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Em Dublin, imóveis trocam o Airbnb pelo mercado regular de aluguel

Pandemia foi balde de água fria no outrora frenético mercado imobiliário da Irlanda; imóveis oferecidos pelo Airbnb foram atingidos pelo colapso do turismo

Área residencial de Dublin (Ruth Connolly/The New York Times)

Área residencial de Dublin (Ruth Connolly/The New York Times)

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Daniel Salles

Publicado em 6 de outubro de 2020 às 09h42.

Última atualização em 8 de outubro de 2020 às 22h56.

O apartamento moderno de um quarto em Dublin contava com um espaço aberto, uma varanda tomada pelo sol, painéis solares, amplo espaço de armazenamento e estacionamento para dois carros. A localização era ideal, assim como o preço: cerca de US$ 1.800 por mês – US$ 300 a menos do que pagava o inquilino anterior.

Em uma cidade onde as filas para ver imóveis alugados normalmente viram o quarteirão, os novos inquilinos mal podiam acreditar em sua sorte.

"Não conseguiríamos esse lugar. Isso só aconteceu por causa dessa situação. Nós nos beneficiamos totalmente", afirmou Aoife Brannigan, de 25 anos, sobre os meses de busca infrutífera que ela e seu parceiro, Shaun Gribben, também de 25, haviam empreendido antes de encontrar seu apartamento.

A situação a que ela se referiu era o coronavírus, que foi um balde de água fria no outrora frenético mercado imobiliário da Irlanda, particularmente os imóveis oferecidos pelo Airbnb, que foram atingidos pelo colapso do turismo. Essa queda, ao lado de um êxodo de estrangeiros de Dublin por causa da pandemia, aumentou a oferta de imóveis para aluguel na capital irlandesa – uma mudança que mostra como a presença do Airbnb continua a influenciar os preços da habitação em cidades populares.

Aoife Brannigan e Shaun Gribben na casa em Dublin que encontraram na pandemia (Ruth Connolly/The New York Times)

Para Dublin, a mudança aliviou uma crise que nos últimos anos fez com que os aluguéis disparassem e deixassem muita gente com dificuldade de arranjar um lugar para morar. A situação era tão preocupante que, em fevereiro, os eleitores em busca de moradias acessíveis e maiores direitos dos inquilinos causaram um choque nas eleições nacionais, derrubando os partidos governistas tradicionais.

"Lembro-me de que todos os dias queriam que eu visse cerca de 60 propriedades – e, uma vez que isso começou, o número literalmente dobrou", disse Gribben a respeito da busca que ele e Brannigan empreenderam a sério no início do ano.

Durante anos, as casas alugadas pelo Airbnb para estadas de curto prazo drenaram o fornecimento do mercado de aluguel da área de Dublin, passando de cerca de 1.700 ofertas em 2016 para mais de 4.500 este ano pouco antes da crise do coronavírus, de acordo com o Inside Airbnb, um site que rastreia anúncios em cidades ao redor do mundo.

Mas, durante a pandemia, essa tendência se inverteu, com essas ofertas caindo para cerca de 3.900 durante agosto, uma mudança enganosamente pequena que teve um efeito bem maior. De maio a julho, as ofertas de aluguel de longo prazo na cidade ficaram quase 50 por cento acima do mesmo período do ano passado – um aumento de mais de mil unidades –, apesar de uma queda de 1,5 por cento no resto do país, segundo um relatório de Ronan Lyons, professor assistente de Economia no Trinity College Dublin, para o site imobiliário irlandês Daft.ie.

Visão da ponte Ha'penny em Dublin (Ruth Connolly/The New York Times)

Por operar locações de curto prazo, as ofertas do Airbnb podem inundar o mercado de uma maneira que os aluguéis de longo prazo não conseguem.

