Com carro, sem garagem
Mais profissionais trocam o transporte coletivo pelo carro próprio na hora de ir para o trabalho. A comodidade está se tornando um problema para as empresas
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2013 às 14h15.
São Paulo - O automóvel do funcionário passou a ser assunto da pauta em reuniões de diretoria de várias companhias no Brasil. Isso porque, diante das perspectivas de crescimento econômico, as empresas estão contratando mais gente. Com emprego garantido, o profissional vem trocando o coletivo pelo carro próprio, incentivado pelos financiamentos a perder de vista e pelas taxas de juros atraentes.
A soma desses fatores agravou, nos últimos meses, um problema que já preocupa muitos empregadores: a falta de estacionamento para todos os funcionários. A questão, que parece simples e até boba diante de tantos outros problemas do dia a dia corporativo, afeta a rotina dos profissionais.
A falta de garagem faz com que as pessoas tenham de chegar mais cedo ao trabalho para achar um lugar seguro na rua e estacionar o possante. Há quem opte por parar em um estacionamento privado próximo do escritório. E aí a questão é que o funcionário gasta dinheiro para ir trabalhar. No final, a reclamação é geral e as queixas têm aparecido com maior frequência na pesquisa de clima realizada pelas organizações.
A Volvo, instalada na cidade industrial de Curitiba, no Paraná, está tendo de encarar esse problema. A multinacional sueca ampliou em 10% seu quadro de funcionários, recrutando 350 empregados desde outubro do ano passado. Logo vieram as primeiras reclamações de falta de garagem. Hoje, existem 1 000 vagas no estacionamento da Volvo, considerando as 261 vagas da associação recreativa da companhia, localizada a 500 metros da sede.
Nos dias de pagamento e às sextas-feiras, quando muita gente vai trabalhar de carro planejando sair após o expediente, o espaço é insuficiente e as ruas próximas são tomadas pelos veículos dos funcionários. Depois de dois casos de arrombamento, a empresa decidiu contratar um serviço de segurança para vigiar as ruas que servem de estacionamento para os sem garagem. A diretoria estuda alternativas para criar novas vagas.
A saída mais fácil e barata seria sacrificar uma área da associação, ocupada por um grande gramado. A proposta foi rapidamente descartada. O projeto mais sofisticado, orçado em 4 milhões de reais, é construir dois andares adicionais no estacionamento já existente. A Volvo já tentou criar um programa de carona, para que duas ou mais pessoas compartilhem o mesmo veículo, mas não deu certo.
“As pessoas não querem ter mais esse compromisso”, diz Paulo Folador, gerente de suporte administrativo. Por enquanto, os funcionários da Volvo seguem parando na associação recreativa.
A Electrolux, também sediada na capital paranaense, enfrenta o mesmo problema, com o agravante de estar instalada em uma região residencial, em que a parada de ônibus fretados foi proibida pela prefeitura. Todas as ruas próximas à empresa já estão sendo tomadas por veículos de funcionários.
Enquanto o estacionamento com 763 vagas é reformado para ganhar espaço para mais 100 carros e 83 motos, a Electrolux alugou 150 vagas de uma igreja vizinha, pagando 100 reais mensais por vaga. Segundo Valéria Balasteguim, gerente de recursos humanos, a grande preocupação dos gestores da empresa é que, com as facilidades para a compra de veículos, uma parcela maior do pessoal de fábrica, que corresponde a cerca de 3 000 do total de 4 000 funcionários, passe a utilizar o carro próprio.
Por isso, a Electrolux está desenvolvendo uma campanha para incentivar caronas. Um dos argumentos é o resultado do censo interno, que revelou que a maioria dos empregados que vão trabalhar de carro são homens, enquanto as mulheres investem prioritariamente em outros bens, e não na compra do automóvel. Ou seja, há mulheres na Electrolux esperando pela gentileza dos colegas para ir com mais conforto ao trabalho.
São Paulo: um problema antigo
Em São Paulo, a falta de vagas no estacionamento para acomodar o carro de todos os funcionários é um problema antigo e já bastante conhecido dos profissionais de RH — que quase sempre são os primeiros a ouvir às queixas das pessoas quando elas deixam a “rádio peão”. A Promon, empresa de soluções de engenharia e tecnologia, se instalou na hoje badalada região do Itaim Bibi, na zona sul da capital, ainda na década de 80.
Na época, sobravam vagas no estacionamento da companhia. Hoje, elas são destinadas aos gerentes e diretores. Para reduzir as queixas e os gastos dos funcionários com estacionamento privado, a Promon criou linhas de ônibus fretados partindo de duas estações centrais de metrô. Há um ano, contudo, a prefeitura impôs limitações de circulação que obrigaram os fretados a parar longe da sede da empresa.
Como os 15 minutos de caminhada são um grande incômodo em dias de chuva, muita gente desistiu de utilizar o serviço e hoje a adesão não passa de 15% dentre os 1 200 funcionários.
Incentivar caronas também passou a ser a nova aposta da Promon. Há um link na intranet em que os funcionários podem pedir ou oferecer caronas, informando itinerário e horários. O serviço está sendo reformulado por um grupo de quatro estagiários que planeja lançar até o final do ano um sistema mais interativo.
Nele, seria possível verificar a qualquer momento — e com o auxílio de mapas e outros recursos tecnológicos — as possibilidades de carona entre os colegas. “A ideia é que a pessoa entre no sistema com o destino e o horário desejado para a carona e receba um relatório com os contatos dos colegas”, diz Albert Nissimoff, de 23 anos, um dos responsáveis pelo projeto.
A analista de comunicação Letícia Locatelli, de 23 anos, mora em Santo André e faz questão de deixar o carro em casa. Vai para o trabalho com o ônibus fretado e volta de carona, normalmente com a analista administrativa Andrea Furlan, de 40 anos. “Tenho mais duas opções mapeadas caso não dê certo com a Andrea”, diz Letícia.
Embaladas pelas longas conversas no trajeto, que chega a durar uma hora, as duas criaram um forte laço de amizade. “Tenho uma filha de 18 anos e dou conselhos à Letícia, ao mesmo tempo que aprendo muito com as coisas que ela me conta”, diz Andrea. “Além disso, é muito mais seguro enfrentar o trânsito acompanhada”, completa.