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Como Bernard Arnault, o "lobo de cashmere", conseguiu arrematar a Tiffany

Presidente da LVMH e homem mais rico da Europa, Bernard Arnault pôs fim a uma novela de meses: comprou a Tiffany & Co., a "joia americana", com desconto

 (Philippe LOPEZ/Getty Images)

(Philippe LOPEZ/Getty Images)

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Matheus Doliveira

Publicado em 13 de novembro de 2020 às 13h26.

Última atualização em 13 de novembro de 2020 às 14h23.

A novela também conhecida como o maior negócio no setor do luxo, a aquisição da Tiffany pela LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, finalmente teve um desfecho feliz.

As duas empresas anunciaram seus planos em novembro passado, mas se envolveram em meses de lama pública depois que a pandemia começou a afetar o mercado de luxo e o compromisso da LVMH começou a ser reavaliado. Recentemente, porém, os dois lados divulgaram ter concordado com novos termos.

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A LVMH vai adquirir a Tiffany a US$ 131,50 por ação, US$ 3,50 a menos que o preço original, mas US$ 1,50 a mais do que o resultado da Tiffany. Isso poupará a Bernard Arnault, presidente da LVMH, e a seus acionistas a quantia relativamente baixa de US$ 420 milhões do preço original de US$ 16,2 bilhões, e evitará que a Tiffany tenha de se defender sozinha em um momento de incerteza vivido pelo setor do luxo.

No entanto, a relação tem sido repleta de drama, começando em setembro, quando a LVMH veio a público com a notícia de que o governo francês – o governo! – havia pedido que esperasse para fechar o negócio.

A Tiffany mencionou táticas para atrasar a compra. A LVMH acusou a Tiffany de ser um "negócio mal gerenciado que no primeiro semestre de 2020 perdeu muito dinheiro". Esta respondeu que "os argumentos falsos da LVMH são mais uma tentativa flagrante de fugir de sua obrigação contratual de pagar o preço acordado". A Tiffany entrou com um processo em um tribunal de Delaware por violação de obrigações. A LVMH revidou, alegando que os danos à Tiffany em 2020 significavam que esta não era mais a mesma empresa que havia concordado em adquirir. Observadores do setor estavam de queixo caído, espantados.

Mas, para quem seguiu Arnault nas últimas três décadas e meia, enquanto este construía a maior empresa de luxo do mundo e se tornava o homem mais rico da Europa, a saga da Tiffany não foi exatamente uma surpresa.

Bernard Arnault: o "lobo de cashmere" da LVMH. (Claudio Lavenia / Getty Images)

Embora tenha criado seu império de mais de 75 marcas em grande parte por meios pacíficos, cortejando famílias e aproveitando oportunidades, Arnault já havia se envolvido em grandes batalhas públicas pelo menos três vezes antes. Extremamente competitivo, sem medo de uma luta e sem se abalar com a execração pública, ele nem sempre conseguiu o que queria – embora tenha invariavelmente ganhado dinheiro, solidificando sua reputação de Sun Tzu do luxo.

O lobo de cashmere

A jornada de Arnault ao auge do luxo começou com uma das maiores e mais ferozes batalhas empresariais já presenciadas pela França, uma nação em que, por muito tempo, externar ambição era considerado algo impróprio.

Em 1984, Arnault, então um jovem desenvolvedor imobiliário, ouviu dizer que o governo francês estava pronto para escolher alguém para assumir o império Boussac, conglomerado têxtil e de varejo que era dono da marca Christian Dior. Arnault tinha acabado de voltar dos Estados Unidos, onde seu vizinho no condado de Westchester, em Nova York, era John Kluge, que ganhou bilhões ao transformar sua empresa Metromedia em propriedade privada e depois liquidá-la. Arnault também tinha observado de perto o sucesso que a empresa de investimentos KKR teve com suas compras agressivas que utilizaram dinheiro emprestado.

Com isso em mente, Arnault ganhou a guerra de licitação pela Boussac, comprando o grupo pelo valor simbólico de um franco. Ele foi então apelidado de "O Exterminador do Futuro" depois de demitir nove mil funcionários em dois anos e de se livrar da maioria dos ativos do grupo, com exceção da Dior.

Uma enxurrada de novos apelidos – o lobo de cashmere, o Maquiavel das finanças – surgiu em 1989, quando Arnault derrotou as defesas da LVMH, dois anos depois da fusão entre a casa de moda Louis Vuitton e o produtor de conhaque e champagne Moët Hennessy.

