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O novo talento do momento é o dos profissionais mais velhos

Por que sua empresa deve quebrar os preconceitos e desde já começar uma gestão capaz de explorar o potencial dos mais velhos

Florisval Pedroso, Consultor, 69 anos - Dos seus 55 anos trabalhados, 52 foram na Bunge, sempre. Há cerca de dois anos, ele teve de sair da empresa e, com a ajuda de uma consultoria, abriu seu próprio negócio. (Omar Paixão)
DR

Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2013 às 18h36.

Até 15 anos atrás, uma pessoa que tivesse passado dos 50 anos estaria muito mais próxima de encerrar suas atividades profissionais do que do ápice de sua carreira. Muito antes dos 50 anos, seu papel como protagonista corporativo já havia sido transferido para outra pessoa mais jovem e, no máximo, sua melhor atuação na empresa era desempenhar o papel de mentor da nova geração – essa sim considerada o futuro da nação.

Pois bem. Esse cenário mudou. O Brasil não é mais sinônimo de juventude. A parcela de crianças brasileiras com até 4 anos de idade caiu de 5% para 4% da população total de 2000 a 2010, enquanto o número de idosos subiu de 6% para 7% no mesmo período. E, em menos de dez anos, esse fenômeno será mais intenso. Depois da metade de 2020, o crescimento da população será puxado somente pelo aumento de pessoas com 65 anos de idade ou mais. De acordo com uma projeção mundial da consultoria de recrutamento Hays, o Brasil será o quarto país do globo em crescimento do número de idosos nos próximos 20 anos. Nesse período curto, veremos dobrar o número de velhos, o que na França demorou mais de um século para acontecer. Numa projeção um pouco mais longa, esse grupo que hoje representa apenas 11% dos brasileiros aptos a desenvolver uma atividade econômica corresponderá, em 2050, a 49% – trata-se de 65 milhões de idosos em plenas condições de trabalhar. Um número bastante significativo para você começar a redefinir o conceito de talento em sua organização. “Essa é uma mudança estrutural, um motivador muito forte para as empresas aproveitarem de forma inteligente todo o potencial do talento grisalho e repensarem sua estratégia de gestão de pessoas” diz João Lins, sócio da PricewaterhouseCoopers Brasil e líder de consultoria em gestão de recursos humanos.

Cenário cinza

Uma população mais velha exige mudanças em toda a sociedade, desde a seguridade social e assistência à saúde até o planejamento urbano, a educação e o mercado de trabalho. Nesse último, estudos indicam que a produtividade das companhias pode cair, porque a maior parte da força de trabalhadores estará além do seu pico de produção. E o custo da mão de obra também tende a ser maior, já que pelo costume atual os salários aumentam conforme a importância do cargo (e da idade). “Imagine uma sociedade na qual 30% da população tem mais de 55 anos e sente dificuldade para subir escada”, diz o professor Wilson Amorim, coordenador de pesquisas do programa de estudos em gestão de pessoas da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo. “E agora imagine, por exemplo, um banco com 90 000 funcionários no qual as pessoas entram para ficar: se 10% tiverem mais de 50 anos, serão 9 000 empregados com essa idade.” Boa parte deles, provavelmente, com dificuldade de subir escadas.

O exemplo é simples, mas ajuda a esclarecer por que o gestor de recursos humanos precisa repensar a forma de gerir pessoas daqui para a frente – desde as pequenas ações, como a instalação de rampas ou elevadores, até as mais estratégicas, como a elaboração do pacote de benefícios. Sim, porque uma coisa é pensar em benefícios para a população de 18 a 24 anos, que se satisfaz com bolsa de estudo, viagens e promoções. Mas qual benefício o RH deve oferecer para atrair um profissional de 55 anos? “Será que vale a pena já pensar em plano de saúde para os netos, por exemplo?”, pergunta Amorim. “As salas de videogame provavelmente serão desativadas.” E o que é carreira para alguém que já fez quase de tudo na vida?

