Carreira

Geração Z: os líderes que não virão - e agora?

Profissionais estão menos dispostos a sacrificar o tempo livre para trabalhar e a nova geração chega para estabelecer essa tendência; o “gap de líderes” se aproxima, como evitar?

A Geração Z, marcada pela flexibilidade no trabalho, está sendo considerada a geração mais desafiadora do mercado, segundo estudo  (Divulgação: Jasmin Merdan/Getty Images)

A Geração Z, marcada pela flexibilidade no trabalho, está sendo considerada a geração mais desafiadora do mercado, segundo estudo (Divulgação: Jasmin Merdan/Getty Images)

Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 16h51.

Última atualização em 26 de fevereiro de 2024 às 14h18.

Os funcionários estão trocando cargos de liderança por tempo livre. Um estudo realizado pela Visier, plataforma de análise de pessoal e planejamento de força de trabalho, mostra que 91% dos funcionários liberais não querem se tornar gestores de pessoas pelos seguintes motivos: expectativas de aumento de estresse/ pressão ou simplesmente satisfação com suas funções atuais.

O estudo foi realizado em agosto de 2023 com 1.000 funcionários em tempo integral nos EUA sobre suas ambições dentro e fora do local de trabalho, incluindo gestão de pessoas.

Entre as principais razões que impedem funcionários entrevistados a se tornarem gestores de pessoas, estão:

  • Expectativas de aumento de estresse e pressão: 40%
  • A perspectiva de trabalhar mais/mais horas: 39%
  • Estou feliz com minha função atual e não quero que ela mude: 37%
  • Falta de interesse nas responsabilidades de liderança: 30%
  • Compromissos pessoais ou interesses fora do trabalho que desejo priorizar: 28%
  • Aspectos administrativos de uma função gerencial: 20%
  • Falta de confiança na minha capacidade de liderar e gerenciar uma equipe de forma eficaz: 17%
  • Experiências pessoais anteriores com má gestão: 15%

Quais são as prioridades hoje?

“A pandemia nos forçou a pensar diferente, e com isso as ambições da sociedade atual mudaram e as novas gerações refletem novas tendências para o mercado de trabalho”, diz Milena Brentan, coaching executiva.

O estudo da Visier confirma essa tendência: entre as prioridades dos funcionários, o que tem relação com carreira ficou apenas em 4º lugar.

Principais ambições dos funcionários:

  • Passar tempo com minha família e amigos: 67%
  • Ser fisicamente/mentalmente saudável: 64%
  • Viajar: 58%
  • Conseguir um aumento: 54%
  • TIE: Indo bem em meus hobbies: 29%
  • TIE: Trabalhar em uma empresa que oferece flexibilidade: 29%
  • Ser promovido no trabalho: 23%
  • Construindo uma família: 22%
A pesquisa considerou profissionais de diferentes idades, mas essa tendência de equilibrar trabalho e qualidade de vida já é uma característica marcante na Geração Z.

“A Geração Z, mais do que todas as gerações anteriores, valoriza experiências significativas, flexibilidade e um ambiente de trabalho que promova o bem-estar de seus funcionários. Assumir cargos de liderança muitas vezes é associado a uma carga de trabalho intensa e compromissos extensos, o que pode parecer incompatível com a busca por qualidade de vida”, afirma Luciana Carvalho, CEO da Chiefs.Group, que reforça que não significa que é uma geração que não gosta de trabalhar.

Geração Z e os líderes que não virão

A falta de confiança parece ser o maior tormento da nova geração. Segundo a pesquisa da Visier, 55% dos entrevistados da Geração Z estão abertos a se tornarem gestores de pessoas na empresa onde trabalham, mas a falta de confiança na capacidade de liderar pode ser um grande impedimento para que esses novos líderes apareçam no mercado.

Ao escutar profissionais de diferentes idades, o principal alerta do estudo da Visier é sobre o “gap de líderes” que se aproxima no mercado de trabalho, que não começou com profissionais da Geração Z, mas que tende a se intensificar com os jovens líderes, que segundo Daniela Diniz, diretora de conteúdo e RI do Ecossistema Great People & Great Place to Work, traz como marca forte a flexibilidade no trabalho.

