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Após a vacina, a aula: Universidade de Oxford abrirá centro no Rio para cursos na área da saúde

Em entrevista à EXAME, a médica brasileira Sue Ann Costa Clemens, fundadora e diretora da Oxford Latam Unit, fala sobre as motivações para trazer a universidade britânica ao Brasil e os diferenciais dos cursos

Sue Ann Costa Clemens, fundadora e diretora da sede de Oxford no Brasil: A ideia é que a Oxford Latam Unit seja uma referência de ciência e tecnologia global na América Latina (joe daniel price/Getty Images)

Sue Ann Costa Clemens, fundadora e diretora da sede de Oxford no Brasil: A ideia é que a Oxford Latam Unit seja uma referência de ciência e tecnologia global na América Latina (joe daniel price/Getty Images)

Publicado em 26 de setembro de 2023 às 17h16.

Última atualização em 27 de setembro de 2023 às 22h24.

Ela viu a sua avó fazendeira caçando cobras para estudo de soro e ajudou o pai a vacinar o gado da fazenda; naquela época Sue Ann Costa Clemens não sabia que de alguma forma sua família a inspirava a trabalhar com a criação de imunizantes.

Como médica, cientista e professora universitária, Sue Ann conta com mais de 25 anos de experiência na área da saúde e contribuiu para o desenvolvimento de mais de 20 vacinas e medicamentos licenciados no mundo - entre os imunizantes, Sue liderou os testes com a vacina da AstraZeneca durante a pandemia. Após ser homenageada pela rainha por sua contribuição durante a pandemia, a professora da Universidade de Oxford e de Siena foi além: ganhou uma cadeira vitalícia da universidade britânica e contribuiu para a fundação da primeira sede da Universidade de Oxford fora do Reino Unido, a Oxford Latam Unit, que será no Brasil.

Com a confirmação da sede no Rio de Janeiro, a previsão é de que as instalações da universidade britânica sejam lançadas ainda em dezembro deste ano.

“Com as instalações prontas neste ano na cidade do Rio de Janeiro, os primeiros cursos devem começar em março de 2024. Eles serão ministrados para brasileiros e estrangeiros, porque a ideia é que a Oxford Latam Unit seja uma referência de ciência e tecnologia global na América Latina.”

Sue Ann Costa Clemens com o professor Richard Moxon que fundou o Oxford Vaccine Group / Divulgação: Sue Ann Costa Clemens

Quando surgiu a ideia de trazer a Universidade de Oxford para o Brasil?

A Oxford Latam Unit surgiu durante a pandemia. Um grupo de cientistas brasileiros contribuiu com estudos e testes com a vacina da AstraZeneca/Oxford, segundo Sue Ann:

“Em 2021 criamos essa unidade de Oxford no Brasil pelo reconhecimento do nosso trabalho durante a pandemia, afinal, contribuímos para mostrar a eficácia da vacina desenvolvida por Oxford e com isso geramos dados de qualidade no Brasil, que foram inspecionados por cinco agências regulatórias a nível internacional."

O resultado pode ser comparado por meio dos centros, diz a médica. "Com apenas 6 centros, o Brasil conseguiu recrutar a mesma quantidade de vacinados que o Reino Unido em 19 centros."

A universidade é apenas um dos pilares dessa unidade, que se divide em três grupos, de acordo com a professora:

  • Pesquisa: que é conduzido desde 2020 com os testes das vacinas contra a covid-19;
  • Informação científica de qualidade: que são geradas por meio das pesquisas;
  • Educação: capacitação responsável dos profissionais das seguintes áreas – desenvolvimento clínico (fármacos e vacinas), doenças infecciosas e saúde global – que chega agora com a Oxford Latam Unit.

“A pesquisa e a informação científica estamos fazendo desde 2020, só a educação que vamos começar agora, porque os cursos precisavam ser criados e existem um processo para isso. Precisamos criar uma grade curricular que é submetida no formato da universidade de Oxford, que necessita de um tempo para aprovar.”

Quanto tempo demora para um curso ser aprovado?

Os cursos na Universidade de Oxford podem demorar de um a sete anos para serem aprovados. afirma Sue Ann. O diferencial dos cursos da Oxford Latam Unit é que além do certificado da universidade britânica, alguns cursos contarão com aprovação de mais de uma universidade.

“Estamos fazendo a aprovação dos cursos em nível de consórcio de universidades, o que é muito comum na Europa e que gera para o aluno mais certificados de valor. Por exemplo, alguns cursos foram aprovados por duas universidades, como a Universidade de Oxford e de Siena, e a gente está tentando aprovar aqui pelo MEC também,” diz Sue Ann.

Qual foi o investimento que contribuiu para a criação da Oxford Latam Unit?

Na última quarta-feira, 20, foi divulgada uma doação de £ 5 milhões, o que vale a mais de R$ 30 milhões, feita pela SAIL for Health, empresa brasileira de saúde global e desenvolvimento clínico, se tornando a maior doação a uma universidade, feita por uma instituição brasileira, para criar uma cadeira perpétua na universidade britânica.

“As cadeiras na Universidade de Oxford, dependendo da doação, podem durar dez, 20, 50 anos, mas essa cadeira é perpétua,” diz a professora da Oxford.

Após um processo de seleção, a dra. Sue foi escolhida para chefiar essa cadeira.

“Me senti honrada por ser a escolhida, porque isso se soma a minha missão, que é de aumentar os anos de vida da população por meio de uma medicina de qualidade e preventiva, mas para isso, nós, cientistas, precisamos de capacitação e acesso a tecnologias e inovação.”

Por que a sede será no Rio de Janeiro?