A LVMH foi criada com a premissa de que o grupo combinado seria muito grande para um aventureiro hostil. Em vez disso, o cerco veio de dentro. Arnault, que havia investido no negócio em 1988, tinha uma visão divergente de Henry Racamier, o reverenciado presidente septuagenário da Louis Vuitton, e finalmente se voltou contra o executivo, tirando-o do poder e expulsando-o do conselho. A imprensa francesa estava horrorizada, mas um padrão havia sido estabelecido.

A 'aquisição assustadora'

Em 1999, Arnault voltou sua atenção para outra presa: a Gucci, empresa italiana de artigos de couro, então dirigida por Tom Ford e Domenico De Sole. Ele discretamente acumulou uma participação de cinco por cento das ações antes que eclodisse a luta que a "Vanity Fair" chamou de "uma luta Ali-Frazier pelo controle da empresa".

A Gucci chamou a atitude de "aquisição assustadora". Arnault aumentou sua participação para 15 por cento, depois 27 por cento, depois 34,4 por cento – tudo isso enquanto insistia que queria ser um parceiro de apoio passivo. Os dois lados finalmente concordaram que, em troca da representação no conselho, Arnault congelaria sua participação. De Sole mandou a papelada por fax. Ela voltou sem assinatura. Então a guerra de guerrilha começou.

A luta se arrastou até 2001, quando finalmente, naquele setembro, eles entraram em um acordo, e a LVMH vendeu suas ações – acabando por sair com um lucro de US$ 700 milhões.

"Ele era um adversário difícil", disse De Sole, agora presidente da Tom Ford International, que chamou a experiência de "brutal". Mas depois, acrescentou, Arnault o contatou por intermédio de um de seus banqueiros e o convidou para uma reunião privada, na qual "foi muito racional e gracioso". Os dois ainda mantêm contato.

A Hermès é o alvo

Em 2013, Arnault tinha chegado a outros cantos da Europa, abocanhando marcas maiores como a Bulgari em 2011 e a Loro Piana em 2013, e participando de uma série de novatas promissoras. Havia, contudo, um alvo de longo prazo que a LVMH cobiçava secretamente fazia mais de uma década: a Hermès.

A superluxuosa e bem-sucedida casa de couro parisiense é administrada pela sexta geração de sua família fundadora, que tem sido ferozmente protetora da manutenção do controle. Embora a empresa tenha entrado na bolsa em 1993, a família manteve uma participação de 78 por cento.

Em 2001, a LVMH comprou discretamente uma participação inicial de 4,9 por cento por meio de subsidiárias, e continuou acumulando ações, comprando derivativos mediante intermediários financeiros, sempre em participações abaixo de cinco por cento. Em outubro de 2010, a LVMH anunciou que havia adquirido 14,2 por cento de sua rival. Em dezembro de 2011, o número subira para 22,6 por cento, o que levou Patrick Thomas, então executivo-chefe da Hermès, a reagir com uma declaração notoriamente grosseira. "Se você quer seduzir uma mulher bonita, não comece estuprando-a por trás", afirmou ele em uma coletiva de imprensa, na qual pediu a Arnault que reduzisse a participação da LVMH para dez por cento, a fim de mostrar que não pretendia uma aquisição. Arnault não o fez, e em 2013 a participação da LVMH na Hermès cresceu para 23,1 por cento.

Houve uma audiência perante o regulador do mercado de ações da França, com a Hermès alegando que a LVMH havia construído sua participação usando um sistema que mascarava sua verdadeira identidade. A batalha legal tomou conta da França, com a LVMH novamente retratada como um bárbaro invasor. Em 2014, um tribunal francês decidiu que a LVMH tinha de vender sua participação e distribuir suas ações aos investidores. (O Groupe Arnault, maior acionista da LVMH, manteve uma posição de oito por cento.)

Finalmente, em 2017, Arnault pareceu se afastar, trocando as últimas ações da Hermès como parte de uma reestruturação corporativa mais ampla na LVMH, em parte para ajudar a pagar os 25 por cento da Dior, que já não possuía. Os investidores minoritários da Dior poderiam escolher o pagamento em dinheiro ou em ações da Hermès, ajudando Arnault a evitar o pagamento de impostos sobre a venda. Por fim, o Groupe Arnault teve US$ 5 bilhões de lucro.

"Ele não tem medo de se envolver em uma briga, mas há sempre um grande cálculo e uma visão clara de longo prazo. Está constantemente avaliando as consequências e pode colocar o ego de lado a serviço do resultado", disse Serge Carreira, professor da Sciences-Po em Paris.

Como consequência, segundo De Sole, "mesmo quando perde, ele ganha".

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