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"O CEO não toma decisão nenhuma", diz presidente da Heinz

As lições de um dos mais proeminentes executivos brasileiros da atualidade, que em breve assumirá a nova Kraft Heinz Company

Bernardo Hees: "Na Heinz, eu pergunto ininterruptamente, sou um perguntador" (Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de abril de 2015 às 10h08.

Poucos dias antes de ser anunciada a fusão da Heinz com a Kraft Foods , Bernardo Hees pousava em São Paulo para uma breve temporada de negócios no Brasil. Na noite chuvosa e praticamente intransitável do dia 20 de março de 2015, uma sexta-feira, ele chegou com 30 minutos de antecedência à Ambev – dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, sócios-fundadores da 3G Capital – para um encontro com a comunidade de bolsistas da Fundação Estudar.

Cumprimentou os outros adiantados, um a um, e em seguida pediu licença para atender uma ligação dos Estados Unidos. Voltou no horário marcado para o bate-papo, 18h. Sentou-se numa cadeira posicionada no centro da sala - rodeada por estudantes, jovens no início da sua trajetória profissional, executivos e empreendedores - todos ansiosos para ouvir suas lições de carreira e os bastidores de suas experiências profissionais como um CEO brasileiro no exterior.

Não faço ideia do que vamos falar aqui hoje, começou, soltando uma sonora risada. Depois desse disclosure, podemos falar sobre o que vocês quiserem. Obviamente, não diria uma só palavra sobre a transação que seria anunciada três dias depois, formando a terceira maior companhia de alimentos e bebidas da América do Norte e a quinta maior do mundo. O acordo foi firmado em uma velocidade recorde - foram apenas dez semanas de negociação entre as companhias. E Bernardo foi o escolhido para comandar a nova Kraft Heinz Company.

Por outro lado, respondeu com serenidade e transparência a diversas perguntas sobre liderança, cultura empresarial, gente e gestão - extremamente relevantes e diretamente associadas a este momento tão importante para a Heinz e sua carreira em particular. O Na Prática esteve lá e traz com exclusividade os melhores momentos do bate-papo. Confira:

Cultura empresarial

Cultura e valores não são negociáveis: são o que são. Todos os erros que eu já cometi na minha trajetória profissional - que foram muitos - aconteceram sempre que eu fui contra a cultura do lugar onde estava. No caso da Heinz, a gente pode sumarizar a cultura em uma palavra: dono - ownership, em inglês. Também prezamos pelo trabalho duro, com ética, por fazer mais com menos. Esse é o único jeito de fazer as coisas? Óbvio que não. Não tem certo e errado - há companhias centenárias com culturas bem diferentes da nossa. Recomendo a todos que trabalhem em empresas que partilhem das suas crenças. Isso não quer dizer que você precisa concordar sempre com tudo, mas vai funcionar bem trabalhando ali.

Estratégia x Execução

Acho engraçado quando a gente recruta alguém que veio de um MBA, e a pessoa fala que quer trabalhar com estratégia. Eu fico me perguntando: o que significa isso? Na Heinz, a gente só acredita em estratégia na execução. Acreditamos que companhias bem executadas, mesmo sem estratégia, não quebram. Já companhias com boas estratégias, sem execução, quebram. O sucesso não está na estratégia, está na execução. Se você puder combinar as duas coisas, espetacular. Se tiver que escolher, escolha a execução. Você não vai errar. Companhias bem executadas vão achar seu caminho.

Como identificar um negócio bom Se o negócio tem um fundamento bom, ele tem músculo, flexibilidade e longo prazo. Também olho o poder da marca, como o produto gera valor, suas dinâmicas de competição e se tem potencial de melhoria e consolidação futura. Quando investimos na Heinz, a gente tinha muita vontade de ser mais um player importante no setor de bens de consumo e via que a companhia tinha o potencial de se consolidar no mercado ao longo do tempo.

O risco educado

Você não vai acertar sempre. Coisas vão dar certo, coisas vão dar errado. Mas você sempre pode melhorar suas decisões com disciplina e estudo. A gente erra, claro, mas com informação. Conhecemos bem nossos parâmetros e estamos sempre dentro deles. Quando a gente toma um risco, a gente sabe muito bem onde está pisando.