Mesmo hoje, quando a porcentagem de idosos não chega a 15% da população em idade ativa, é frequente ver empregados com mais de 60 anos nas corporações. Muitos deles, se sentindo dispostos e saudáveis, decidem adiar a aposentadoria ou voltar à ativa depois de ter pendurado as chuteiras. Peter Cappelli, professor da Wharton School, relata em seu livro Managing the Older Worker (Ed. Perseus Book) que 84% das pessoas de 45 a 71 anos de idade gostariam de continuar trabalhando mesmo que estivessem bem financeiramente e 60% voltariam a trabalhar mesmo depois de se aposentar. Como as empresas estão se preparando para lidar com esse quadro?

A realidade é que não estão. Apenas 14% dos empresários entrevistados pelo Centro de Envelhecimento e Trabalho, do Boston College, acreditam que sua corporação está organizada para absorver o talento dos grisalhos. A maioria (40%) acredita que o envelhecimento da força de trabalho terá um impacto negativo nos negócios.

Não deveria ser assim. Numa época de aquecimento de mercado, os mais velhos podem ser uma boa alternativa para suprir a demanda de mão de obra qualificada. Uma pesquisa feita com 100 empresas que usam os serviços de recrutamento da Hays no Brasil revela que 20% delas já estão contratando aposentados. É pouco, considerando o montante de instituições que ainda obrigam os funcionários a se aposentar. Mas é um começo.

Para quem pretende seguir por esse caminho, veja nesta reportagem as recomendações de gestores de RH, professores, headhunters e consultores.

Atração

A maioria dos aposentados retorna ao mercado de trabalho por vontade própria. É o caso de Florisval Pedroso, de 69 anos. Formado em engenharia eletrônica, ele trabalhou por 52 anos na área de comércio exterior da Bunge, uma das maiores empresas de grãos do mundo. Há cerca de dois anos, a companhia redirecionou os negócios e ele teve de sair. Com ajuda de uma consultoria, percebeu que poderia seguir carreira como consultor. “Uso meu conhecimento e contatos para ajudar multinacionais que querem vender produtos no Brasil e também com os compradores no exterior”, diz Pedroso, que acabou de voltar de uma conferência no Catar. Lá fora, ele percebe uma maior valorização dos talentos da terceira idade, algo que “é só uma questão de tempo para acontecer no Brasil”, acredita.

De acordo com o consultor da Hays, André Magro, o fato de 20% das organizações recontratarem aposentados já indica uma tendência. “As companhias estão se preparando para mudar sua cultura, até chegar ao ponto de não vermos mais aposentados sendo recontratados, pois elas farão com que eles não saiam.” De fato, algumas empresas, como a Promon, não têm barreiras que a impeçam de contratar alguém com mais de 55 anos para começar a jornada de carreira na companhia – um de seus mais recentes contratados, por exemplo, chegou com 70 anos. E o Santander, que já emprega idosos desde 2005, vai aumentar a atração e a retenção desses talentos.

A experiência começou ainda no Banco Real, antes da compra pelo Santander, em 2007, quando a instituição percebeu que atendentes seniores passavam mais segurança e credibilidade aos clientes que buscavam o autoatendimento nas máquinas. Por isso, montou uma equipe de funcionários com pelo menos 65 anos. Na época, eram todos terceirizados, mas, ao entender que se tratava de um tipo de talento para aquele negócio, o banco contratou todos alguns anos depois. Hoje, dos 54 000 empregados do Santander, 14% têm acima de 45 anos – e 90 participantes do grupo inicial de velhinhos ainda trabalham lá.

Por entender que um ambiente de múltiplas gerações traz benefícios aos negócios (a média etária do banco é de 30 anos de idade), o Santander se prepara para expandir a atração e a retenção daqueles com cabelos brancos. “A gente vai conviver uns 20 anos a mais com os idosos, então queremos garantir um senso de utilidade para eles”, diz Ana Christina Buchaim, superintendente de recursos humanos, que tem estudado sobre o envelhecimento populacional para formar as novas práticas de gestão de pessoas do banco.

Na empresa de call center Contax, o RH percebeu por acaso que os aposentados poderiam ser uma boa oportunidade para preencher parte das 5 000 vagas mensais que são abertas. Tradicionalmente, são os jovens em busca do primeiro emprego que se inscrevem para trabalhar nas companhias de call center. Mas, nos últimos processos seletivos, a equipe de recursos humanos passou a notar a presença de um público com idade avançada. Um dos exemplos é Iremar Mussuly, de 62 anos.

