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Surpreendentemente, o tamanho da multidão afeta a tendência a trapacear

Entender a psicologia por trás desse fenômeno abriria os olhos das organizações

Para evitar comportamentos antiéticos, o ideal é pensar em pequena escala, menos quando se trata do tamanho do grupo que se tenta influenciar (Henrik Sorensen/Getty Images)

Para evitar comportamentos antiéticos, o ideal é pensar em pequena escala, menos quando se trata do tamanho do grupo que se tenta influenciar (Henrik Sorensen/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 26 de outubro de 2022 às 15h59.

Última atualização em 26 de outubro de 2022 às 17h40.

Para evitar comportamentos antiéticos, o ideal é pensar em pequena escala, menos quando se trata do tamanho do grupo que se tenta influenciar.

Essa é a lição retirada da nova pesquisa de Maryam Kouchaki, professora de administração e organizações da Kellogg School. Ao longo de vários experimentos, Kouchaki e suas coautoras, Celia Chui da HEC Montreal e Francesca Gino da Harvard Business School — descobriram que, em grupos maiores, as pessoas trapaceiam mais.

E por quê? As pesquisadoras encontraram uma intrigante profecia de bom senso no trabalho: as pessoas esperam haver um maior número de trapaceiros em grupos maiores. Essa percepção, por sua vez, aumenta a sensação de que a trapaça é comum e, portanto, aceitável.

O estudo ilustra a importância do contexto e das normas sociais para determinar a existência de comportamentos éticos ou o seu oposto. Afinal, não nos transformamos magicamente de santos em grupos de cinco a pecadores em grupos de 100. Na realidade, inconscientemente fazemos sugestões indiretas a outras pessoas e ao comportamento que esperamos delas.

“Quando você acredita que seu comportamento é normativo”, explica Kouchaki, “então ele parece mais fácil de defender. O comportamento questionável parece mais justificável quando se acredita que outras pessoas também se comportam de tal forma.”

Quanto maior o grupo, maior as trapaças

As pesquisadoras deram início à investigação recrutando 88 participantes para um estudo presencial. Aleatoriamente, os participantes foram colocados em uma sala em um pequeno grupo de cinco pessoas ou um grupo grande de 25 pessoas.

Os presentes foram informados de que poderiam ganhar dinheiro solucionando dez palavras com letras embaralhadas em 3 minutos: US$ 1 para cada palavra solucionada. No entanto, tinha uma pegada: deveriam resolver os quebra-cabeças em sequência para receber o pagamento — ou seja, se resolvessem a primeira e a terceira, mas não a segunda, só receberiam US$ 1 pela primeira solução. Podiam também receber um bônus adicional de US$ 10 se seu desempenho estivesse entre os 20% mais bem-sucedidos da sala.

Não era preciso que os participantes informassem as palavras solucionadas, bastava apenas dizer quais haviam solucionado, o que dava uma oportunidade tentadora de mentir. E sem que eles soubessem, a sétima palavra era impossível de resolver, permitindo que as pesquisadoras determinassem sem sombra de dúvidas quem estava mentindo.

Os resultados foram claros: nos grupos pequenos, 27% dos participantes relataram ter solucionado a palavra insolúvel. No grande grupo, esse número subiu para 54%.

O mesmo ocorreu quando fizeram um experimento semelhante com um grupo de 187 participantes online, que foram informados apenas sobre o tamanho do grupo, mas não puderam ver os concorrentes com certeza. De acordo com os resultados anteriores, suas trapaças foram mais altas em um grupo de 100 do que em grupos de dez. No grupo grande, os participantes relataram resolver uma média de 1,14 palavra insolúvel, em comparação com 0,747 nos grupos menores.

Se todo mundo trapaceia, por que só nós ficaremos de fora?

Embora esses dois primeiros experimentos tenham revelado fortes evidências de maior incidência de trapaças em grupos maiores, eles não explicaram o porquê desse fenômeno. Assim, no próximo experimento, as pesquisadoras investigaram diretamente essa questão.