Gente boa

A gente faz um deal a cada alguns anos e, quando isso acontece, a tendência é mandar alguém do nosso time para o comando e levar outras quatro ou cinco pessoas que têm a nossa cultura e velocidade nos instrumentos como suporte. São pessoas de dentro que estão fazendo um bom trabalho na companhia e que estão com fome de fazer mais. Tivemos mais de 1 mil promoções internas na Heinz no ano passado. Mas também procuramos no mercado pessoas de fora que têm um conhecimento espetacular do negócio para ajudar enquanto a gente aprende. Se você une essas pessoas tem um time muito bom para começar.

Aprendizados como líder

É importante você entender o que não sabe, seus gaps. Parece óbvio, mas é um ótimo começo. Talvez tão importante quanto entender o que você sabe. Quando você entra numa companhia nova, leva um tempo para se aprender sobre o negócio. Nos primeiros dois anos, a gente faz as coisas dentro do bom senso e, enquanto aprende, se cerca de pessoas que sabem muito sobre o negócio. É preciso desenvolver sua capacidade de aprender e ouvir, além de humildade para reconhecer e colocar pessoas que sabem mais do que você nas posições chaves.

Como tomar as decisões certas como CEO

O CEO não toma decisão nenhuma. Se toma, tem alguma coisa errada. A função de um líder é fazer as perguntas certas. Na Heinz, eu pergunto ininterruptamente, sou um perguntador. Não sei o que tem que ser feito no mercado de sopa no Reino Unido, por exemplo, mas sei perguntar para o time exatamente o que eu preciso saber. É o time que tem as respostas.

No chão de fábrica

Como CEO da Heinz, fui até a maior fábrica de ketchup do mundo, localizada no norte de Ohio, para me certificar em operador. As pessoas ficaram um tanto surpresas, pois a última vez em que um CEO tinha pisado lá tinha sido 45 anos antes. Em quatro dias, aprendi como funciona o processo inteiro de produção, em todos os detalhes. Quando alguém me faz uma pergunta técnica, sei exatamente do que ele está falando.

Um CEO brasileiro no exterior

Nos EUA, o respeito vem com a performance. Quando assumi o Burger King ninguém me conhecia. Eu era novo na indústria e mais jovem do que sou hoje. Mas logo comecei a mostrar serviço e provar que tinha bom senso. Se você começa a falar coisa que não faz sentido, o cara te questiona, e não quer saber se você é CEO. Eles não ligam para o sotaque, nem para sua origem. O que eles querem é consistência e entrega. É uma sociedade muito pragmática.

Ser CEO no Brasil x ser CEO nos EUA

Os americanos logo te perguntam a regra do jogo. Quando você deixa claros quais são seus valores e crenças, o americano decide se quer jogar no seu time ou não. Você aprende a ser transparente com as pessoas. E, para isso, tem que saber exatamente o que você quer, qual é o plano de longo prazo do seu negócio. Uma vez que você acredita naquilo, seja consistente e comunique desde o dia primeiro.

Como identificar um talento

A primeira coisa que eu olho para identificar um talento é brilho no olho, vontade de fazer alguma coisa. Se você tiver que fazer o cara acordar de manhã, esquece. Todo o resto você ensina. É muito poderoso quando você coloca um objetivo para pessoas automotivadas. Também tento entender sua capacidade de simplificação e se tem espírito de dono.

Como reagir diante de um erro

Para qualquer erro que você cometa, busque corrigi-lo rapidamente e não repetir o mesmo tropeço. Não tenho problema com erros novos, mas repetir um erro é grave. Mostra que você não aprendeu nada.

O segredo para escrever as metas certas

Escrevo metas há 20 anos e todo ano eu melhoro. É um processo. Hoje, separo um fim de semana do meu ano só para ler todas as metas da companhia. Temos hoje 3.500 funcionários com metas individuais, e duas pessoas controlam todos os indicadores. A Heinz está engatinhando ainda - está muito melhor do que era, mas há um longo caminho pela frente. Ainda não está bom, mas vamos chegar lá.

Sonho grande

Meu sonho grande hoje é na Heinz. Esse é meu projeto de longo prazo, meu projeto de vida. Tem muita coisa pela frente, a gente só está começando.