Formada em Direito, ela sempre trabalhou em grandes empresas, chegou a ter escritório de advocacia e até participou de um projeto no INSS. Depois de cinco anos aposentada, decidiu voltar ao trabalho. “Minha vida estava muito monótona”, diz. Ela voltou como atendente de call center, área em que uma das filhas havia trabalhado. Nesses quatros anos que se passaram desde que foi contratada, Iremar foi promovida duas vezes e hoje é supervisora de uma equipe de 22 jovens entre 18 e 22 anos. Quanto tempo mais ela pretende ficar na companhia? “Enquanto a minha cabeça permitir”, afirma. “Se eu não me olhar no espelho, eu não sei quantos anos eu tenho, pois me sinto com a mesma disposição de alguém com 18 anos.”

Hoje, dos mais de 80 000 empregados da Contax, apenas 450 têm acima de 50 anos: 337 são mulheres, 80% estão no atendimento, recebendo ou fazendo ligações para clientes, e 20% estão em cargos de supervisão ou gestão. Percebendo o potencial ainda inexplorado, a organização decidiu investir nesse público.

Nos folhetos institucionais da companhia, imagens de gente jovem passaram a dividir espaço com as de velhinhos. “Isso aumentou a atração dos mais velhos, pois eles identificam que a empresa também é uma oportunidade para eles”, diz Flávio Lopes, diretor de recursos humanos da Contax. Há três meses, ele começou um projeto piloto em São Paulo para atrair candidatos em postos da Previdência do governo e em igrejas próximas aos escritórios da companhia. “Como as ações acontecem durante a semana, no meio da tarde quem geralmente está por ali é o pessoal aposentado.” Ainda não deu tempo de medir o resultado, mas se der certo a Contax irá expandir o projeto para outros locais.

Carreira

As companhias muitas vezes se veem obrigadas a estimular a saída dos profissionais mais velhos por constatar que sua permanência por muitos anos afasta os talentos mais jovens e dificulta a renovação dos quadros, como tem acontecido na Rhodia. “Temos ótimos executivos seniores que estão há muito tempo na empresa e isso acaba espantando os trainees, que olham para cima e veem os mais velhos ocupando as mesmas cadeiras há anos”, diz Osni Lima, presidente da subsidiária brasileira. Diante da falta de perspectivas, conta Lima, os trainees da Rhodia abandonam a corporação, em média, apenas cinco anos após serem admitidos. Agora, metade de seus executivos seniores vai se aposentar nos próximos sete a dez anos e não há substituto para a maioria deles.

A lacuna que vai se abrir na Rhodia já acontece em muitas empresas – mas pode ser evitada. Além de preparar a sucessão, há outra forma de promover um equilíbrio saudável de gerações, mantendo os funcionários mais experientes sem bloquear a ascensão dos mais jovens. “Quem já trabalhou a vida inteira quer se sentir útil, valorizado, e nem sempre isso está ligado ao nome do cargo”, diz André Magro, da Hays.

Essa é a estratégia da Promon Engenharia. Lá, a gestão de carreira funciona de uma forma que atende jovens e idosos. A companhia não estimula a aposentadoria, mas nem por isso permite que os grisalhos travem a carreira dos jovens. Dos 1 000 colaboradores, 61 têm de 60 a 69 anos, e dois já entraram na casa dos 70.

A organização divide a trajetória profissional dos funcionários em dois eixos. Um é o nível profissional (NP), que leva em conta aspectos como a experiência, o conhecimento e a formação. O outro diz respeito basicamente ao cargo ocupado.

Essa divisão permite que sejam selecionados jovens com menor NP para ocupar cargos e assumir projetos com dedicação integral. Os profissionais mais velhos, de maior NP, fazem o papel de consultor e atendem a demandas específicas. “Eles são liderados pelos mais jovens, mas, como têm um NP alto, são muito respeitados por todos, mesmo que não tenham um cargo de diretoria”, explica Marcia Fernandes Kopelman, diretora de relações humanas e comunicação.