"O mercado de Dublin em condições normais poderia facilmente se beneficiar com três mil propriedades", afirmou Lyons em uma entrevista. Sobre o recente aumento das ofertas, ele observou: "Isso é muito se comparado com as perspectivas. É uma oferta adicional num momento em que as pessoas não estão se mudando para a cidade."

O governo irlandês tentou arrefecer o mercado do Airbnb no ano passado, e introduziu regulamentos para que os aluguéis de curto prazo em áreas onde houvesse mais necessidade voltassem ao mercado de longo prazo. Entretanto, sem um método eficaz de aplicar essa regulamentação, a tentativa foi em grande parte infrutífera.

Um porta-voz do Airbnb contestou os dados do Inside Airbnb, alegando que a maioria dos anfitriões em todo o mundo planejava alugar suas unidades pelo menos nos níveis pré-pandêmicos quando o coronavírus diminuísse, e acrescentou que o número de reservas nas grandes cidades europeias havia se recuperado recentemente.

A empresa disse em um comunicado: "Existem tantas ofertas de casas inteiras no Airbnb na Irlanda hoje quanto havia antes da pandemia. As viagens pelo Airbnb geraram cerca de 800 milhões de euros em atividade econômica para a Irlanda apenas em 2019 e os anfitriões estão muito focados em como podem ajudar sua comunidade local a se reerguer e a impulsionar a recuperação segura do turismo."

A propriedade de imóveis foi objeto de intenso foco nacional durante o período de crescimento da Irlanda na década de 1990 e no início dos anos 2000, mas a crise financeira de 2008 destruiu a economia do país e fez parar a indústria de construção habitacional, anteriormente aquecida. A economia irlandesa se recuperou gradualmente, mas os preços de imóveis subiram tremendamente, colocando sua aquisição muito além do alcance da maioria das pessoas e levando-as para um mercado de aluguel já estrangulado.

Em seguida, veio a pandemia, que trouxe um bloqueio nacional, uma queda de 6,1 por cento na produção econômica no segundo trimestre e uma taxa de desemprego que em agosto foi medida em 15,4 por cento.

Prédio novo perto do Museu de Arte Moderna de Dublin (Ruth Connolly/The New York Times)

Alguns trabalhadores deixaram as áreas urbanas enquanto as práticas de trabalho a distância estão em vigor e outros retornaram a seu país de origem durante a pandemia; especialistas, porém, atribuem grande parte do aumento abrupto de ofertas de aluguel de longo prazo em Dublin à queda do número de imóveis oferecidos no Airbnb.

A prova, de acordo com eles, é que a disponibilidade aumentou em partes da cidade onde as listagens de curto prazo estavam concentradas – algo que não aconteceu uniformemente em toda a cidade ou no resto do país.

A mudança foi mais acentuada no centro de Dublin, onde os donos de propriedades de investimento vêm abandonando o mercado de curto prazo. Jim Cryan, empresário aposentado, deixou o Airbnb e foi para o mercado de aluguel de longo prazo no fim de março. Em duas semanas e meia, sua casa de quatro quartos foi alugada.

Cryan aceitou um contrato com um valor mensal de cerca de US$ 3.900, metade do que poderia esperar quando o mercado do Airbnb estava aquecido. Mesmo assim, ele duvida que voltará ao mercado de curto prazo: "Você usa o bom senso. É como se investisse em ações e o preço despencasse: você reluta em voltar e se queimar duas vezes."

Isso não quer dizer que o retorno dos antigos imóveis do Airbnb ao mercado de aluguel tradicional resolverá a crise habitacional de Dublin.

"O déficit de propriedades para alugar é provavelmente de pelo menos 50 mil, e mais perto de 70 mil ou 80 mil com base nas tendências das últimas duas décadas", disse Lyons, o professor de Economia, acrescentando: "Minha preocupação é que um político possa olhar para isso e dizer: 'Ah, problema resolvido: o Airbnb entrou em colapso, o mercado europeu entrou em colapso e temos todas essas propriedades para alugar. Missão cumprida.'"

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