Assista também ao bate-papo com Bernardo Hees:

https://youtube.com/watch?v=PQEoO1nAWIc

Este artigo foi originalmente publicado no Na Prática, portal de carreira da Fundação Estudar

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Poucos dias antes de ser anunciada a fusão da Heinz com a Kraft Foods , Bernardo Hees pousava em São Paulo para uma breve temporada de negócios no Brasil. Na noite chuvosa e praticamente intransitável do dia 20 de março de 2015, uma sexta-feira, ele chegou com 30 minutos de antecedência à Ambev – dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, sócios-fundadores da 3G Capital – para um encontro com a comunidade de bolsistas da Fundação Estudar.

Cumprimentou os outros adiantados, um a um, e em seguida pediu licença para atender uma ligação dos Estados Unidos. Voltou no horário marcado para o bate-papo, 18h. Sentou-se numa cadeira posicionada no centro da sala - rodeada por estudantes, jovens no início da sua trajetória profissional, executivos e empreendedores - todos ansiosos para ouvir suas lições de carreira e os bastidores de suas experiências profissionais como um CEO brasileiro no exterior.

Não faço ideia do que vamos falar aqui hoje, começou, soltando uma sonora risada. Depois desse disclosure, podemos falar sobre o que vocês quiserem. Obviamente, não diria uma só palavra sobre a transação que seria anunciada três dias depois, formando a terceira maior companhia de alimentos e bebidas da América do Norte e a quinta maior do mundo. O acordo foi firmado em uma velocidade recorde - foram apenas dez semanas de negociação entre as companhias. E Bernardo foi o escolhido para comandar a nova Kraft Heinz Company.

Por outro lado, respondeu com serenidade e transparência a diversas perguntas sobre liderança, cultura empresarial, gente e gestão - extremamente relevantes e diretamente associadas a este momento tão importante para a Heinz e sua carreira em particular. O Na Prática esteve lá e traz com exclusividade os melhores momentos do bate-papo. Confira:

Cultura empresarial

Cultura e valores não são negociáveis: são o que são. Todos os erros que eu já cometi na minha trajetória profissional - que foram muitos - aconteceram sempre que eu fui contra a cultura do lugar onde estava. No caso da Heinz, a gente pode sumarizar a cultura em uma palavra: dono - ownership, em inglês. Também prezamos pelo trabalho duro, com ética, por fazer mais com menos. Esse é o único jeito de fazer as coisas? Óbvio que não. Não tem certo e errado - há companhias centenárias com culturas bem diferentes da nossa. Recomendo a todos que trabalhem em empresas que partilhem das suas crenças. Isso não quer dizer que você precisa concordar sempre com tudo, mas vai funcionar bem trabalhando ali.

Estratégia x Execução

Acho engraçado quando a gente recruta alguém que veio de um MBA, e a pessoa fala que quer trabalhar com estratégia. Eu fico me perguntando: o que significa isso? Na Heinz, a gente só acredita em estratégia na execução. Acreditamos que companhias bem executadas, mesmo sem estratégia, não quebram. Já companhias com boas estratégias, sem execução, quebram. O sucesso não está na estratégia, está na execução. Se você puder combinar as duas coisas, espetacular. Se tiver que escolher, escolha a execução. Você não vai errar. Companhias bem executadas vão achar seu caminho.

Como identificar um negócio bom Se o negócio tem um fundamento bom, ele tem músculo, flexibilidade e longo prazo. Também olho o poder da marca, como o produto gera valor, suas dinâmicas de competição e se tem potencial de melhoria e consolidação futura. Quando investimos na Heinz, a gente tinha muita vontade de ser mais um player importante no setor de bens de consumo e via que a companhia tinha o potencial de se consolidar no mercado ao longo do tempo.

O risco educado

Você não vai acertar sempre. Coisas vão dar certo, coisas vão dar errado. Mas você sempre pode melhorar suas decisões com disciplina e estudo. A gente erra, claro, mas com informação. Conhecemos bem nossos parâmetros e estamos sempre dentro deles. Quando a gente toma um risco, a gente sabe muito bem onde está pisando.