Com isso, a Promon não prende a carreira dos jovens, que crescem por projetos, e valoriza a experiência dos mais velhos. Luiza Carneiro, diretora de projetos, de 60 anos, diz que esse ambiente dá liberdade de trabalhar, expressar e propor as ideias. “Não é porque os jovens de hoje estão falando chinês que a empresa obriga os mais velhos a falar também, ou os descarta por não falarem”, diz a engenheira, com 31 anos de casa. “Os idosos têm seus valores, e os jovens têm outros valores. O respeito aos valores de cada geração dá um bom resultado.”

Mesmo com essa política, a Promon ainda se preocupa em oxigenar seus quadros. Por isso, ao mesmo tempo que não tem preconceito em contratar pessoas mais velhas, abre vagas para estagiários todos os anos.

Saúde e benefícios

Ter mais idosos na folha de pagamento significa para muitos gestores de pessoas mais gastos com o plano de saúde, além da dificuldade de encontrar seguradoras que aceitem incluir em sua apólice um funcionário com 68 anos. “E esse colaborador sai muito mais caro se a corporação o trouxer de volta com um cargo técnico de alta especialização e com base no salário que ele tinha antes”, avisa Ricardo Augusto Lobão, consultor sênior de benefícios da Towers Watson.

Uma forma de reduzir os custos com a saúde é fazer programas preventivos desde já para garantir talentos saudáveis lá na frente. O consultor recomenda que as organizações comecem desde cedo a estimular seus funcionários a melhorar os hábitos de vida. “Se eu cuidar da saúde das pessoas da minha empresa e você cuidar da saúde das pessoas da sua empresa, nós teremos uma população envelhecida mais saudável”, diz.

Com esses programas preventivos e acompanhando de perto os indicadores de saúde dos funcionários, Marcia, da Promon, garante que dá para manter o custo da saúde da idade dentro dos padrões de competividade. Além disso, Flávio Lopes, diretor de RH da Contax, lembra que os jovens podem ter despesas de saúde que os idosos não têm mais. Como na Contax grande parte dos mais de 80 000 funcionários está na faixa dos 25 anos, e a maioria é mulher, os gastos com pré-natal e parto são altos. Peter Cappelli,da Wharton School,também destaca o fato de os mais velhos não terem mais seus filhos como dependentes dos planos de saúde, o que compensaria – sim – o custo da idade.

Produtividade

Se você ainda não se convenceu de que os velhinhos deveriam ser encarados como os novos talentos de sua empresa, aqui vai um último e ótimo argumento. Recentes descobertas da neurociência comprovam que o cérebro depois da meia-idade desenvolve novas e importantes habilidades.

Uma delas, um estudo realizado pela pesquisadora alemã Janina Bouyke, prova que, após os 60 anos, alguns neurônios morrem, mas outros ficam melhores conforme a pessoa aprende – aperfeiçoando as funções cerebrais. Outro estudo prova que, na meia-idade, os dois hemisférios do cérebro se comunicam melhor, permitindo aos idosos enxergar claramente todos os ângulos da situação ou do problema. Um economista do Federal Reserve Bank de Chicago, Sumit Agarwal, constatou que os mais velhos tomam decisões financeiras mais assertivas do que os jovens. Além disso, se conhecem melhor, são menos afetados por situações negativas e têm estabilidade emocional. “Para o mundo dos negócios, significa um aumento da capacidade de identificar padrões e fazer diagnósticos com perspectiva sistêmica”, afirma João Lins, da PricewaterhouseCoopers. Ou seja, um ganho e tanto para sua empresa.

Flávio Lopes, da Contax, percebeu que os profissionais mais experientes refletem bem as competências desejadas pela empresa. Têm equilíbro emocional e flexibilidade para compreender o problema do cliente, sabem lidar com o time de forma madura e estruturada e entendem que estão prestando um serviço, não apenas atendendo o telefone. “Eles ficam três vezes mais tempo do que os jovens na companhia, um indicador de bom desempenho dentro de casa”, diz o executivo.

