Por que este slogan do governo Temer deu errado? Professor explica
"O Brasil voltou, 20 anos em 2." Diogo Arrais, professor de língua portuguesa, explica por que foi uma escolha lexical infeliz
Da Redação
Publicado em 22 de maio de 2018 às 15h04.
Última atualização em 22 de maio de 2018 às 15h51.
Um lema ordinário, produzido pela assessoria do Governo Temer , espalhou-se na semana passada: "O Brasil voltou, 20 anos em 2."
À visão dos críticos sobre Política, a frase dúbia reflete quão falha vem sendo a comunicação presidencial.
Sem as revisões semântica (sobre o sentido) e gramatical, uma sentença solta nem sempre revelará a intenção comunicativa. O verbo "voltar" pode referir-se a "ressurgir" ou "reaparecer", mas nessa específica situação expõe mais o sentido de "retroceder". Foi uma escolha lexical infeliz.
Na escrita, a vírgula daquela forma tem o mesmo papel de dois-pontos ou do próprio travessão. Na fala, na pronúncia, está ali o grande problema: "regressar 20 anos em 2" interrompe a intenção do governo, gerando a ambiguidade, a dupla compreensão (algo jamais bem-vindo neste momento de tanta turbulência no cenário brasileiro).
Quando questionei, em uma mídia social, sobre o porquê de determinados assessores, um defensor de Temer cravou a seguinte redação:
"Assessoria para o quê? Assessoria para a comunicação política, oras!"
Nos tempos do Novo Acordo Ortográfico (com a retirada do acento gráfico diferencial em "para"), não me pude conter, retruquei e apontei uma dubiedade:
Essa assessoria temerária sim: para, trava, interrompe, não vai além.
Ironia à parte, a intenção do defensor foi usar "para" como elemento prepositivo, a fim de indicar a finalidade.
Um "para" já estampou uma placa terrível na cidade de São Paulo:
"Mais uma obra PARA o trânsito."
Por esses e outros motivos, diversos estudiosos de nossa Língua Portuguesa defendem o retorno do diferencial em "PARA (preposição) e PÁRA (verbo)", com o intuito da extinção de possíveis dubiedades ou compreensão indevidas.
As revisões semântica e gramatical devem ser um exercício diário: ler em voz alta; refletir sobre a seleção de palavras; revisar a norma antes da divulgação; reescrever, se houver necessidade.
Conclusão: a transmissão de mensagem com descuido tem como consequência a recepção com o mesmo descuido.
Um grande abraço, até a próxima e inscreva-se no meu canal!
Diogo Arrais
@diogoarrais
YouTube: MesmaLíngua
Professor de Língua Portuguesa
Autor Gramatical pela Editora Saraiva