Gente boa

A gente faz um deal a cada alguns anos e, quando isso acontece, a tendência é mandar alguém do nosso time para o comando e levar outras quatro ou cinco pessoas que têm a nossa cultura e velocidade nos instrumentos como suporte. São pessoas de dentro que estão fazendo um bom trabalho na companhia e que estão com fome de fazer mais. Tivemos mais de 1 mil promoções internas na Heinz no ano passado. Mas também procuramos no mercado pessoas de fora que têm um conhecimento espetacular do negócio para ajudar enquanto a gente aprende. Se você une essas pessoas tem um time muito bom para começar.

Aprendizados como líder

É importante você entender o que não sabe, seus gaps. Parece óbvio, mas é um ótimo começo. Talvez tão importante quanto entender o que você sabe. Quando você entra numa companhia nova, leva um tempo para se aprender sobre o negócio. Nos primeiros dois anos, a gente faz as coisas dentro do bom senso e, enquanto aprende, se cerca de pessoas que sabem muito sobre o negócio. É preciso desenvolver sua capacidade de aprender e ouvir, além de humildade para reconhecer e colocar pessoas que sabem mais do que você nas posições chaves.

Como tomar as decisões certas como CEO

O CEO não toma decisão nenhuma. Se toma, tem alguma coisa errada. A função de um líder é fazer as perguntas certas. Na Heinz, eu pergunto ininterruptamente, sou um perguntador. Não sei o que tem que ser feito no mercado de sopa no Reino Unido, por exemplo, mas sei perguntar para o time exatamente o que eu preciso saber. É o time que tem as respostas.

No chão de fábrica

Como CEO da Heinz, fui até a maior fábrica de ketchup do mundo, localizada no norte de Ohio, para me certificar em operador. As pessoas ficaram um tanto surpresas, pois a última vez em que um CEO tinha pisado lá tinha sido 45 anos antes. Em quatro dias, aprendi como funciona o processo inteiro de produção, em todos os detalhes. Quando alguém me faz uma pergunta técnica, sei exatamente do que ele está falando.

Um CEO brasileiro no exterior

Nos EUA, o respeito vem com a performance. Quando assumi o Burger King ninguém me conhecia. Eu era novo na indústria e mais jovem do que sou hoje. Mas logo comecei a mostrar serviço e provar que tinha bom senso. Se você começa a falar coisa que não faz sentido, o cara te questiona, e não quer saber se você é CEO. Eles não ligam para o sotaque, nem para sua origem. O que eles querem é consistência e entrega. É uma sociedade muito pragmática.

Ser CEO no Brasil x ser CEO nos EUA

Os americanos logo te perguntam a regra do jogo. Quando você deixa claros quais são seus valores e crenças, o americano decide se quer jogar no seu time ou não. Você aprende a ser transparente com as pessoas. E, para isso, tem que saber exatamente o que você quer, qual é o plano de longo prazo do seu negócio. Uma vez que você acredita naquilo, seja consistente e comunique desde o dia primeiro.

Como identificar um talento

A primeira coisa que eu olho para identificar um talento é brilho no olho, vontade de fazer alguma coisa. Se você tiver que fazer o cara acordar de manhã, esquece. Todo o resto você ensina. É muito poderoso quando você coloca um objetivo para pessoas automotivadas. Também tento entender sua capacidade de simplificação e se tem espírito de dono.

Como reagir diante de um erro

Para qualquer erro que você cometa, busque corrigi-lo rapidamente e não repetir o mesmo tropeço. Não tenho problema com erros novos, mas repetir um erro é grave. Mostra que você não aprendeu nada.

O segredo para escrever as metas certas

Escrevo metas há 20 anos e todo ano eu melhoro. É um processo. Hoje, separo um fim de semana do meu ano só para ler todas as metas da companhia. Temos hoje 3.500 funcionários com metas individuais, e duas pessoas controlam todos os indicadores. A Heinz está engatinhando ainda - está muito melhor do que era, mas há um longo caminho pela frente. Ainda não está bom, mas vamos chegar lá.

Sonho grande

Meu sonho grande hoje é na Heinz. Esse é meu projeto de longo prazo, meu projeto de vida. Tem muita coisa pela frente, a gente só está começando.

Assista também ao bate-papo com Bernardo Hees:

https://youtube.com/watch?v=PQEoO1nAWIc

Este artigo foi originalmente publicado no Na Prática, portal de carreira da Fundação Estudar

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