Carreira

Você não é tão bom quanto pensa, diz professor

Para professor na University College London, a falta de confiança em si mesmo, na medida certa, é o segredo para o sucesso

Tomas Chamorro-Premuzic (Divulgação)

Tomas Chamorro-Premuzic (Divulgação)

Claudia Gasparini

Claudia Gasparini

Publicado em 21 de outubro de 2014 às 14h45.

São Paulo - Duvidar, lá no fundo, da sua própria competência pode ser o segredo para o sucesso. Essa é a opinião do psicólogo Tomas Chamorro-Premuzic, professor na University College London (UCL) e consultor de diversas empresas como HSBC, J.P. Morgan e Unilever.

Crítico ferrenho das correntes de autoajuda que pregam frases como "acredite em si mesmo" ou "você é capaz de qualquer coisa", ele defende que profissionais confiantes têm menos amigos, menos oportunidades de carreira e, a longo prazo, menos realizações.

EXAME.com conversou com o professor para entender por quê, na visão dele, o mundo é dos modestos. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

EXAME.com: A média das pessoas tende a subestimar ou superestimar suas próprias competências?

Tomas Chamorro-Premuzic: Superestimar. Essa é uma das tendências mais universais que já foram documentadas sobre o comportamento humano. A maioria das pessoas acha que é melhor do que realmente é.

Essa visão distorcida que temos de nós mesmos aparece até nos contextos mais bobos. Supervalorizamos nosso desempenho no trabalho, mas também na hora de cantar no karaokê ou contar uma piada. Só 9% das pessoas avaliam suas próprias habilidades de forma realista.

EXAME.com: Por que a humildade é tão rara?

Tomas Chamorro-Premuzic: A única explicação simples para isso é que os seres humanos sentem desconforto ao pensar coisas negativas sobre si mesmos. O otimismo faz bem para o emocional das pessoas, é uma adaptação evolutiva.

EXAME.com: O senhor já disse que pessoas menos confiantes são mais bem-sucedidas. De onde vem essa correlação?

Tomas Chamorro-Premuzic: É simples. Pegue o caso do tenista Roger Federer. A competência dele no esporte deve ser aproximadamente 100 vezes maior do que a de um jogador mediano de tênis. Mas a autoconfiança dele só deve ser três ou quatro vezes maior do que a de um indivíduo comum. Proporcionalmente, as pessoas mais bem-sucedidas são as mais humildes.

Ser pouco confiante é bom por dois motivos. O primeiro é que você é mais crítico sobre você mesmo, sabe quando as coisas não vão bem e tende a reagir mais prontamente a feedbacks negativos.

Além disso, no contato diário com o outro, você é percebido como modesto e humilde. Os outros criam uma imagem simpática de você. O mundo do trabalho está cheio de pessoas que são percebidas negativamente por serem muito confiantes.

EXAME.com: A autoconfiança teria então uma face perversa?

Tomas Chamorro-Premuzic: Sim. Confiar em si mesmo é tóxico para a carreira de uma pessoa, principalmente se lhe faltar competência. O papel original da insegurança, durante a evolução da espécie, foi o de funcionar como um sistema de alarme para detecção de ameaças. Quanto mais confiante você é, menos consciente dos riscos e perigos você se torna.

A longo prazo, ser confiante demais tende a prejudicar a sua capacidade de se aperfeiçoar profissionalmente. Se você já acredita que é ótimo, tem menos energia para se superar.

EXAME.com: O senhor já afirmou que, no trabalho, os homens geralmente são muito mais autoconfiantes do que as mulheres. Dentro desse contexto desigual, a autoconfiança é mesmo tão nociva à carreira das mulheres?

Tomas Chamorro-Premuzic: Em qualquer ambiente, profissional ou não, os homens tendem a se superestimar, e as mulheres, a se subestimar. Fica difícil mesmo que elas sejam recompensadas por serem modestas. Então, da forma como as coisas são, sim, infelizmente a assertividade e a autoconfiança ainda valem a pena para a profissional mulher.

Mesmo assim, acredito que a confiança excessiva prejudica qualquer pessoa. A única ressalva que faço é que, como existem mais homens iludidos sobre sua própria competência do que mulheres, o meu conselho vale mais para eles do que para elas.

EXAME.com: A geração Y é muitas vezes taxada de narcisista. O senhor concorda com essa qualificação?

Tomas Chamorro-Premuzic: Sim, o membro típico da geração Y tem uma grande necessidade de se sentir “único”. É uma pessoa que acredita estar destinada a se tornar famosa. Embora narcisista, é também alguém muito inseguro: precisa se admirar muito, mas também necessita de aprovação constante dos outros para reforçar a sua autoimagem positiva. Essa é uma combinação perigosa de características, e acho que já estamos vendo o impacto disso no mundo do trabalho.

EXAME.com: Qual é esse impacto?

Tomas Chamorro-Premuzic: Em primeiro lugar, mais do que nunca, os jovens querem abrir suas próprias empresas, fazer as coisas "do jeito deles". Eles acham que grandes organizações não enxergam o quão bons eles são. O problema é que, estatisticamente, sabemos que a maior parte desses empreendedores não vai se dar bem.

O segundo problema é a forma como os jovens se comportam no mercado de trabalho. A geração Y precisa de reconhecimento constante, e espera que o trabalho seja divertido, estimulante e pague bem. Quantas pessoas conseguem tudo isso? Conheço muitos jovens que constantemente estão trocando de emprego, que nunca estão felizes. Esse é o resultado de uma geração que cresceu ouvindo que é ótima e que foi mimada por pais superprotetores. Essa ilusão exigirá muito tempo para ser desconstruída.

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