O publicitário André Moreira Forni, de 39 anos, trocou São Paulo por Helsinki, cidade no sul da Finlândia, em 2021, para ter mais qualidade de vida (André Forni /Divulgação)
Repórter
Publicado em 13 de novembro de 2024 às 11h30.
Última atualização em 13 de novembro de 2024 às 17h45.
A escala 6x1 — modelo que determina seis dias consecutivos de trabalho seguidos de apenas um dia de descanso — ainda é amplamente praticada em diversas partes do mundo. Enquanto em alguns países, como o Brasil, ela é vista como necessária para atender às demandas do mercado, em outros é alvo de críticas ou até mesmo considerada ilegal. Este modelo está no centro de debates globais sobre saúde mental, equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e produtividade e nos últimos dias ganhou a atenção do governo brasileiro após a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) apresentar uma proposta sobre redução da jornada de trabalho, pedindo o fim da escala 6x1.
Além do Brasil, a escala 6x1 é legal e amplamente usada em países como Estados Unidos, México, China e Índia, e tem enfrentado críticas crescentes devido a seus impactos na saúde mental e na produtividade de longo prazo, afirma Luciana Veloso Baruki, advogada, médica, administradora de empresa, que atua como auditora fiscal do trabalho há 17 anos.
“Minha experiência como auditora fiscal e médica reforça que o trabalho precisa ser visto como um elemento de realização, e não de adoecimento. Esse equilíbrio deve ser promovido por políticas públicas e pela conscientização das empresas sobre os riscos de insistir em jornadas desumanas.”
Quando Baruki iniciou as primeiras fiscalizações no Brasil sobre assédio no trabalho e riscos psicossociais, ela viu que longas jornadas e pressões desumanas no ambiente corporativo não eram apenas uma questão de produtividade, mas de saúde pública. “Esses riscos estão diretamente ligados a doenças ocupacionais que poderiam ser evitadas com práticas mais humanizadas.”
De países que lideram a transição para jornadas mais humanizadas, como Islândia e Nova Zelândia, até realidades de trabalho extenuantes na China e na Índia, a forma como os governos e empresas tratam a escala 6x1 reflete suas prioridades sociais, econômicas e culturais, afirma Baruki - que fez um estudo sobre países que eliminaram a escala 6x1 e os que consideram fundamental para a sua economia.
Os países nórdicos — Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia — são referência em legislações trabalhistas avançadas e na valorização do bem-estar dos trabalhadores.
Nesses países, Baruki diz que as jornadas semanais geralmente variam entre 35 e 40 horas, e há uma forte regulamentação quanto ao descanso. “Por exemplo, a Noruega exige pelo menos 35 horas consecutivas de descanso semanal, o que inviabiliza a prática da escala 6x1”, diz a auditora fiscal do trabalho.
Além das leis, a cultura corporativa desses países enfatiza que trabalhadores descansados são mais produtivos e criativos. Empresas escandinavas priorizam a flexibilidade, permitindo que seus funcionários equilibrem o trabalho com suas vidas pessoais.
O publicitário André Moreira Forni, de 39 anos, trocou São Paulo por Helsinki, cidade no sul da Finlândia, em 2021. Junto com a esposa e a primeira filha, ele se mudou para ocupar o cargo de diretor de arte de uma empresa de jogos digitais e em busca de mais qualidade de vida.
“Existe um real respeito pelo balanço entre trabalho e vida pessoal aqui na Finlândia. No trabalho, se é cobrado produtividade e ação, mas a partir das 16h30 todos começam a sair, todos entendem a importância de se ter uma vida pessoal funcional.”
Esse modelo de equilíbrio não compromete os resultados econômicos, pelo contrário, Baruki afirma que países como Suécia e Dinamarca estão entre os mais produtivos do mundo, mostrando que jornadas mais curtas são não apenas viáveis, mas também estratégicas. “É urgente o Brasil repensar a jornada de trabalho para preservar tanto os trabalhadores quanto a competitividade das empresas.”
Na União Europeia a diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu estabelece que os trabalhadores têm direito a um descanso semanal mínimo de 24 horas, além de 11 horas consecutivas de descanso diário, totalizando ao menos 35 horas consecutivas de descanso semanal. “Isso torna a prática da escala 6x1 praticamente impossível em muitos países membros”, diz Baruki.
Islândia e Nova Zelândia são dois dos países que mais têm inovado em relação ao futuro do trabalho.
Islândia se destacou ao conduzir experimentos entre 2015 e 2019 que reduziram a semana de trabalho para quatro dias sem redução salarial. Os resultados foram claros: os trabalhadores relataram menos estresse e maior bem-estar, enquanto as empresas mantiveram ou até aumentaram a produtividade.
Na Nova Zelândia, iniciativas similares têm sido adotadas voluntariamente por empresas. Os resultados reforçam a tese de que trabalhadores mais descansados cometem menos erros, engajam-se mais e são mais eficientes.
