Carreira

Como manter um casamento entre empresas diferentes

Na fusão ou na aquisição de empresas, a chave do sucesso é a integração de culturas, sistemas e pessoas. O RH tem ou deveria ter um papel fundamental nesse processo


	Itaú Unibanco: na fusão, preocupação em manter os funcionários dos dois bancos
 (Wikimedia Commons)

Itaú Unibanco: na fusão, preocupação em manter os funcionários dos dois bancos (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 15h32.

São Paulo - No dia 7 de maio de 1998, os executivos Jürgen Schrempp e Robert Eaton anunciavam com pompa a maior fusão até então ocorrida na história empresarial. Schrempp, à época presidente da Daimler-Benz, grupo alemão proprietário da divisão automotiva Mercedes, e Eaton, então presidente da Chrysler Corporation, a terceira maior montadora de carros dos Estados Unidos, comunicavam um acordo de cerca de 40 bilhões de dólares para formar a DaimlerChrysler, gigante com centenas de milhares de empregados e faturamento de dezenas de bilhões de dólares.

A integração das operações seria um grande desafio, pois as duas montadoras produziam carros diferentes e tinham nacionalidades, culturas e línguas diferentes. Apesar do entusiasmo com que os líderes dos dois grupos anunciaram a megafusão, em pouco tempo a DaimlerChrysler começou a apresentar problemas. Em novembro de 2000, o diretor executivo da Chrysler, James Holden, foi substituído por Dieter Zetsche, cujas primeiras incumbências incluíram o corte de empregados e o fechamento de fábricas. E, em 14 de maio de 2007, a Daimler anunciou a venda da Chrysler para o fundo de investimento Cerberus, por 7,4 bilhões de dólares, pondo fim à união entre as duas montadoras.

Diversos são os problemas que podem levar uma fusão ou aquisição ao insucesso, tamanha a complexidade do processo. Mas quase 70% dos problemas ocorrem devido à falta de estratégia de integração, seja de culturas, seja de pessoas, segundo a professora Betânia Tanure, da Fundação Dom Cabral. Autora de dois livros sobre o tema, Betânia afirma: “O papel da área de RH é absolutamente fundamental, mas ainda não está sendo realizado da forma necessária. Grande parte dos problemas que ocorrem nas aquisições está na integração”.

Um estudo realizado pela consultoria PricewaterhouseCoopers (PWC) corrobora a afirmação. Com base em entrevistas com 100 CEOs que passaram recentemente por um processo de fusão ou aquisição, a pesquisa revelou que as três maiores barreiras enfrentadas por eles foram o tempo de integração, as diferenças culturais e a comunicação interna. Artur Giannini, consultor da PWC, explica que existe uma dificuldade muito grande em fazer um planejamento ligado à estratégia de integração e que as pessoas agem sem antes procurar entender o que realmente deve ser feito. “Chamo isso de cultura do ‘fazimento’, e não do planejamento”, diz Giannini.

Os desafios do RH não param por aí. A consultoria Hewitt Associates possui dois estudos que merecem reflexão. O primeiro, de 2009, com 33 empresas da América Latina, mostra que, para 90% das companhias, o principal problema no processo de fusão é a falta de uma comunicação consistente sobre os objetivos da união. O segundo, realizado no primeiro trimestre de 2010, aponta que o sucesso da onda de fusões e aquisições no país depende de investimentos em capital humano.


O estudo revelou que 65% de 278 organizações em todo o mundo indicam a liderança e os talentos-chave como fundamentais para o sucesso das operações, embora quase 50% das empresas estejam perdendo seus talentos em níveis consideráveis. Emerson Soma, diretor-presidente da Hewitt, adverte: “A perda dos talentos mais valiosos pode verdadeiramente acabar com o negócio”.