O Santander também percebeu que na sua central de atendimento ao cliente do Rio de Janeiro, onde a média de idade é maior do que em São Paulo, os indicadores de desempenho são melhores. Como diz Ana Christina Buchaim: “O bom profissional performa bem em qualquer idade. Não dá para abrir mão do conhecimento das pessoas experientes”. Se sua empresa ainda está fazendo a gestão com foco na Geração Y, é bom pensar nisso.

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Até 15 anos atrás, uma pessoa que tivesse passado dos 50 anos estaria muito mais próxima de encerrar suas atividades profissionais do que do ápice de sua carreira. Muito antes dos 50 anos, seu papel como protagonista corporativo já havia sido transferido para outra pessoa mais jovem e, no máximo, sua melhor atuação na empresa era desempenhar o papel de mentor da nova geração – essa sim considerada o futuro da nação.

Pois bem. Esse cenário mudou. O Brasil não é mais sinônimo de juventude. A parcela de crianças brasileiras com até 4 anos de idade caiu de 5% para 4% da população total de 2000 a 2010, enquanto o número de idosos subiu de 6% para 7% no mesmo período. E, em menos de dez anos, esse fenômeno será mais intenso. Depois da metade de 2020, o crescimento da população será puxado somente pelo aumento de pessoas com 65 anos de idade ou mais. De acordo com uma projeção mundial da consultoria de recrutamento Hays, o Brasil será o quarto país do globo em crescimento do número de idosos nos próximos 20 anos. Nesse período curto, veremos dobrar o número de velhos, o que na França demorou mais de um século para acontecer. Numa projeção um pouco mais longa, esse grupo que hoje representa apenas 11% dos brasileiros aptos a desenvolver uma atividade econômica corresponderá, em 2050, a 49% – trata-se de 65 milhões de idosos em plenas condições de trabalhar. Um número bastante significativo para você começar a redefinir o conceito de talento em sua organização. “Essa é uma mudança estrutural, um motivador muito forte para as empresas aproveitarem de forma inteligente todo o potencial do talento grisalho e repensarem sua estratégia de gestão de pessoas” diz João Lins, sócio da PricewaterhouseCoopers Brasil e líder de consultoria em gestão de recursos humanos.

Cenário cinza

Uma população mais velha exige mudanças em toda a sociedade, desde a seguridade social e assistência à saúde até o planejamento urbano, a educação e o mercado de trabalho. Nesse último, estudos indicam que a produtividade das companhias pode cair, porque a maior parte da força de trabalhadores estará além do seu pico de produção. E o custo da mão de obra também tende a ser maior, já que pelo costume atual os salários aumentam conforme a importância do cargo (e da idade). “Imagine uma sociedade na qual 30% da população tem mais de 55 anos e sente dificuldade para subir escada”, diz o professor Wilson Amorim, coordenador de pesquisas do programa de estudos em gestão de pessoas da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo. “E agora imagine, por exemplo, um banco com 90 000 funcionários no qual as pessoas entram para ficar: se 10% tiverem mais de 50 anos, serão 9 000 empregados com essa idade.” Boa parte deles, provavelmente, com dificuldade de subir escadas.

O exemplo é simples, mas ajuda a esclarecer por que o gestor de recursos humanos precisa repensar a forma de gerir pessoas daqui para a frente – desde as pequenas ações, como a instalação de rampas ou elevadores, até as mais estratégicas, como a elaboração do pacote de benefícios. Sim, porque uma coisa é pensar em benefícios para a população de 18 a 24 anos, que se satisfaz com bolsa de estudo, viagens e promoções. Mas qual benefício o RH deve oferecer para atrair um profissional de 55 anos? “Será que vale a pena já pensar em plano de saúde para os netos, por exemplo?”, pergunta Amorim. “As salas de videogame provavelmente serão desativadas.” E o que é carreira para alguém que já fez quase de tudo na vida?

Mesmo hoje, quando a porcentagem de idosos não chega a 15% da população em idade ativa, é frequente ver empregados com mais de 60 anos nas corporações. Muitos deles, se sentindo dispostos e saudáveis, decidem adiar a aposentadoria ou voltar à ativa depois de ter pendurado as chuteiras. Peter Cappelli, professor da Wharton School, relata em seu livro Managing the Older Worker (Ed. Perseus Book) que 84% das pessoas de 45 a 71 anos de idade gostariam de continuar trabalhando mesmo que estivessem bem financeiramente e 60% voltariam a trabalhar mesmo depois de se aposentar. Como as empresas estão se preparando para lidar com esse quadro?

