, estão sendo acompanhadas em outros projetos. Esses projetos são grandes consórcios internacionais. Um deles é o Zika Plan, com 25 universidades e instituições de pesquisa públicas do mundo. Outro grupo - o CNPQ junto com o Ministério da Saúde e a Capes - também fez um grande esforço colaborativo para projetos que estão sendo coordenados em diferentes áreas por outros membros desse grupo, que estão investigando o que acontece com essas crianças nascidas de mães infectadas, independentemente se apresentam alterações ou não no momento do nascimento, para saber se, a longo prazo, serão afetadas.

Agência Brasil: As descobertas feitas pelo grupo que você coordena ajudaram os serviços de saúde do mundo e, no Brasil, a gente teve um momento de expansão de serviços do SUS para atender gestantes e bebês que não estavam somente na capitais. Mas ainda há limitações. Mães que entrevistei este ano falam da dificuldade de encontrar serviços especializados no interior, por exemplo, ainda mais porque novas consequências do vírus são descobertas na medida em que os bebês vão crescendo.

Celina Turchi: Exatamente.

Agência Brasil: Que resposta o Estado brasileiro, pensando em governo federal, estadual e municipal, devem dar daqui pra frente? Qual o grande desafio da organização do atendimento?

Celina Turchi: Eu acho que é inserir o atendimento às crianças não só com infecção congênita por zika, mas também por sífilis. Um programa de atendimento que tenha continuidade, que seja adequado e entenda também essa necessidade de apoio aos familiares. Essas crianças são um impacto de grande monta na vida das famílias, principalmente das mulheres.

Agência Brasil: E uma pergunta para inspirar pessoas, especialmente mulheres fora do eixo Rio-São Paulo, que queiram seguir carreira científica: como foi sua trajetória até se deparar com esse desafio histórico?

Celina Turchi: Eu diria que a vida das mulheres da minha geração não foi diferente. Eu casei, tive filhos, tive que em algum momento interromper a minha formação. Contei, durante a minha trajetória acadêmica, com o apoio incondicional dos meus familiares e dos meu filhos. Fui bolsista do CNPq na London School como o que eles chamam de "mature student", um estudante não tão jovem. Então eu diria para os mais jovens e, especialmente para as mulheres, que embora as carreiras femininas possam não parecer às vezes tão linerares quanto às masculinas, por causa da gestação, de alguns anos de menor produtividade, que a vida é sempre surpreendente.

É isso, não sei se... não me sinto exemplo, mas sinto muito orgulho de fazer parte desse grupo de pessoas que trabalha, na maioria das vezes no anonimato, e que vez por outra se vêem em situações extraordinárias. Poder contribuir numa situação extraordinária, do ponto de vista científico, e numa situação trágica, do ponto de vista social, e se sentir fazendo parte dos eventos, acho que é tudo que a gente pode almejar de uma trajetória profissional.

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