Recrutaram 296 participantes online que foram colocados em um grupo grande de 100 pessoas ou em grupos pequenos de dez, e que receberam instruções para a tarefa usada no estudo anterior. No entanto, em vez de realmente concluir a tarefa, os participantes responderam perguntas destinadas a averiguar o mecanismo subjacente ao comportamento de trapaça que ocorre em grandes grupos. As pesquisadoras perguntaram aos participantes, por exemplo, quantas pessoas em seu grupo eles pensavam que trapaceariam, se pensavam que trapacear estava dentro das normas do grupo e qual era a probabilidade de os trapaceiros serem descobertos.

As pesquisadoras descobriram que, à medida que o tamanho do grupo aumentava, o número esperado de trapaceiros também aumentava. A análise estatística revelou que esse maior número de traidores já esperados fez com que as pessoas vissem a trapaça como normal. A análise não mostrou uma correlação clara entre as expectativas de ser pego e a probabilidade de trapaça.

Vale a pena notar que apenas o número esperado de trapaceiros — e não a porcentagem esperada de trapaceiros — teve o efeito de fazer com que a trapaça parecesse normativa. Os participantes do grupo grande esperavam que, em média, 36,95 pessoas trapaceassem; os participantes do grupo pequeno disseram 4,55. Isso se traduz em uma porcentagem maior de trapaça esperada no grupo pequeno (45,55%) do que no grupo grande (36,95%).

As autoras do estudo suspeitam que isso esteja relacionado a uma falácia comum chamada viés de razão. Estudos indicaram que se escolheria a possibilidade de sete em 100 de ganhar sobre uma jogada de um em dez de ganhar, mesmo que as chances fossem piores. O motivo disso é que nossos cérebros falíveis se concentram no numerador e pensam, essencialmente, "bom, sete é mais do que um, as probabilidades são melhores!" Da mesma forma, se a pessoa acredita que 37 das 100 pessoas em seu grupo trapacearão, isso faz com que a mentira pareça mais prevalente do que se acreditar que cinco das dez pessoas trapacearão — mesmo que essa percepção não seja precisa.

Em outras palavras, nossa crença coletiva, mesmo que errônea, de que outras pessoas são mais propensas a trapacear em grupos grandes se torna uma profecia que se cumpriu, incentivando indiretamente mais pessoas a trapacear quando fazem parte desses grupos grandes.

Maior não é melhor

Como é possível evitar os perigos morais de grandes grupos? Talvez mantendo a competição pequena. Ao minimizar o número de outros concorrentes numa determinada tarefa, os líderes podem diminuir as expectativas dos funcionários de enfrentar inúmeros trapaceiros e, consequentemente, reduzir as chances de que eles mesmos usarão da trapaça, Kouchaki e suas coautoras sugerem.

Mais importante do que isso é ser explícito sobre o desempenho esperado dos funcionários.

Comunicar suas expectativas de desempenho de forma honesta, precisa e transparente reduzirá as expectativas dos funcionários de que outros enganarão. Isso pode ajudar, mesmo que o tamanho do grupo de competição não possa ser reduzido, já que você estará diminuindo as expectativas dos funcionários de que os outros trapacearão.

E, por fim, não suponha que as pessoas saibam que a traição é inaceitável. Quando as pessoas em grupos grandes de competição esperam que mais pessoas trapaceiem para ganhar, tendem a acreditar que trapacear é mais aceitável e acabam trapaceando com maior frequência elas mesmas. Os líderes podem contrariar essas percepções enfatizando claramente quais comportamentos de desempenho são tolerados e quais não são.

E, claro, não há substituto para a promoção de uma cultura ética.

Para Kouchaki, uma das sérias lições desta pesquisa é a facilidade com que justificamos o comportamento antiético. Algo tão simples como o tamanho do grupo de referência pode fazer a diferença entre trapacear e dizer a verdade. Assim, resumindo em uma advertência: deixados sem controle, diz ela, “esses pequenos processos psicológicos podem criar um caminho para uma cultura realmente corrupta”.

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