A realidade é que não estão. Apenas 14% dos empresários entrevistados pelo Centro de Envelhecimento e Trabalho, do Boston College, acreditam que sua corporação está organizada para absorver o talento dos grisalhos. A maioria (40%) acredita que o envelhecimento da força de trabalho terá um impacto negativo nos negócios.

Não deveria ser assim. Numa época de aquecimento de mercado, os mais velhos podem ser uma boa alternativa para suprir a demanda de mão de obra qualificada. Uma pesquisa feita com 100 empresas que usam os serviços de recrutamento da Hays no Brasil revela que 20% delas já estão contratando aposentados. É pouco, considerando o montante de instituições que ainda obrigam os funcionários a se aposentar. Mas é um começo.

Para quem pretende seguir por esse caminho, veja nesta reportagem as recomendações de gestores de RH, professores, headhunters e consultores.

Atração

A maioria dos aposentados retorna ao mercado de trabalho por vontade própria. É o caso de Florisval Pedroso, de 69 anos. Formado em engenharia eletrônica, ele trabalhou por 52 anos na área de comércio exterior da Bunge, uma das maiores empresas de grãos do mundo. Há cerca de dois anos, a companhia redirecionou os negócios e ele teve de sair. Com ajuda de uma consultoria, percebeu que poderia seguir carreira como consultor. “Uso meu conhecimento e contatos para ajudar multinacionais que querem vender produtos no Brasil e também com os compradores no exterior”, diz Pedroso, que acabou de voltar de uma conferência no Catar. Lá fora, ele percebe uma maior valorização dos talentos da terceira idade, algo que “é só uma questão de tempo para acontecer no Brasil”, acredita.

De acordo com o consultor da Hays, André Magro, o fato de 20% das organizações recontratarem aposentados já indica uma tendência. “As companhias estão se preparando para mudar sua cultura, até chegar ao ponto de não vermos mais aposentados sendo recontratados, pois elas farão com que eles não saiam.” De fato, algumas empresas, como a Promon, não têm barreiras que a impeçam de contratar alguém com mais de 55 anos para começar a jornada de carreira na companhia – um de seus mais recentes contratados, por exemplo, chegou com 70 anos. E o Santander, que já emprega idosos desde 2005, vai aumentar a atração e a retenção desses talentos.

A experiência começou ainda no Banco Real, antes da compra pelo Santander, em 2007, quando a instituição percebeu que atendentes seniores passavam mais segurança e credibilidade aos clientes que buscavam o autoatendimento nas máquinas. Por isso, montou uma equipe de funcionários com pelo menos 65 anos. Na época, eram todos terceirizados, mas, ao entender que se tratava de um tipo de talento para aquele negócio, o banco contratou todos alguns anos depois. Hoje, dos 54 000 empregados do Santander, 14% têm acima de 45 anos – e 90 participantes do grupo inicial de velhinhos ainda trabalham lá.

Por entender que um ambiente de múltiplas gerações traz benefícios aos negócios (a média etária do banco é de 30 anos de idade), o Santander se prepara para expandir a atração e a retenção daqueles com cabelos brancos. “A gente vai conviver uns 20 anos a mais com os idosos, então queremos garantir um senso de utilidade para eles”, diz Ana Christina Buchaim, superintendente de recursos humanos, que tem estudado sobre o envelhecimento populacional para formar as novas práticas de gestão de pessoas do banco.

Na empresa de call center Contax, o RH percebeu por acaso que os aposentados poderiam ser uma boa oportunidade para preencher parte das 5 000 vagas mensais que são abertas. Tradicionalmente, são os jovens em busca do primeiro emprego que se inscrevem para trabalhar nas companhias de call center. Mas, nos últimos processos seletivos, a equipe de recursos humanos passou a notar a presença de um público com idade avançada. Um dos exemplos é Iremar Mussuly, de 62 anos.

