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Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2012 às 09h56.
A fisioterapeuta mineira Iwana Sansoni, de 36 anos, abandonou a carreira depois de dar à luz a terceira filha. A publicitária paulista Larissa Mrozowski, de 35, tomou a mesma decisão - deixou o emprego para cuidar dos três rebentos. Amanda Machado Lins, de 31, pernambucana, funcionária pública, desdobra-se para dar conta do trabalho e da prole - ela também é mãe de três. Nas grandes capitais do país, um grupo crescente de mulheres de classe média e média alta como Iwana, Larissa e Amanda, que trabalham fora ou não, tem optado por gerar três filhos, ou mais. Celebridades que costumam aparecer em jornais e revistas também começam a aumentar a família. A apresentadora Angélica e a modelo Camila Alves estão grávidas do terceiro. A atriz Cláudia Abreu, a cantora Chayene da novela Cheias de Charme, deu à luz ao quarto, há onze meses. Pelos cálculos da consultoria Cognatis, especializada em demografia, ao menos 219 000 casais das classes A e B, com renda mensal acima de 7 000 reais, decidiram ter uma trinca dentro de casa recentemente.
Optar pelo terceiro filho, hoje, é trafegar na contramão de uma tendência nacional - e justamente por isso a volta das famílias grandes, mesmo que apenas entre uma parcela pequena e abastada da população, chama tanto a atenção dos demógrafos e estudiosos do comportamento. A taxa de fecundidade do país está em queda vertiginosa desde a década de 60, quando se intensificou a migração do campo para a cidade, houve melhoras nas condições sanitárias e as mulheres deixaram o lar para invadir o mercado de trabalho. A média de filhos por mulher passou de 6,3 na ocasião para 1,9 atualmente, menos que o necessário para a reposição populacional. O filho único, visto há três décadas como anomalia, tornou-se figura comum nos anos 90 - e está presente em 20% dos lares. "O total de brasileiras que decidiram aumentar a família ainda não aparece nas estatísticas, mas é um grupo em evidente crescimento", afirma o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
É fácil entender por que tantos casais querem mais de um filho. Como diz o antigo chavão, um é pouco. Muita gente teme que o filho único vire um monstrinho mimado, que não sabe dividir nada com ninguém, ou um adulto com pouca tolerância a frustrações. Mas, se dois é bom (ter um menino e uma menina ainda é o sonho de muitos pais e mães), por que três? Ou quatro? Ter filhos - e quem os tem bem sabe - é uma das experiências mais gratificantes na vida de uma pessoa. No entanto, gerar uma criança e criá-la com esmero implica sacrifícios, preocupações, noites maldormidas e gastos, muitos gastos. Escola, inglês, plano de saúde e lá se vai quase 1 milhão de reais na criação de um filho, do nascimento aos 23 anos, segundo levantamento do pesquisador Adriano Maluf Amui, do Instituto Nacional de Vendas e Trade Marketing (Invent).
São várias as explicações para o inchaço das famílias, mas a principal, dizem os especialistas, é uma mudança recente, e radical, no comportamento feminino. "As mulheres que sonham em se tornar mãe não estão mais dispostas a abrir mão da maternidade para provar que podem competir em pé de igualdade com os homens", afirma a demógrafa Maria Coleta Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse fenômeno não é exclusividade brasileira e já foi observado em muitos países, especialmente nos mais desenvolvidos. A antropóloga Carla Barros, da Universidade Federal Fluminense, concorda: "Nos anos 80 e 90, que se seguiram à emancipação feminina, havia uma pressão para que a mulher estudasse e fosse bem-sucedida na profissão, principalmente nas classes mais altas. Ser só dona de casa desqualificava a mulher. As que queriam filhos optavam por ter um, no máximo dois, para não prejudicar o trabalho. Hoje, a mulher conquistou o direito de escolher o que fazer". Dados do IBGE corroboram a tese. Na última década, cresceu 26% o número de brasileiras mais escolarizadas, com renda acima de 8 000 reais, que largaram o emprego para ser mães e nada mais, com muito orgulho.
Aos olhos da filosofia, a opção por uma prole numerosa é reflexo de uma mudança profunda no papel dos filhos e da família na sociedade contemporânea. "Existe hoje uma tendência de enfrentar as dificuldades do mundo a partir de escolhas privadas. Se o mundo está um caos, vou garantir minha tábua de salvação, que é uma família que vai viver comigo para encarar essa situação", considera o filósofo Luiz Felipe Pondé. No livro Famílias, Amo Vocês, o filósofo francês Luc Ferry defende a ideia de que ter filhos deixou de ser uma obrigação social para se tornar uma forma de alcançar a plenitude, ou seja, os pais, hoje, precisam dos filhos para justificar sua existência. Escreve Ferry: "Os homens morriam por Deus, pela pátria e pelas revoluções. Essas instituições perderam a importância, e a família emergiu como a nova entidade sagrada do mundo atual. Os filhos são a única razão pela qual vale a pena viver e morrer nos dias de hoje".
A melhora na economia também explica o retorno das famílias maiores. O Brasil entrou em um ciclo de prosperidade em 2004. Virado o capítulo da estabilização monetária, a inflação permaneceu estável e o real se valorizou, o que encorajou alguns casais a ter mais filhos. Os Estados Unidos são um exemplo de país onde a taxa de fecundidade acompanha o ritmo da economia. Em 1910, cada americana tinha em média 3,4 filhos. O número desabou para 2 na Grande Depressão, nos anos 30. Subiu na década de 50, chegando a 3,6. Caiu para menos de 2 durante a crise energética dos anos 70. Com a recessão dos últimos anos, o índice voltou a cair.
As novas famílias de três ou mais filhos não vão alterar o cenário demográfico atual. A tendência de queda na taxa de fecundidade no Brasil deve se manter nas próximas décadas. Pelas estimativas do IBGE, as brasileiras terão 1,5 filho em 2030, o mesmo que as europeias. A fecundidade baixa, na Europa, é motivo de preocupação. O crescimento populacional do continente é o menor do mundo, o que acarreta um aumento expressivo no total de idosos e a diminuição da população em idade ativa. São poucos jovens para trabalhar e muitos velhos para ser sustentados. A partir de 2040, o Brasil começará a sentir os efeitos nocivos da queda na fecundidade. Quem sabe, até lá, mais mulheres não se lancem na agradável (e custosa) aventura de gerar uma prole numerosa.