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Um sério problema

O sério problema das empresas que costumam avaliar seriamente os problemas que não são assim tão sérios

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.

"Temos um sério problema" é uma das frases mais arrepiantes da vida corporativa. Para começar, a frase já é construída de maneira pouco usual. Na linguagem falada, raramente colocamos o adjetivo antes do substantivo. Só fazemos isso quando temos um sério problema. E, depois, porque a frase é compulsória. Quem a enuncia já decidiu que nós participamos do problema, mesmo que ainda nem saibamos de que se trata. E o pior é que essa frase temível acabara de me ser dita pelo Nicanor, nosso supervisor linha-dura, famoso por resolver sozinho e no ato as questões mais cabeludas. E, se o Nicanor estava ali, parado na porta, com cara de quem tínhamos um problema sério, então nós tínhamos um sério problema. Eu ainda estava envolto em tais reflexões quando o Nicanor enfatizou:

-- Um problema seriíssimo!

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Aí, não havia mais dúvida. Porque, se escrever "seriíssimo" já é meio complicado, pronunciar essa palavra -- com a devida ênfase no segundo "i" -- d emonstrava claramente que...

-- Você escutou o que eu...

-- Escutei, Nicanor! Calma!! Qual é o problema?

Esse é um dos efeitos perversos dos sérios problemas. Eles tiram a gente do sério.

-- Sabe o Moreira e o Santana?

-- Sei.

-- Qual é a sua opinião sobre eles?

-- Bons funcionários, eu acho. Pelo menos, eu nunca...

-- Eles decidiram morar juntos.

-- Certo.

-- Você não entendeu. Eu disse "juntos".

-- Quão juntos?

-- De dormir abraçados.

-- Não me diga! Quer dizer que o Moreira e o Santana...

-- Quero. E precisamos tomar providências urgentes!

-- Que providências?

-- Despedir um dos dois. Ou os dois.

-- Com base em quê?

-- Como assim, com base em quê? Os dois estão dividindo o mesmo sabonete! E estão naquelas de querer que o mundo saiba dessa paixão. Isso é intolerável! Já pensou quando isso se espalhar pela empresa? E se nossos clientes ficarem sabendo? E se...

-- Tudo bem, Nicanor, já entendi.

-- E o que você acha?

-- Que temos um sério problema.

Tínhamos mesmo. Mas nada do que o Nicanor estava imaginando. O problema estava dentro de nós. Durante anos, havíamos construído a imagem de uma empresa aberta, que estimulava a diversidade. E as coisas vinham funcionando bem, até que o que pregávamos na teoria se materializou na prática. E aí percebemos que a empresa tinha o que se chama de "certos padrões comportamentais". Ou seja, nossos funcionários podiam ser diferentes, desde que fossem relativamente iguais.

Depois de muita discussão, decidimos que relações afetivas entre funcionários da empresa, fossem eles ou não do mesmo sexo, não eram um sério problema. Eram uma questão pessoal, e a empresa não tinha nada a ver com isso.

Indignado e inconformado, o Nicanor ameaçou pedir a conta. Mas o tempo é o mais sábio dos juízes, e um ano depois o Nicanor finalmente acordou. Entendeu o que é respeitar a privacidade alheia, aceitou a diversidade e encontrou a felicidade. Na companhia do Santana.

Max Gehringer (max.g@uol.com.br)

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