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Por que ainda é tão difícil ver mulheres conquistando o mundo da tecnologia?

Mulheres chegam a ganhar 78% do salário pago a homens nos Estados Unidos e ainda não conseguem preencher metade do quadro de funcionários nas gigantes de tecnologia

The IT Crowd (IT Crowd/ Divulgação/ Channel 4 / Hal Shinnie)
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Da Redação

Publicado em 9 de abril de 2015 às 11h22.

Aos 17 anos, ingressei no curso de uma instituição federal para estudar programação e desenvolvimento de sistemas. Na época, o que me conectou ao mundo da tecnologia foi meu interesse em plataformas de publicação, pois durante a adolescência meu objetivo era criar o melhor blog possível.

Ao final do técnico de dois anos, acabei optando por outra carreira, assim como minhas colegas. Algumas delas desistiram ao longo do curso, por diversos motivos. E é certo falar que a maioria em sala de aula e que atualmente trabalha na área é de homens.

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Nesta semana, ao ler sobre uma nova pesquisa do Glassdoor, um dos maiores sites de empregos nos EUA, lembranças daquele tempo do curso me voltaram à mente. O relatório revelava a diferença de salários entre homens e mulheres na área de tecnologia.

Trata-se de um gráfico comparativo com remunerações, cargos e níveis de experiência de homens e mulheres em 25 empresas desse setor. Para se ter uma ideia, em algumas posições homens chegam a receber em média 6 mil dólares a mais que uma mulher, mesmo que ambos tenham o mesmo tempo de experiência.

Não sou uma dessas mulheres do gráfico, mas poderia ter sido, assim como as outras meninas com quem estudei. E por que todas nós deveríamos ganhar menos que nossos colegas homens? Afinal, aprendemos o mesmo conteúdo, fizemos estágio e concluímos nossos projetos de TCC.

Esse assunto tem ganhado cada vez mais repercussão. Há um mês, o Valor Econômico divulgou uma pesquisa que aponta o aumento da desigualdade salarial entre homens e mulheres. O Brasil caiu nove posições no Índice Global de Desigualdades de Gênero de 2014 - de 62º para 71º.

Os postos de liderança também refletem essa realidade, e uma pesquisa realizada pela Ernst & Young mostra que as mulheres ocupam apenas 4% das posições de chefia em TI no mundo todo.

Neste ano, as gigantes de tecnologia Google, Facebook e Apple divulgaram seus relatórios de diversidade. E como era de se esperar, eles não mostram... Diversidade.

Na empresa da maçã, mulheres e outras minorias ainda têm um papel mínimo dentro do quadro de funcionários, dominado por 70% de homens - porcentagem idêntica à do Google.

No primeiro relatório de diversidade divulgado pelo Facebook, os números não melhoram muito: 31% compõem o lado feminino da empresa.

MACHISMO GEEK
Olhando para todos esses dados, parei para observar como as mulheres têm pouca presença não apenas no universo da tecnologia, mas também no mundo geek.

Há alguns anos tive minha fase de vício em games online (bons tempos de Tibia ). E uma das coisas mais recorrentes era o assédio que as poucas meninas sofriam por estar naquele universo majoritariamente masculino.

Alguns duvidavam que eu fosse realmente a fornecedora de runas para os clãs da minha cidade - isso acontecia porque era comum meninos criarem perfis femininos para obter tratamento “diferenciado“.

Outros aproveitavam para pedir MSN, Orkut, e-mail, telefone, endereço ou fotos para mostrar para os amigos - um tipo de assédio que fazia parte do tal “tratamento diferenciado”, pois em troca ofereciam itens especiais ou dinheiro. Nessa época, lembro-me que pouquíssimas amigas minhas tinham interesse nesse tipo de game. Conheci apenas uma menina de fora da minha cidade enquanto jogava RPG online.

Nesse contexto, fica bem claro que não apenas nas empresas, mas em todas as áreas da tecnologia as mulheres continuam representando uma porcentagem bem pequena. Antes de tentar responder por que ainda é tão difícil para elas conquistarem essa área, é preciso pensar em alguns fatores que estão ligados diretamente ao incentivo que as meninas têm durante a infância.

Há alguns dias, a história de uma garotinha britânica de sete anos que fez uma loja da Tesco se retratar por ter indicado que um brinquedo de super herói era “para garotos” bombou na internet. A foto da criança claramente desapontada com o anúncio da loja teve mais de 10 mil compartilhamentos no Twitter, sob o seguinte depoimento no perfil de sua mãe: "Minha amável filha super-heroína de sete anos de idade não gostou quando flagrou esta propaganda na Tesco hoje."