Formada em Direito, ela sempre trabalhou em grandes empresas, chegou a ter escritório de advocacia e até participou de um projeto no INSS. Depois de cinco anos aposentada, decidiu voltar ao trabalho. “Minha vida estava muito monótona”, diz. Ela voltou como atendente de call center, área em que uma das filhas havia trabalhado. Nesses quatros anos que se passaram desde que foi contratada, Iremar foi promovida duas vezes e hoje é supervisora de uma equipe de 22 jovens entre 18 e 22 anos. Quanto tempo mais ela pretende ficar na companhia? “Enquanto a minha cabeça permitir”, afirma. “Se eu não me olhar no espelho, eu não sei quantos anos eu tenho, pois me sinto com a mesma disposição de alguém com 18 anos.”

Hoje, dos mais de 80 000 empregados da Contax, apenas 450 têm acima de 50 anos: 337 são mulheres, 80% estão no atendimento, recebendo ou fazendo ligações para clientes, e 20% estão em cargos de supervisão ou gestão. Percebendo o potencial ainda inexplorado, a organização decidiu investir nesse público.

Nos folhetos institucionais da companhia, imagens de gente jovem passaram a dividir espaço com as de velhinhos. “Isso aumentou a atração dos mais velhos, pois eles identificam que a empresa também é uma oportunidade para eles”, diz Flávio Lopes, diretor de recursos humanos da Contax. Há três meses, ele começou um projeto piloto em São Paulo para atrair candidatos em postos da Previdência do governo e em igrejas próximas aos escritórios da companhia. “Como as ações acontecem durante a semana, no meio da tarde quem geralmente está por ali é o pessoal aposentado.” Ainda não deu tempo de medir o resultado, mas se der certo a Contax irá expandir o projeto para outros locais.

Carreira

As companhias muitas vezes se veem obrigadas a estimular a saída dos profissionais mais velhos por constatar que sua permanência por muitos anos afasta os talentos mais jovens e dificulta a renovação dos quadros, como tem acontecido na Rhodia. “Temos ótimos executivos seniores que estão há muito tempo na empresa e isso acaba espantando os trainees, que olham para cima e veem os mais velhos ocupando as mesmas cadeiras há anos”, diz Osni Lima, presidente da subsidiária brasileira. Diante da falta de perspectivas, conta Lima, os trainees da Rhodia abandonam a corporação, em média, apenas cinco anos após serem admitidos. Agora, metade de seus executivos seniores vai se aposentar nos próximos sete a dez anos e não há substituto para a maioria deles.

A lacuna que vai se abrir na Rhodia já acontece em muitas empresas – mas pode ser evitada. Além de preparar a sucessão, há outra forma de promover um equilíbrio saudável de gerações, mantendo os funcionários mais experientes sem bloquear a ascensão dos mais jovens. “Quem já trabalhou a vida inteira quer se sentir útil, valorizado, e nem sempre isso está ligado ao nome do cargo”, diz André Magro, da Hays.

Essa é a estratégia da Promon Engenharia. Lá, a gestão de carreira funciona de uma forma que atende jovens e idosos. A companhia não estimula a aposentadoria, mas nem por isso permite que os grisalhos travem a carreira dos jovens. Dos 1 000 colaboradores, 61 têm de 60 a 69 anos, e dois já entraram na casa dos 70.

A organização divide a trajetória profissional dos funcionários em dois eixos. Um é o nível profissional (NP), que leva em conta aspectos como a experiência, o conhecimento e a formação. O outro diz respeito basicamente ao cargo ocupado.

Essa divisão permite que sejam selecionados jovens com menor NP para ocupar cargos e assumir projetos com dedicação integral. Os profissionais mais velhos, de maior NP, fazem o papel de consultor e atendem a demandas específicas. “Eles são liderados pelos mais jovens, mas, como têm um NP alto, são muito respeitados por todos, mesmo que não tenham um cargo de diretoria”, explica Marcia Fernandes Kopelman, diretora de relações humanas e comunicação.

