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Brigas no trabalho podem ser positivas? Pesquisadores acreditam que sim

Três professores da Kellogg School of Management debatem sobre a psicologia detrás do conflito e seu papel nas organizações

 (foto/Getty Images)

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Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 28 de fevereiro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2020 às 06h00.

A maioria de nós prefere chegar ao final do dia sem nenhuma briga. Buscamos harmonia, compreensão e interações construtivas com nossa família, nossos colegas e até pessoas de quem discordamos de tudo, da política a esportes.

No entanto, em um momento de extrema polarização social e política, querer que todos convivam em harmonia parece não ser algo realista. Além disso, é importante lembrar também que alguns conflitos, pelo menos os tipos certos de conflito, podem ser canalizados de maneira eficaz e até mesmo produtiva.

O Kellogg Insight se reuniu com três membros do corpo docente da Kellogg, Brian Uzzi, Nour Kteily e Cynthia Wang, para discutir a psicologia e a finalidade do conflito em nossas comunidades, organizações e no mundo.

Este bate-papo foi condensado para fins de adequação de tamanho e clareza.

Brian Uzzi: O conflito tem muitas funções sociais.

Segundo o falecido sociólogo Lewis Coser, os seres humanos não tem condições de desenvolver sua própria identidade a menos que entrem em conflito com outro grupo que diferenciam de si mesmos. Porém, parte desse conflito pode não necessitar de violência. As competições esportivas são uma forma de os seres humanos canalizarem isso e desenvolverem suas próprias identidades.

Sem dúvida, parte desse conflito flui para o mundo da violência física e, neste caso, as funções do conflito social são minadas por todas as desvantagens do conflito social.

Portanto, não podemos nos livrar do conflito, mas podemos encontrar condições sob as quais ele é geralmente expresso de forma positiva.

Nour Kteily: Isso me lembra a forma como o antropólogo Allen Fisk fala sobre o conflito como um meio de regular relacionamentos essenciais.

Seu argumento é que, às vezes, até o uso da violência pode ser bastante intencional e se destina a regular as relações sociais. Como exemplo extremo, pense em alguém que se envolve em um assassinato por questão de honra. Não é um ato de raiva que acontece naquele exatamente momento. Normalmente é algo doloroso que a pessoa não necessariamente sinta prazer em fazer, mas o faz para manter a reputação de sua família ou comunidade.

Cindy Wang: Sim, às vezes o conflito pode ser realmente produtivo. Quando se participa de uma reunião de grupo com pessoas muito diferentes, a suposição de que haverá um conflito realmente leva a melhores resultados porque você se prepara melhor.

Por exemplo, em um estudo, eu e Katherine Phillips demos tarefas às pessoas e dissemos: "Veja, você estará trabalhando com uma pessoa estranha que tem uma convicção política oposta da sua". Vimos então que, ao saber disso, você começa a se preparar um pouco mais para a conversa, porque pressupõe que haverá conflito, o que no final gera decisões melhores, uma vez que está mais preparado e mais introspectivo.

Por outro lado, se viemos do mesmo grupo, não desafiamos tanto uns aos outros.

Uzzi: Isso é interessante porque, até certo ponto, a forma como pensamos a respeito de um outro grupo normalmente é determinada por pessoas em posições de poder.

Existe um estudo realmente clássico chamado "brown eyes, blue eyes” (olhos castanhos, olhos azuis). É arrepiante. Uma professora do terceiro ano primário decide realizar este estudo sobre o impacto da liderança em grupos que desenvolvem conflitos entre si. Ela entra na sala e diz às crianças, que já são amigas há meses, que agora foi demonstrado que pessoas de olhos azuis são claramente muito mais inteligentes, mais agradáveis e geralmente melhores do que as de olhos castanhos.

Então, toda vez que uma pessoa de olhos azuis diz algo inteligente, ela enfatiza o quão inteligente o que ela falou é. Toda vez que uma pessoa de olhos castanhos comete um pequeno erro, ela diz: “Ah. Característica típica de uma pessoa de olhos castanhos.”  Antes que nos darmos conta, os grupos já haviam se separado. As crianças já estão dizendo que as pessoas de olhos azuis são mais inteligentes do que as de olhos castanhos, mesmo que seja uma característica completamente fora da realidade.

Kteily: Então, a professora reverteu a opinião no dia seguinte.

Uzzi: O que é realmente incrível.

Kteily: Na verdade, eu nunca interpretei isso como um estudo de liderança e sempre o considerei um estudo de estereótipos. Mas, independentemente disso, destaca o poder das coalizões na formação de nossa psicologia.

