Irã vive abertura musical, mas artistas esbarram em restrições
O famoso roqueiro iraniano Kave Afagh levou mais de cinco anos para conseguir a autorização necessária para se apresentar oficialmente a seu público
EFE
Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 11h00.
Teerã - A abertura musical vivida nos últimos anos no Irã permitiu o triunfo de diversos artistas alternativos nos palcos, mas o longo caminho para obter permissões para fazer apresentações é repleto de impedimentos e restrições.
Este "duro processo burocrático" foi percorrido pelo famoso roqueiro iraniano Kave Afagh, que levou mais de cinco anos para conseguir a autorização necessária para se apresentar oficialmente a seu público, um sonho que se tornou realidade em 2016.
Afagh, de 34 anos, não jogou a toalha mesmo depois que muitos de seus conhecidos lhe diziam: "É uma perda de tempo, vá para o exterior e cante em inglês", explicou o artista em entrevista à Agência Efe.
Para o músico, "valeu a pena" os anos de esforço para obter as permissões, já que - segundo ele - "não existe outra sensação que substitua a alegria que se sente ao ver seus admiradores de perto".
"No Irã, é preciso ter um certificado para poder fazer uma apresentação musical, que inclui vários requisitos de nível técnico, musical e poético", detalhou o jovem.
A música chegou a ser proibida após a Revolução Islâmica de 1979 e ficou fora do rádio e da televisão durante vários anos. Tempos depois, as autoridades aceitaram a música tradicional iraniana, mas demoraram mais para aprovar estilos ocidentais como o pop e o rock.
Atualmente, continua sendo importante contar com o apoio de um setor político no sistema da República Islâmica, bem como acatar as regras de censura, e principalmente evitar qualquer conceito antirreligioso.
A censura não se concentra em uma palavra ou frase, mas "na forma estrutural da canção", segundo Afagh, que esclareceu que o caso do rock é mais difícil porque as autoridades consideram que o estilo "não é apropriado ao não condizer com a lírica da literatura persa".
Outro empecilho é a vestimenta. Até 2011, os músicos recebiam advertências por suas roupas e pelos cabelos longos, mas essas normas foram amenizadas.
"Desde então, já não há alertas nesse sentido, (as autoridades) só exigem que não haja textos em inglês sobre as roupas e que estas cubram o corpo", afirmou Afagh.
A revolução da internet e das redes sociais como o Facebook foram o tiro de largada para a abertura ao mundo da música no regime teocrático do Irã, já que as autoridades não podiam impedir que os artistas divulgassem suas obras nestes meios.
Na opinião do roqueiro iraniano, "os músicos são mais populares antes de obter as permissões, mas, para poder ganhar dinheiro, não há outro remédio além da regulamentação", já que, sem autorização, não podem lançar seus álbuns e fazer apresentações em grandes estabelecimentos.
O caso de Afagh, no entanto, é uma exceção, já que o fato de legalizar sua situação não representou uma queda de popularidade, pois apenas quatro artistas trabalham com o estilo "persian rock" (rock persa) no Irã.
O artista começou a compor em 2001 em inglês, mas após cantar em farsi e descobrir que suas musicas nesse idioma foram bem recebidas pelo público, decidiu continuar com o estilo "persian rock", mas revelou que planeja voltar ao idioma de Shakespeare para tentar uma carreira internacional.
Seu sucesso ficou comprovado durante uma apresentação recente na famosa torre Milad, no oeste de Teerã, onde o público teve que se conter para não pular e dançar ao ritmo da música de Afagh.
Dançar em público é proibido no Irã, por isso os responsáveis da casa de shows indicavam com raios vermelhos os jovens que estavam se mexendo em excesso, entre o descontentamento do público, que tem que ficar quieto como "estátua".
Apesar desses inconvenientes, para a maioria era um sonho ver o artista ao vivo: "sua apresentação é bastante atrativa e tem uma energia excepcional, que ele transmite a seu público", disse à Efe Shirin, uma atriz de teatro fã de Afagh há mais de uma década.
A atriz manifestou seu desejo de uma maior abertura na República Islâmica para que o público iraniano não tenha que viajar para outros países para ver apresentações de seus artistas favoritos.
Após a Revolução Islâmica, quase todos os cantores populares do tempo do xá Mohammad Reza Pahlavi foram considerados antirrevolucionários e fugiram do país.
Primeiro, os artistas banidos realizavam apresentações nos EUA e na Europa e, na última década, se mudaram para cidades de países vizinhos, como Dubai (Emirados Árabes) e Antalya (Turquia), para apresentações que reúnem um grande número de iranianos. EFE