“Os desafios sempre acontecem com as gerações que estão entrando no mercado de trabalho. A geração X, por exemplo, teve um enfrentamento com a geração baby boomers ao se recusar a manter a lealdade de trabalhar na mesma empresa até se aposentar. A geração Y chega rompendo padrões ao falar de propósito e não só de ganhar dinheiro. Já a Geração Z entrou no mercado durante a pandemia, onde muitas pessoas começaram a trabalhar de forma remota e vem com a marcar forte de flexibilidade no trabalho.”

Outro estudo traz dados sobre como a Geração Z está menos propensa a cargos de gestão. Segundo a YouGov Global Profiles, plataforma da multinacional de pesquisa on-line YouGov, metade (50,8%) dos adultos da Geração Z entrevistados na América Latina afirmaram que concordariam em sacrificar parte do seu tempo livre para avançar em suas carreiras. Embora represente a maioria dos consumidores nesse grupo etário, esse número é menor do que os 54,9% dos Baby boomers latinos que fariam o mesmo.

É mais comum também, segundo o estudo da YouGov, que a Geração Z latina diga que gostaria de não ter que ir trabalhar todos os dias (51,5%), em comparação com os Baby boomers da região (38,9%).

Essa aparente falta de comprometimento da Geração Z latino-americana com o trabalho parece estar diretamente relacionada ao apreço que eles têm por sua trajetória profissional, afirma David Eastman, diretor-geral da YouGov na América Latina.

“Apenas 43,5% dos jovens latinos de 18 a 27 anos afirmam amar o seu trabalho. Esse número não apenas é mais baixo do que a porcentagem registrada para todos os entrevistados pelo Global Profiles (58,3%), mas é a mais baixa entre todos os grupos etários, sendo substancialmente menor do que os 71,6% dos Baby boomers”.

Apesar dos dados das pesquisas mostrarem uma perda de disposição da nova geração em apostar em cargos altos em uma companhia, Carvalho reforça que não se trata de uma geração que busca menos responsabilidade, mas sim de profissionais que querem mais qualidade de vida e um trabalho com propósito.

“Nessa busca por equilíbrio e bem-estar, eles, sim, irão rejeitar ambientes de trabalho vistos por eles como altamente competitivos e estressantes. Se não buscarmos entender o pensamento dos novos profissionais, os novos líderes não virão”.

Geração Z: por que é a mais desafiadora?

Atualmente, as empresas contam com até 5 gerações atuando juntas: a Geração Z (1996 a 2010), a Geração Y (1981 a 1995), a Geração X (1965 a 1980), a Geração Baby Boomer (1945 a 1964) e os veteranos (+70 anos). À medida que a força de trabalho evolui, com baby boomers se aposentando e uma nova geração de líderes emergindo, as organizações enfrentam o desafio de garantir uma transição suave e a continuidade da liderança.

Segundo o estudo “Tendências Gestão de Pessoas 2024”, realizado pelo Ecossitema Great People e GPTW, a maior parte dos 1.864 entrevistados (51%) responderam que existem dificuldades de lidar com as diferentes gerações e que a Geração Z é de longe a mais desafiadora.

Existe alguma geração que você sinta um desafio maior?

  • Sim, Geração Z (1996-2010) - 68,1%
  • Sim, Geração Baby Boomer (1945-1964) - 11,4%
  • Sim, Geração X (1965-1980) - 6,8%
  • Sim, Geração Y (1981-1995) - 6,2%
  • Sim, veteranos (+70 anos) - 4,5%
  • Não - 3%

Entre as características que têm gerado dificuldades para as lideranças, os entrevistados do estudo do GPTW afirmaram que a Geração Z entra no mercado de trabalho com um olhar focado no propósito e na renúncia ao estresse e cobranças excessivas – mesmo motivo destacado no estudo da Visier.

Como preparar e conquistar os líderes do futuro?

Para atrair novos gestores, Carvalho afirma que as empresas precisam reavaliar as suas estratégias de negócio.

“A identificação e o desenvolvimento de talentos internos são fundamentais e isso inclui revisitar a cultura organizacional, implementar programas de desenvolvimento mais centrado no indivíduo, como mentorias, ter trilhas de carreira mais claras, implementar políticas de trabalhos flexíveis e rever pacote de benefícios”.

