Berna ficou conhecida em 2009 com a performance Quando Todos Calam, realizada no mercado Ver-o-Peso, em Belém (Divulgação/Itaú Cultural)
Da Redação
Publicado em 2 de abril de 2012 às 11h13.
São Paulo - Ultimatentativa.doc era o nome do arquivo digital com a terceira inscrição de Berna Reale no Rumos, programa do Itaú Cultural que desde 1997 mapeia novos talentos das artes brasileiras. Aos 45 anos, a paraense não tentaria mais uma vez. “Não pinto jangada, não fotografo ribeirinho. Tenho consciência de que não atendo ao paladar regionalista dos que querem um Norte de cartão-postal”, diz.
Berna ficou conhecida em 2009 com a performance Quando Todos Calam, que dava bem a dimensão visceral de sua pesquisa: nua, ela passou uma tarde deitada em frente ao mercado Ver-o-Peso, em Belém. Os feirantes, silenciosos, viram os urubus das redondezas interagir com seu corpo, coberto por carne crua. “Os policiais estavam muito temerosos. Achavam que eu seria atacada.” Não foi. Acostumada a ter problemas com a polícia em suas intervenções de rua – como na do ano passado, em que foi retirada de um caminhão frigorífico e, amarrada a um suporte metálico, atravessou a capital paraense sem roupa –, Berna se sente acolhida e compreendida pelos espectadores.
Sua potência cênica finalmente a colocou no Rumos e, por tabela, na mostra que ocupa a sede do Itaú Cultural, em São Paulo, até 22 de abril. Estão expostas ali fotos da performance de 2009, além de uma série de retratos de 2011, protagonizada pela própria artista. Segundo Paulo Miyada, um dos curadores do Rumos, o que chama a atenção na obra de Berna é a força narrativa das imagens.
Foi Miyada quem montou a nova série fotográfica, com quatro irônicas figuras. Os personagens (A Mulher, O Mito, A Morte e O Homem) ganharam molduras douradas, que remetem às pinturas dos viajantes do século 17, os primeiros criadores de tipos nacionais. Filha de uma índia, a artista carrega o sobrenome do pai, descendente de italianos que um dia devolveu a esposa à floresta. “Passei parte da juventude visitando a Amazônia profunda e sempre me incomodou o mito do índio que só quer o natural, que é imune à cultura, que vive melhor sem ela. É muito parecido com esperar que o artista do Norte faça cerâmica e nada mais”, cutuca.
Berna rejeita interpretações psicanalíticas, mesmo quando enfeita suas personagens femininas com projéteis recolhidos em cenas reais de assassinato – sempre sob a autorização do centro de perícias para o qual trabalha. Você entendeu: ela é funcionária concursada de um instituto de medicina legal no Pará e se tornou perita em assassinatos. “Tive, sim, uma infância dolorosa, um pai ciumento que trocou minha mãe por mulheres que mudavam de cara todo dia. Ele não nos deixava ir à janela. Achava coisa de prostituta. Mas não me interessam os problemas pessoais. Estou cansada da arte usada como divã. O coletivo é muito mais importante, o coletivo é o meu tema.”