Mercado em ebulição

O Brasil vive uma grande onda de fusões e aquisições. De acordo com levantamento da PWC, foram 564 operações de janeiro a setembro de 2010, 28% a mais do que em igual período do ano anterior, um recorde histórico. Para a consultoria, esses resultados evidenciam o momento favorável do Brasil. “Em todo o mundo, é possível verificar a recuperação das fusões e aquisições, mas o Brasil apresenta uma curva mais acelerada”, diz o estudo. A estabilidade econômica não é o único motivo para o grande número de fusões. Esse fenômeno tem a ver também com o aumento da concorrência entre as organizações.

“Em alguns setores, a questão da escala é muito importante. Esse é um arranjo para aumentar a competitividade das empresas”, diz Betânia Tanure. A acirrada concorrência torna imprescindível que a área de recursos humanos saiba quais são seus principais desafios no processo, que começam antes mesmo da transação. “O RH deve ser envolvido desde o planejamento do negócio, identificando as equipes internas e externas que vão trabalhar no projeto e participando da estratégia da fusão e aquisição”, diz Alberto Mondelli, diretor-geral da consultoria Mercer. Segundo ele, o RH deve atentar para as diversas demandas, inclusive no due diligence, processo de análise e avaliação de informações e documentos pertinentes ao negócio. “Deve-se calcular todos os custos de remuneração, de benefícios, análise do custo de desligamentos, passivos, custos esperados, custo de mudanças nos programas e outros”, diz Mondelli. 

O executivo Gilberto Martelli, que participou da incorporação da StorageTek pela Sun Microsystems (hoje ele é o diretor de RH da Marsh), acredita que é durante o período de due diligence que se deve começar a mapear os talentos e fazer um  plano de retenção. “Se você fizer isso antes mesmo da negociação, correrá menos risco de perder os talentos de sua empresa e da organização que está comprando”, diz Martelli.

Agilidade e transparência

No dia 3 de novembro de 2008, quando os bancos Itaú e Unibanco anunciaram sua fusão, uma das primeiras preocupações que surgiram foi sobre possíveis demissões. Segundo Ricardo Marino, diretor executivo de RH do banco, houve um grande esforço para manter os melhores profissionais. “Passados dois anos, temos orgulho de dizer que o número de funcionários em 2010 é estável em relação a 2008, lembrando que tivemos uma grave crise financeira mundial nesse período.”


A fusão entre os bancos foi anunciada ao mercado e aos colaboradores na manhã daquele mesmo dia. Nas duas empresas, todos foram trabalhar normalmente, muitos ainda sem saber do fato. “Foi preciso uma rápida comunicação interna”, diz Marino. Nas primeiras horas de trabalho, os gestores reuniram suas equipes para informar sobre a fusão e, posteriormente, os funcionários receberam em seus e-mails uma carta de explicações de Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles — os presidentes do Itaú e Unibanco, respectivamente. Na operação em que a Bradesco Dental se uniu à OdontoPrev, empresas do segmento de assistência odontológica, a comunicação interna foi tratada como fator crítico de sucesso.

Com criatividade e empenho, o RH desenvolveu programas eficientes para comunicar os objetivos da união. “Acreditamos que a comunicação ágil e transparente é um elemento fundamental para o processo de integração das equipes, diz Rose Gabay, diretora de RH da OdontoPrev.

Uma iniciativa que facilitou a integração foi o Embarque com a Gente, em que foi apresentada a história do grupo OdontoPrev desde sua fundação até os dias de hoje. Em reunião realizada com a participação de toda a diretoria, o programa teve como finalidade dar as boas-vindas à equipe da nova empresa, além de abrir espaço para perguntas dos funcionários. “Esse momento de ‘portas abertas’ foi fundamental para o clima de confiança e sinergia em nosso processo de fusão”, afirma Rose.

Desde 2006, a OdontoPrev passou por sete processos de fusão e aquisição, a maioria com empresas familiares e regionalizadas, o que trouxe traços da cultura de seus donos e de suas regiões de atuação. “Desenvolvemos experiência em fusões”, diz Rose. A fusão com a Bradesco Dental, no entanto, teve características diferentes. A operação envolveu uma grande empresa e o desafio foi mostrar às pessoas o lado positivo de trabalhar numa operação focada no segmento. “O que não se pode perder em um processo de fusão é o clima de confiança tanto dos colaboradores que estão se somando quanto dos que já faziam parte do grupo.”

