Relações amistosas
O aumento de sindicatos no país torna os acordos mais maduros e exige do RH mais jogo de cintura nas negociações
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2014 às 11h53.
São Paulo - Nos últimos dez anos, foram criados no Brasil nada menos do que 250 sindicatos por ano. Isso significa que, de 2005 para cá, 2.250 novos sindicatos surgiram no país. A multiplicação da maior entidade representante dos trabalhadores traz efeitos significativos para as companhias. O mais importante deles é que as negociações têm se tornado mais maduras e eficientes.
A disputa acirrada pelos melhores quadros profissionais faz com que as duas partes envolvidas nas transações trabalhistas se afinem para atender às novas reivindicações coletivas. Como consequência imediata, o número de processos de dissídios julgados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) está despencando.
Segundo dados da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, em 2011, 1.043 processos foram levados a julgamento e 864 tiveram resolução. Em 2013, apenas 290 processos foram levados aos tribunais e 369 julgados (visto que havia alguns processos remanescentes de 2012).
“Não tem como negar que a relação das empresas com os sindicatos, depois de anos de exercício da ligação capital e trabalho apenas, está mais evoluída”, diz Pascoal Muniz, diretor da Mariaca Consultoria.
Por outro lado, à medida que aumenta o número de representantes, aumenta também o número de dissidentes, grupos que buscam outro objetivo nas transações que não seja defender o interesse do trabalhador. “Há principalmente questões de interesses externos envolvidos nas negociações sindicais, provenientes de partes com objetivos que não necessariamente beneficiem a todos, mas apenas a um grupo”, afirma Osvaldo Kamel, especialista em negociações sindicais e sócio-diretor da Kamel & Consultores Associados.
Joio x trigo
Segundo os especialistas, algumas dessas inúmeras entidades foram criadas apenas para arrecadar a contribuição obrigatória. Afinal, o dinheiro envolvido no processo não é pouco: cerca de 2,5 bilhões de reais. O primeiro cuidado que a empresa deve ter, portanto, é identificar esses grupos e, uma vez encontrados, lidar com eles. Não é uma tarefa simples.
“Na maioria das vezes, somente é possível identificar esses grupos em época de disputa sindical, ocasião em que os objetivos políticos ficam mais aparentes e, em casos mais graves, quando o grupo surge à frente da paralisação”, diz Luciana Gonzalez dos Santos, gestora da área de direito do trabalho e negociação sindical do escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados.
Uma forma de se prevenir contra o ataque de dissidentes é investir na comunicação interna. “Se considerarmos que o sindicato se comunica com os funcionários via folhetim próprio e é por ele que todos ficam sabendo dos status das conversas, é interessante para a companhia também atribuir um peso à sua comunicação para atingir o mesmo objetivo, fazendo com que o empregado fique sabendo por ela como andam as relações e os acordos sindicais”, diz Kamel.
A comunicação intensa, transparente e contínua tanto com os funcionários quanto com o sindicato é o caminho mais fácil para que se estabeleçam acordos eficientes. Só com muito diálogo, a tradicional relação ganha-perde será substituída pela relação ganha-ganha.
Não é possível mais ter uma ou duas grandes conversas no ano, apenas em momentos de negociação. Esse é só o fim do processo. O trabalho deve ser feito durante o ano todo, adotando ações que mudam o cenário antes de as negociações serem feitas.
“Nós trabalhamos de forma proativa para solucionar eventuais conflitos, negociações ou renegociações de acordos que possam refletir benefícios para ambas as partes”, diz Simone Hindrikson, gerente de relações trabalhistas e sindicais do Grupo Avenida, uma das maiores redes varejistas do país, presente em 13 estados, com mais de 100 lojas.
A expansão acelerada do grupo para localidades diferentes forçou a aproximação com o sindicato, provocando um amadurecimento na relação. O resultado foi positivo para os dois lados. “Apenas com essa mudança na comunicação e com a negociação ativa, a compreensão de normativas, benefícios possíveis, obrigatórios e indicados fica mais facilitada”, afirma Simone.
“Agora, temos uma leitura mais ampla do mercado, o que facilita na hora de fidelizar e estimular o funcionário.” Segundo Olavo Dourado Boa Sorte Filho, presidente do Sindicato dos Empregados do Comércio de Cuiabá, onde está a sede do Grupo Avenida, os constantes diálogos fortaleceram não somente a ligação entre sindicato e empresa mas também a relação entre empregado e empregador.
“O Grupo Avenida, por exemplo, sempre que precisa elaborar um banco de horas ou a participação nos lucros, busca a melhoria e a satisfação de todas as partes”, diz ele. O conflito de interesses continua latente, é claro, mas essa não é uma questão para paralisações e reivindicações.
“As discussões e os olhares diferentes são fundamentais, pois por meio deles validamos nossa ação ou mesmo as lapidamos para acordos melhores”, diz Simone. “Quando falamos de uma empresa como a nossa, com presença em várias cidades, deparamos não somente com pontos de vista diversos como também com necessidades regionais que denotam uma pluralidade grande de acordos.”
A postura do RH
Além de ter disposição e de achar tempo para o diálogo, as empresas precisam capacitar melhor seus profissionais para conduzir de forma apropriada as negociações sindicais, já que os acordos afetam diretamente o clima organizacional e sua própria viabilidade econômica. Em alguns casos, isso significa mudar o perfil do profissional de RH que está à frente dessas conversas.
“Com o aumento das negociações, as empresas entenderam que precisam de profissionais competentes e que saibam negociar com o sindicato”, diz Nelson Mannrich, sócio do escritório Mannrich, Senra e Vasconcelos, professor titular de direito do trabalho da USP e presidente honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho.
O profissional de relações trabalhistas responsável por essa atividade precisa de maior desenvoltura e profundo conhecimento da legislação para melhor contribuir em uma negociação, além de poder reivindicar os direitos da empresa em um impasse trabalhista. “Ele deve, também, ter conhecimento dos setores e dos cenários econômicos para desenvolver um bom trabalho”, avalia Muniz, da Mariaca.
Por isso, a negociação deve ser estruturada e abordada como uma questão vital dentro da organização e nunca jogada para escanteio. “O RH sozinho, estanque ou encastelado dentro da companhia, pouco conseguirá contribuir para a melhora das transações”, afirma Lúcia Almendra, professora de gestão de recursos humanos do curso de administração da Faculdade Arnaldo, de Belo Horizonte.
Ter uma conversa transparente com o funcionário também deve fazer parte da estratégia. Isso fará com que ele se enxergue como peça importante da empresa. “Os programas de participação nos resultados, desenhados junto com o sindicato, têm evoluído na definição de indicadores para que todos os lados tenham benefícios nas negociações”, afirma Muniz.
E essas iniciativas têm como objetivo aumentar o nível de comprometimento dos trabalhadores com o empregador, outro ponto importante para que a boa relação se perpetue. “A melhor forma de negociação é aquela que resolve o conflito e em que todos adquirem um comprometimento para o futuro”, conclui Paulo Sergio João, advogado e professor da PUC de São Paulo e da Faculdade Getulio Vargas.