Você pode pensar em nós como pessoas com princípios morais que sempre defendemos. Porém, muitos de nossos princípios morais podem, na verdade, se originar daquilo que as coalizões que formamos são incentivadas a acreditar.

Os seres humanos são notavelmente eficazes na cognição motivada. Até nas lembranças motivadas. Por exemplo, temos lembranças ruins devido a coisas imorais que fizemos. Há também diversas pesquisas que mostram todas as formas pelas quais podemos reconceitualizar o comportamento, ou desculpar nossos erros imorais ou até mesmo ignorar um pouco da nossa hipocrisia. Essa cognição motivada se estende também ao nosso grupo.

Wang: Você perdoa muito as pessoas do seu grupo porque é uma questão de identidade! Um dos seus maiores incentivos é manter essa identidade positiva.

Kteily: O custo de acreditar no contrário é muito alto. Isso me lembra as pessoas que não abandonam uma seita apocalíptica, mesmo quando não resta sombra de dúvidas sobre a natureza do grupo.

Existem estudos interessantes que investigam o que acontece com um membro de uma seita no dia do juízo final quando chega a hora H e eles não morrem. Uma crença lógica poderia ser que simplesmente vão se afastar, porque agora sua fé nessa religião ficou muito desgastada. No entanto, na verdade, as pessoas dobram a aposta. Parte do motivo é porque o fardo psicológico de acreditar estar errado há muito tempo é tão avassalador que você encontra novas formas de se convencer que está correto.

Wang: É uma escalada de compromisso. Você está tão atolado na crença que realmente não pode mais voltar atrás.

Uzzi: Depois, há formas pelas quais as redes sociais contribuem para o conflito. Eu achava que as redes sociais seriam maravilhosas! No final, nos traem de uma maneira jamais esperada.

Agora vivemos em um mundo onde é possível não se expor para outros grupos e onde a forma de ser ouvido no seu próprio grupo é ser cada vez mais extremo, em uma dimensão que o diferencia dos outros grupos. Isso só separa ainda mais os grupos um do outro.

E hoje em dia há também tanta desinformação que as pessoas não são capazes de processá-la. Quando isso acontece, as pessoas olham em volta de si para ver o que as outras estão fazendo, e passam a considerar o exemplo dos demais a coisa racional a se fazer.

Isso significa que, no caso de um grupo pequeno, porém fortemente conectado, com crenças fortes e consistentes, poderá fazer com que todos os outros o sigam. Por exemplo, o tamanho da National Rifle Association em termos de associação é bem pequeno, é menor que a YMCA. No entanto, são tão coerentes e tão rígidos em suas crenças que conseguem fazer com que outras pessoas os sigam.

Kteily: Naturalmente, existem muitas razões para o pessimismo em relação ao futuro. E, é claro, estamos tendo essa conversa sobre conflitos durante um aumento da liderança política populista e autoritária em todo o mundo.

Mas é importante lembrar que estamos a alguns pontos percentuais de uma realidade radicalmente diferente em muitos países. Não é que os próprios países estejam mudando ideologicamente de uma direção para outra. Às vezes, essas fronteiras são tênues. Se conseguir mobilizar ou motivar uma certa base de eleitores a votar um pouco mais, não demoraria muito para que as coisas retrocedessem.

Wang: Também me sinto pessimista com fake news e câmaras de eco. No entanto, por outro lado, acredito que um número maior de organizações estão começando a reconhecer a importância de serem inclusivas à medida que a força de trabalho se torna mais diversificada.

Kteily: Às vezes aparecem esses paradoxos. Por exemplo, algo que aconteceu após o banimento de muçulmanos pelo Trump é que vemos realmente pessoas liberais apoiando muçulmanos em níveis maiores do que antes do banimento. Isso por um lado parece um aumento na tolerância, mas na verdade é impulsionada por algumas das mesmas dinâmicas de coalizão que resultam dessa polarização.

Wang: Sempre há o movimento de algo que repele e, em seguida, atrai de volta para o local de início.

Até mesmo alguns grupos ativistas sociais gostam de provocar conflitos. Eles dizem: "É melhor que a apatia". No que se refere às questões ambientais, por exemplo, ficar calado, não fazer nada, ser educado demais, nada disso é bom. Portanto, o conflito pode ser usado para o bem e para o mal. E isso é que é assustador agora. Precisamos apenas amplificar o lado positivo.

*Texto publicado originalmente no boletim Kellogg Insight, da Kellog School of Management

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