“Esses países oferecem uma visão de como o futuro do trabalho pode ser transformador, priorizando tanto a saúde mental quanto o desempenho”, afirma Baruki.
Em países como China e Índia, jornadas intensivas são uma realidade constante, especialmente em setores informais ou altamente competitivos.
“Na China, o controverso modelo “996” (trabalhar das 9h às 21h, 6 dias por semana) — tornou-se símbolo de jornadas exaustivas. Embora tenha gerado uma onda de protestos e debates, ele ainda é praticado em indústrias como tecnologia e manufatura, gerando impactos graves na saúde dos trabalhadores”, diz Baruki.
Na Índia, a falta de fiscalização no setor informal permite jornadas ainda mais extensas. Trabalhadores enfrentam exaustão crônica e têm pouca ou nenhuma proteção legal, exacerbando desigualdades sociais, afirma a auditora fiscal do trabalho no Brasil.
Já no Japão, após casos de karoshi (morte por excesso de trabalho), medidas rígidas contra jornadas extensas foram implementadas, limitando a repetição de dias consecutivos de trabalho.
”Os exemplos globais deixam claro que o futuro do trabalho depende de uma mudança cultural e legislativa, que priorize o bem-estar dos trabalhadores sem comprometer a competitividade econômica. Afinal, como mostram as experiências mais inovadoras, menos pode ser mais — em saúde, produtividade e qualidade de vida.”
No Brasil, a escala 6x1 é regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que exige um descanso semanal de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos.
A prática é comum em setores como comércio, indústria e serviços essenciais, mas tem sido alvo de críticas. Modelos como a escala 6x1 dificultam o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, além de contribuírem para problemas como burnout, ansiedade e desmotivação.
“Enquanto países como Islândia e Nova Zelândia mostram que jornadas flexíveis são possíveis e produtivas, o Brasil ainda enfrenta desafios para repensar modelos tradicionais e priorizar a saúde mental dos trabalhadores”, diz Baruki.
Para repensar e eliminar a escala 6x1 no Brasil, surgiu no ano passado o Movimento VAT, liderado por Rick Azevedo, ex-balconista de farmácia. Rick deu voz ao movimento por meio de um vídeo que viralizou no TikTok.
“A minha revolta com a escala 6x1 era para ser apenas um desabafo na rede social, mas tomou uma proporção surreal. Hoje tenho uma missão - defender por mais vida além do trabalho,” diz Azevedo.
O que Rick defende por meio do Movimento VAT é uma escala 4x3 (trabalha 4 dias e folga 3) que já está sendo testada em vários países, inclusive no Brasil - mas há contradições no mercado quanto a esse pedido.
No âmbito sindical, não é de hoje que as entidades sindicais reivindicam a redução da jornada semanal, afirma Rodrigo Chagas Soares, sócio do escritório Granadeiro Guimarães Advogados. "No ano de 2009, as Centrais Sindicais já defendiam com a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional datada de outubro de 1995 (PEC 231/95), reivindicando a redução da jornada de trabalho de 44h semanais para 40h por semana."
A redução ainda maior, que entra a jornada de trabalho 4x3, que é defendida pelo Movimento VAT, poderá trazer alguns impactos para o empresariado, que vai além de aumentar o quadro de funcionários, segundo o presidente da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), Roberto Mateus Ordine.
"A jornada 4x3 valeria para um país que possui uma economia mais estável. No caso do Brasil, a nossa economia não é muito sólida para exercer essa escala, uma vez que os encargos trabalhistas que temos no Brasil são muito maiores que muitos países."
O executivo da ACSP afirma que para adotar esse sistema, teríamos que ter certeza que os custos das mercadorias seriam muito maiores do que são atualmente, tendo em vista que o número de funcionários deveria crescer, assim como o número de horas pagas. "Paralelamente a esses os custos diretos com os funcionários, temos os encargos sociais, que ultrapassam 102%. Evidentemente que com essa escala defendida pelo VAT seria muito difícil mantermos o custo operacional no Brasil."
"Evidentemente que, para um futuro, o número de horas trabalhadas será menor, mas essa proposta atual para o nosso sistema ainda é muito difícil. Por isso acredito que no momento esse tipo de proposta poderia ser usada para um estudo e não em um movimento", afirma Ordine.
O fim da jornada de trabalho de 6 dias trabalhados por um dia de descanso voltou a ter destaque nas redes sociais neste domingo, 11 de novembro. A extinção faz parte de uma PEC apresentada pela deputada Érica Hilton (PSOL-SP) na Câmara dos Deputados, que segue somando apoio pelo Brasil. Segundo a assessoria da deputada Hilton, “graças à mobilização da sociedade, em todo Brasil, ultrapassamos as 171 assinaturas necessárias para protocolar a PEC contra a Escala 6x1 e já nos aproximamos de 200 signatários e co-autores. A PEC continuará recebendo assinaturas no dia de hoje.”