Entre as qualidades que os profissionais buscam em um ambiente de trabalho, segundo o estudo da Visier, e que estão em linha com as necessidades da nova geração, são:

  • Um equilíbrio positivo entre vida pessoal e profissional: 55%
  • Arranjos de trabalho flexíveis: 41%
  • Um ambiente de trabalho descontraído: 37%
  • Oportunidades de crescimento profissional: 30%
  • A capacidade de permanecer um contribuidor individual: 24%
  • A capacidade de sempre fazer logoff na hora certa: 20%
  • A capacidade de subir na hierarquia rapidamente: 16%
  • Uma equipe colaborativa: 15%
  • Uma empresa com os mesmos valores que os meus: 12%
  • Capacidade de gerenciar pessoas: 10%

Outra medida que pode evitar o gap de líderes é integrar as gerações e entender o potencial dessa nova geração, afirma Brentan.

“Todas as gerações trouxeram algum conflito ao mercado, assim como geraram tendências. A geração Z não quer trabalhar menos, ela está redefinindo o modelo de trabalho. É uma geração que precisa de mais liberdade, que gosta de contribuir e que busca um ambiente de trabalho mais humano e acolhedor.”

“O que observo é que essa nova geração de líderes é muito mais hábeis no diálogo do que os líderes das demais gerações. Também tendem a ser mais conciliadores, empáticos, inclusivos”, diz Carvalho.

“A geração Z quando questiona a busca por mais liberdade, ela estimula as empresas a repensarem como estão trabalhando hoje, que não se restringe apenas a um regime de trabalho híbrido, mas também a uma liderança mais flexível e humanizada”, afirma Diniz.

Geração Z: a geração ouro 

Uma das mudanças que marcam a nova geração é a liberdade, tanto no mercado de trabalho quanto na economia. Os jovens de hoje, por exemplo, estão mais confortáveis em deixar o emprego após dois meses de trabalho caso a oportunidade não esteja alinhada com o que gosta e o que busca. Também estão mais confortáveis com a economia compartilhada, preferindo alugar carros e imóveis ao invés de comprá-los. Para Marcelo Neri, professor da FGV Social, a Geração Z, que abrange jovens entre 14 e 29 anos, nasceu no começo da estabilidade brasileira, o que pode justificar essa mentalidade mais ousada e desprendida.

“A nova geração não viveu momentos de hiperinflação que eram comuns no país e que terminam nos anos de 2010, em meio ao auge de economia.”

Ao analisar os dados da PNAD Contínua, Neri diz que pessoas que nasceram entre 1996 e 2010 representavam 20,7% da população em 2022, mas 25% na classe A e B.

“Não temos um estudo específico sobre as gerações, mas considerando dados da PNAD Contínua, a classe A e B abriga parte maior dessa nova geração (25,2%), e vai diminuindo; na classe C (21,6%), na classe D (18%) e na classe E (15%). Ou seja, boa parte da geração Z está nas classes mais altas, do que nas mais baixas, uma vez que caiu muito a fecundidade nas classes mais pobres nas últimas décadas”.

Atualmente, o Brasil tem 50 milhões de jovens, que segundo Neri, é a maior juventude que o país já teve, mas estudos da FGV traz a expectativa de que até o fim deste século o número de jovens caia para 25 milhões.

“A taxa e fecundidade está caindo ao longo do tempo, enquanto a expectativa de vida está aumentando no país.”, diz o professor que reforça que não virá um número de jovens suficientes para sustentar a próxima geração. “Vai faltar jovens no Brasil, sairemos do bônus para o ônus demográfico, ou seja, vai faltar pessoas em idade produtiva no país.”

Em 1970 cada mulher tinha 5,8 filhos, hoje são menos de 2 filhos por mulher, o que registra uma mudança grande na queda de fertilidade, afirma Neri. “A falta de jovens é muito ruim para a economia, mas para a geração que está chegando no mercado será bom. Será uma geração que será disputada a preço de ouro no mercado de trabalho.”

Por outro lado, a geração prateada, com mais de 70 anos, está crescendo no país. “Se olharmos os padrões de vida por idade hoje, vamos ver que a renda dos idosos é alta por conta de aposentadorias, o que promete ser diferente na terceira idade da Geração Z. Do jeito que está, o sistema de previdência não será tão positivo e sustentável para eles”, afirma Neri que reforça que essa expectativa com a fragilidade do sistema previdenciário estimula ainda mais os jovens profissionais a olharem para o empreendedorismo e menos para as organizações, a pensarem mais em investimentos privados do que em aposentadoria.“É uma população que buscará fazer a sua própria poupança e que vê na vida empreendedora ou no emprego mais flexível um futuro mais promissor.”

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