As parcerias ainda estão sendo construídas, e o Rio de Janeiro está contribuindo muito para isso, segundo a dra. Sue Ann.

“O fomento e as parcerias estão realmente nos levando para o Rio de Janeiro. O governo do Rio, principalmente a cidade do Rio de Janeiro, nos apoiou desde o início, desde que nós inauguramos a nossa unidade, sempre tivemos o apoio científico.”

Um dos cursos também contará com uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o que contribui para a escolha do local.

“A ideia desse investimento é fazer desse centro um polo de tecnologia, educação e ciência. Queremos expandir essa capacitação científica para o Brasil e a América Latina.”

Quais serão os cursos?

Os cursos da Oxford Latam Unit não serão ministrados apenas para alunos da América Latina. Assim como na Universidade de Oxford e Siena, os cursos serão abertos globalmente, e por isso todos serão ministrados em inglês. Os primeiros cursos serão de extensão e terão os seguintes nomes:

  • Biotecnologia e desenvolvimento de vacinas e fármacos (com as professoras de Oxford – todas condecoradas pela rainha: Sue Ann Clemens, Sarah Gilbert e Teresa Lambe): foi o primeiro a ser desenvolvido e terá como foco desenvolver o produto por meio de ensaios laboratoriais, passagem pelos testes e aprovação da eficácia.

“O público-alvo deste curso será profissionais de saúde pública que desenvolve a fórmula das vacinas, ou seja, profissionais com conhecimento em saúde e cientistas. Este curso será presencial de 4 semanas e terá um internato na Fiocruz.”

  • Saúde global e vacinologia: engloba estudos sobre doenças crônicas, doenças infecciosas, doenças negligenciáveis e vacinologia, que passa pelo desenvolvimento das vacinas, mas foca nos aspectos clínicos após o desenvolvimento, ou seja, contará com estudos de evidências no mundo real e como criar políticas públicas por meio desses dados.

“Neste curso, serão abordados temas mais globais, como nutrição e estudos de doenças, voltados para profissionais que não tenham o perfil de desenvolvimento do produto, mas que estudem a parte clínica, como análise de comitê da Anvisa e os tipos de vacinas para aquela doença. Será um curso mais aberto a profissionais de outras áreas.”

  • Pesquisa clínica — aspectos operacionais em vacinas e fármacos — aplicabilidade em Saúde Pública e Políticas de Saúde: será toda a parte técnica que leva o dado a ser aceitou ou não por uma agência regulatória.

“Esse terceiro curso será muito focado para o profissional que atua como coordenador de centro, que seja investigador ou sub-investigador, que trabalhe com logística do centro de vacinação.”

A médica também reforça que há um curso de mestrado que está sendo construído:

“O primeiro curso estamos trabalhando para transformá-lo em um curso de pós-graduação e há expectativas para que em 2026 seja lançado um curso de mestrado, que cubra as lacunas de pesquisa, imunidade, biotecnologia e políticas em saúde pública. A submissão está sendo realizada neste ano.”

Haverá bolsa de estudos?

Por ser um curso global, os valores dos cursos ainda estão sendo estudados, mas alguns cursos terão bolsas para alunos internacionais, e há buscas para bolsas nacionais também, afirma a Dra Sue.

“A nossa expectativa é de que em março cerca de dez alunos africanos terão bolsas e farão parte das primeiras turmas. Agora, estamos abordando instituições brasileiras para conseguir bolsas para alunos brasileiros. Temos como propósito que a Universidade de Oxford chegou no Brasil para o mundo,” afirma Dra Sue.

Qual é a missão da Universidade Latam Unit?

Entre algumas missões da Universidade Latam Unit, está a de entregar vacinas em até 100 dias e para isso é preciso desenvolver ações preparatórias, segundo Sue Ann.

“Se eu acho essa missão provável? Talvez. Temos uma lista de recordes, mas não chega aos 100 dias. Precisamos nos esforçar muito, e capacitação faz parte disso.

A médica reforça que é preciso também ter profissionais mais qualificados e profissional em volume suficiente: "Sentimos a falta de profissionais e de estrutura na pandemia. Por isso, reforço que para novos treinamentos, precisamos de investimos públicos e privados em pesquisa, infraestrutura e manufatura.”

Por que uma empresa brasileira investiu em uma faculdade do exterior?

A empresa está investindo em um “know-how” de qualidade, segundo Sue Ann.

“A Universidade de Oxford desenvolveu um produto de ponta a ponta. A universidade tem até uma fábrica para produzir o produto inicial para ser testado, só não pode fazer o escalonamento para produzir a vacina no mundo.”

Poucas universidades do mundo têm essa expertise, afirma a médica brasileira, que diz que no Brasil há muita inovação em genéricos, mas que não há exemplos de vacinas que foram desenvolvidos de ponta a ponta aqui.

"Ou temos transferência de tecnologia ou herdamos parte do processo de algum lugar. A ideia desse investimento na Universidade de Oxford é desenvolver a capacitação em conjunto. Não falta talento na América Latina, falta investimento.”

“Ouvi um dia do Nelson Mandela que a educação é uma das armas mais poderosas, e tenho certeza de que é. Se capacitarmos, teremos qualidade e volume no futuro para poder desenvolver o que é necessário em escala global. A Oxford Latam Unit faz parte desse investimento e estamos otimistas para começar”, afirma a professora de Oxford.

Como ter mais informações dos cursos?

Para os interessados em fazer parte das primeiras turmas da Oxford Latam Unit, a fonte para obter mais informações sobre os cursos e bolsas será pelo e-mail: education.oxfordlatam@sailforhealth.org

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