O fator humano

Dando um passo decisivo para se firmar entre os maiores grupos financeiros do país, o espanhol Santander comprou o Banco Real em 2007. Três anos depois, no início de novembro de 2010, foi anunciado o fim da marca Real, consolidando de vez a integração entre os bancos. Para a vice-presidente executiva de RH do Santander, Lilian Guimarães, o desafio da integração, por parte dos recursos humanos, envolveu três questões principais. Primeiramente, o apoio aos gestores, para que eles pudessem se fortalecer e ajudar suas equipes a passar por essa transição, garantindo o bom clima. Em seguida, o equilíbrio entre o foco nas ações de integração sem esquecer as tarefas do dia a dia. E, por fim, o desafio de manter o melhor das culturas dos dois bancos. “O maior desafio foi, e sempre será, assegurar que o fator humano seja efetivamente levado em conta em tudo o que se faz, dentro e fora da nossa organização”, afirma Lilian. 


O papel do RH na integração deve percorrer desde particularidades burocráticas, como unificação de pequenos sistemas, políticas e contratos, adequando critérios de remuneração e benefícios, até decisões mais estratégicas, como trabalhar a estrutura organizacional como um todo. Lilian elenca os quatro principais direcionadores no processo de integração entre o Real e o Santander: “Entender as características culturais e o melhor dos dois bancos, cuidar do time e do clima organizacional, cuidar dos clientes e manter o foco nos negócios”. Esses pontos, assim como outras decisões no âmbito da união, foram desenvolvidos por um comitê de integração formado por 13 executivos seniores de várias áreas da empresa. 

Diferenças culturais

Luciana Silva, gerente de RH da Sonda Procwork, empresa especializada em soluções integradas em TI, teve como principal desafio a questão cultural na fusão que ajudou a executar três anos atrás. Luciana trabalhava na Procwork — empresa brasileira — quando a chilena Sonda resolveu comprá-la. “Apesar de termos conseguido minimizar os problemas, as diferenças culturais sempre impactam, ainda mais em se tratando de países diferentes”, diz Luciana. De acordo com ela, a cultura chilena era muito mais focada em números e indicadores. “Tivemos que aprender a transformar em números algumas coisas que antes tratávamos de forma mais qualitativa. Mas a empresa ganhou muito em termos de organização de procedimentos e regras.”  

Luciana ficou responsável por garantir uma comunicação eficiente durante o processo de integração, trabalho que, segundo ela, foi feito com transparência e cuidado. “Todos ficaram sabendo o que estava acontecendo desde o início, e as lideranças sempre se pronunciaram”, afirma a executiva.

Como se pode notar, algumas práticas de capital humano vêm sendo adotadas e desenvolvidas com o intuito de minimizar problemas decorrentes de processos de fusão ou aquisição. No entanto, a tendência é avaliar a operação mais do ponto de vista financeiro e jurídico do que levando em conta pessoas, cultura ou comunicação. “Quais são as primeiras medidas de uma empresa que quer comprar outra?”, pergunta Emerson Soma, da Hewitt. “Contrata advogados, empresa de auditoria, banco de investimento, ou seja, deixa a parte do capital humano por último.” Segundo Soma, o resultado disso é que é grande a possibilidade de encontrar pessoas mal informadas, insatisfeitas com a cultura, sem saber exatamente para onde ir e como agir. 

Para a professora Betânia Tanure, um número ainda muito pequeno de líderes de RH participa integralmente de todas as fases de uma operação de fusão ou aquisição. “As empresas precisam se atentar para isso e compreender a importância do envolvimento pleno dos recursos humanos em todas as etapas”, diz Betânia. 

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