O aviso da loja britânica apenas levou em consideração um estereótipo há muito tempo difundido sobre o público infantil feminino: garotas brincam com bonecas, cozinhas de plástico e fazem ballet.

Fomos muito mais condicionadas a pensar que futebol, carros e tecnologia não são coisa de mulher. E quem gostaria de seguir uma carreira em determinada área sem ter nenhuma referência sobre o assunto? Por que pensar que meninas não podem preferir um boneco de Star Wars a uma princesa?

Esses estereótipos também aparecem em filmes, seriados e quadrinhos. Na sátira britânica The IT Crowd, que fala sobre a área de TI em uma empresa, uma mulher assume a chefia do departamento mal sabendo ligar um computador.

Em um livro sobre carreira, a própria Barbie teve seu potencial rebaixado. Na história, a engenheira da computação não sabe escrever código e precisa da ajuda de dois colegas homens para terminar um jogo. O caso revoltou muitos leitores, que consideraram o conteúdo extremamente machista.

É justificável, com base nas situações citadas acima, que algumas mulheres se sintam desmotivadas em alavancar uma carreira na tecnologia.

Em entrevista a INFO, Elisabete Waller, sócia de consultoria em TI da Ernst & Young, cita outra barreira que impede muitas mulheres de alcançar posições de liderança: a "dupla profissão" para aquelas que também são donas de casa. "Para ocupar um alto cargo de TI é preciso dedicar entre 12 e 14 horas de seu dia ao trabalho, e muitas mulheres não conseguem fazer isso porque ainda existe uma convenção social que as obriga a ter uma jornada dupla, trabalhando no escritório e cuidando da casa e da família", diz.

CENÁRIO OTIMISTA
O fato de as grandes empresas de tecnologia começarem a divulgar relatórios de diversidade sobre suas equipes de trabalho demonstra que a preocupação com a inclusão social vai muito além de dar poder de consumo às minorias.

Reconhecendo que é preciso aumentar a presença desses profissionais no mundo da tecnologia, o Facebook passou a apoiar iniciativas que possibilitem o recrutamento diversificado de talentos, como programas e estratégias para aumentar o leque de candidatos desses grupos ainda não representativos no setor.

As parcerias com o Anita Borg Institute, o National Center for Women & Information Technology e a expansão da Facebook University (programa de estágio focado em calouros da graduação de grupos sub-representados que demonstram interesse na área) são algumas medidas que têm ajudado nesse sentido.

O Google também se comprometeu a inserir mais minorias no mercado de trabalho de TI, com iniciativas como o programa Women Techmakers, que nesse ano já custeou cursos de programação para capacitar mulheres que trabalham na área.

Para o gerente de TI e Telecom da consultoria de recrutamento Talenses, Henrique Gamba, conforme a sociedade passa a ter acesso à tecnologia com mais facilidade, as mulheres terão cada vez mais incentivo e espaço nesse mundo. "Hoje em dia a gente percebe que crianças e jovens têm mais estímulo e afinidade no uso da tecnologia desde muito cedo, algo que não acontecia na geração passada", afirma.

Líder de uma unidade de negócios em sua empresa, Regina Calil também acredita que a modernidade proporcionará cada vez mais espaço para as mulheres se desenvolverem profissionalmente. "Atualmente existe mais igualdade na criação dos homens e mulheres. Isso deve facilitar o ingresso da mulher na área de TI como também em outras áreas", diz Calil a INFO.

Diante disso, é preciso admitir: hoje há uma boa quantidade de referências femininas para que meninas passem a acreditar e se enxergar no mundo da tecnologia e da ciência.

Protagonistas femininas e inteligentes e super heroínas estão conquistando mais espaço no mundo dos games e do cinema, como Katniss Everdeen, da trilogia de sucesso Jogos Vorazes, ou Daenerys Targaryen, de Game of Thrones.

Na minha época, também pude contar com alguns episódios das Meninas Super Poderosas - um ótimo exemplo que critica o estereótipo da família tradicional - já que elas são criadas apenas pelo pai, que faz todos os serviços da casa - e de que meninas devem ser frágeis e meigas.

Não sei se em épocas diferentes minhas amigas e eu teríamos nos tornado geeks, programadoras e alavancado uma carreira de TI, e nem se nossos salários seriam equiparados aos dos homens que se formaram conosco.

Mas passamos por uma fase de transição. E ainda é preciso mostrar, com dados, e lutar contra essas diferenças salariais e o preconceito sobre a competência feminina no mercado de trabalho, seja na educação ou nos meios de comunicação. Pessoalmente, foi graças ao curso que fiz e a tudo o que aprendi que consegui esse espaço e explorar minhas duas paixões – jornalismo e tecnologia.

Veja também: 9 provas do abismo entre homens e mulheres no trabalho

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