Com isso, a Promon não prende a carreira dos jovens, que crescem por projetos, e valoriza a experiência dos mais velhos. Luiza Carneiro, diretora de projetos, de 60 anos, diz que esse ambiente dá liberdade de trabalhar, expressar e propor as ideias. “Não é porque os jovens de hoje estão falando chinês que a empresa obriga os mais velhos a falar também, ou os descarta por não falarem”, diz a engenheira, com 31 anos de casa. “Os idosos têm seus valores, e os jovens têm outros valores. O respeito aos valores de cada geração dá um bom resultado.”

Mesmo com essa política, a Promon ainda se preocupa em oxigenar seus quadros. Por isso, ao mesmo tempo que não tem preconceito em contratar pessoas mais velhas, abre vagas para estagiários todos os anos.

Saúde e benefícios

Ter mais idosos na folha de pagamento significa para muitos gestores de pessoas mais gastos com o plano de saúde, além da dificuldade de encontrar seguradoras que aceitem incluir em sua apólice um funcionário com 68 anos. “E esse colaborador sai muito mais caro se a corporação o trouxer de volta com um cargo técnico de alta especialização e com base no salário que ele tinha antes”, avisa Ricardo Augusto Lobão, consultor sênior de benefícios da Towers Watson.

Uma forma de reduzir os custos com a saúde é fazer programas preventivos desde já para garantir talentos saudáveis lá na frente. O consultor recomenda que as organizações comecem desde cedo a estimular seus funcionários a melhorar os hábitos de vida. “Se eu cuidar da saúde das pessoas da minha empresa e você cuidar da saúde das pessoas da sua empresa, nós teremos uma população envelhecida mais saudável”, diz.

Com esses programas preventivos e acompanhando de perto os indicadores de saúde dos funcionários, Marcia, da Promon, garante que dá para manter o custo da saúde da idade dentro dos padrões de competividade. Além disso, Flávio Lopes, diretor de RH da Contax, lembra que os jovens podem ter despesas de saúde que os idosos não têm mais. Como na Contax grande parte dos mais de 80 000 funcionários está na faixa dos 25 anos, e a maioria é mulher, os gastos com pré-natal e parto são altos. Peter Cappelli,da Wharton School,também destaca o fato de os mais velhos não terem mais seus filhos como dependentes dos planos de saúde, o que compensaria – sim – o custo da idade.

Produtividade

Se você ainda não se convenceu de que os velhinhos deveriam ser encarados como os novos talentos de sua empresa, aqui vai um último e ótimo argumento. Recentes descobertas da neurociência comprovam que o cérebro depois da meia-idade desenvolve novas e importantes habilidades.

Uma delas, um estudo realizado pela pesquisadora alemã Janina Bouyke, prova que, após os 60 anos, alguns neurônios morrem, mas outros ficam melhores conforme a pessoa aprende – aperfeiçoando as funções cerebrais. Outro estudo prova que, na meia-idade, os dois hemisférios do cérebro se comunicam melhor, permitindo aos idosos enxergar claramente todos os ângulos da situação ou do problema. Um economista do Federal Reserve Bank de Chicago, Sumit Agarwal, constatou que os mais velhos tomam decisões financeiras mais assertivas do que os jovens. Além disso, se conhecem melhor, são menos afetados por situações negativas e têm estabilidade emocional. “Para o mundo dos negócios, significa um aumento da capacidade de identificar padrões e fazer diagnósticos com perspectiva sistêmica”, afirma João Lins, da PricewaterhouseCoopers. Ou seja, um ganho e tanto para sua empresa.

Flávio Lopes, da Contax, percebeu que os profissionais mais experientes refletem bem as competências desejadas pela empresa. Têm equilíbro emocional e flexibilidade para compreender o problema do cliente, sabem lidar com o time de forma madura e estruturada e entendem que estão prestando um serviço, não apenas atendendo o telefone. “Eles ficam três vezes mais tempo do que os jovens na companhia, um indicador de bom desempenho dentro de casa”, diz o executivo.

O Santander também percebeu que na sua central de atendimento ao cliente do Rio de Janeiro, onde a média de idade é maior do que em São Paulo, os indicadores de desempenho são melhores. Como diz Ana Christina Buchaim: “O bom profissional performa bem em qualquer idade. Não dá para abrir mão do conhecimento das pessoas experientes”. Se sua empresa ainda está fazendo a gestão com foco na Geração Y, é bom pensar nisso.

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