Atos antidemoráticos: empresas se posicionaram após episódio de vandalismo no dia 8 de janeiro. Mas até onde as empresas e executivos deveriam se posicionar? (EDISON BUENO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO/Reprodução)
Por Sônia Lesse, especialista em diversidade e inclusão e diretora de experiências na Profissas
Nos últimos dias, estamos acompanhando na mídia a cobertura dos atos violentos que ocorreram em Brasília e seus desdobramentos.
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Em paralelo, manifestações em defesa da democracia aconteceram e ainda acontecem no Brasil e no mundo.
Muitas lideranças e empresas, por exemplo, pedem a responsabilização das pessoas envolvidas na invasão e destruição de prédios dos três poderes da República.
Neste cenário, a pergunta que fica é: esse posicionamento perante a sociedade, clientes e pessoas colaboradoras é importante ou dispensável para as marcas e personalidades que resolveram falar abertamente sobre o tema?
Discutir assuntos polêmicos nas redes sociais pode trazer manifestações polarizadas, mas precisamos lembrar que existe uma grande diferença entre opinião e crime. Dizer que o feijão deve ir sempre por baixo do arroz, é uma opinião (e na minha opinião, é a forma correta haha).
Mas se um indivíduo se manifesta contra a democracia, ele está cometendo um crime, previsto na nossa Constituição e passível de penalidade. Uma empresa que apoia e/ou patrocina tais atos, também está cometendo um crime.
A empresa também deve atuar na esfera formativa e letrar seus colaboradores. Uma pessoa colaboradora, ao se posicionar ou manifestar de maneira criminosa, pode gerar impactos para a empresa - e a sociedade vai cobrar.
Esperar situações assim para acionar a gestão de crise, pode ser pouco efetiva, por isso a educação como forma de prevenção é o melhor investimento que podemos fazer em pessoas!
Muitos têm dito "LinkedIn não é lugar pra isso!" "Não devemos misturar negócios com política!", como se isso significasse ser a favor de um partido político.
Mas esse não é o ponto. Ser a favor da democracia significa muito mais! Defender a democracia é entender que precisamos de um governo de direitos, mas que também envolvem deveres. É saber que toda a sociedade deve viver com igualdade, desfrutando de direitos básicos como saúde, educação, transporte e lazer.
Ser um país democrático é manter uma gestão em que os indivíduos possam existir e viver com dignidade e respeito. Ser contrário a isso (e ainda pedir a volta da ditadura), é apoiar que o acesso à direitos básicos seja privilégio de poucos.
Ao falar de democracia estamos falando de um Estado com espaço para uma cultura inclusiva. Desse modo, as empresas devem sim se posicionar a favor da democracia, pois elas também precisam levar o assunto para o local de trabalho, apoiando a diversidade, a inclusão e a oportunidade de crescimento igual para todas as pessoas.
Qualquer companhia que não é capaz de se posicionar a favor da democracia precisa ser questionada enquanto um lugar que busca fazer diversidade e a inclusão acontecer de verdade.
Precisamos compreender qual empresa está realmente está a favor da vida e da dignidade de todas as pessoas e qual ainda prefere manter privilégios e conduzir um ambiente organizacional em que alguns indivíduos têm direitos e acesso à oportunidades e outros não.
Nos últimos anos, vejo um movimento maior das empresas se posicionando publicamente sobre determinados assuntos, o que sinaliza estar aberta ao diálogo.
E por que isso acontece? Um dos pontos que vejo como destaque é o avanço dos compromissos ESG nas organizações. Hoje, o perfil de consumo das pessoas está muito baseado no que o negócio oferece não só enquanto produto ou serviço, mas também em impacto social, ambiental e de governança.
Ter uma companhia que esteja alinhada com os valores individuais das pessoas que se candidatam a vagas tem sido cada vez mais buscado. Para mim não é diferente! Empresas que estão diretamente envolvidas em casos de discriminação como racismo, LGBTfobia e capacitismo, por exemplo, estão na minha lista para não se consumir.
Para mim é inegociável, pois estamos discutindo sobre violências, coação, destruição de patrimônio, liberdade de ir e vir e políticas públicas. E novamente: são questões que vão para além da política. São direitos básicos que todas as pessoas deveriam ter em sociedade, dentro ou fora das empresas.
Nesse sentido, preciso olhar para os marcadores sociais que me atravessam e para outras interseccionalidades, avaliando quais empresas estão fazendo ações de diversidade e inclusão genuínas.
Na minha opinião, post em redes sociais são importantes, desde que a companhia desenvolva um trabalho integral, contemplando ações para todas as pessoas colaboradoras, independente de sua história, vivência, gênero, religião, orientação sexual, entre outros aspectos a serem considerados na formação de quem são e para onde querem ir.
Não adianta fazer post padrão de “não toleramos qualquer forma de discriminação”, logo após uma pessoa colaboradora cometer uma violência ou crime, mas mesmo após comprovado os fatos, essa pessoa continuar gozando de privilégios na empresa e a vítima não ter apoio algum.
Para os próximos anos, espero celebrar os avanços da nossa democracia e não me angustiar e temer pelos retrocessos. Afinal de contas, viver a democracia é garantir que meus direitos e os direitos de todos os grupos representativos possam ser respeitados na sociedade e mantidos permanentemente nas empresas.