“Centro de crise” contra a pandemia em São Paulo, envolvendo cinco secretarias: como fazer tantas pessoas diferentes conversarem na mesma língua e saberem trabalhar juntas? (Amanda Perobelli/Reuters)
Leo Branco
Publicado em 25 de agosto de 2020 às 17h30.
Última atualização em 25 de agosto de 2020 às 19h17.
O avanço do vírus da covid-19 em solo paulista, primeiro epicentro da pandemia no país, virou quase tudo de cabeça para baixo, inclusive a prestação de serviços públicos.
Em meio à necessidade de quarentena, como monitorar o vai e vem de mais de 40 milhões de paulistas em 645 municípios? Ou, mais urgente ainda, como garantir alimento a mais de 170.000 crianças de famílias pobres, ficariam sem comer sem a merenda das escolas fechadas?
Os caminhos adotados pelo governo paulista para fazer frente às novas demandas envolveram o uso de metodologias ágeis, um modelo de gestão de equipes que remonta à virada dos anos 2000, com a popularização da internet e da colaboração entre desenvolvedores de softwares, que, não raro, trabalhavam em cidades ou países diferentes.
Em vez de o trabalho ser organizado de forma clássica — equipes diferentes atuando apartadas com pouca interação entre si até um produto ficar pronto —, a ideia da metodologia ágil é que times multidisciplinares encontrem respostas mais rapidamente e façam entregas curtas, chamadas de “produtos mínimos viáveis” (ou MVP, na sigla em inglês). A ideia é ir testando com frequência e, também, ir consertando os erros.
Com a chegada da covid-19 vieram uma série de novos problemas. Como tirar do papel a testagem da covid-19? De maneira ampliar a capacidade de internação do Sistema Único de Saúde para dar conta do aumento da demanda?
Para a secretária de desenvolvimento econômico do governo paulista, Patricia Ellen da Silva, o jeito foi mudar radicalmente a maneira de trabalhar dos servidores. “Era muito problema urgente para resolver”, diz Patricia. “Trabalhar como antes não daria certo.”
Natural da Vila das Belezas, uma região periférica da zona sul da capital paulista, Patricia chegou ao governo após anos como sócia da consultoria McKinsey com esquemas flexíveis de trabalho como os ágeis.
Em vez de dividir projetos em várias equipes com pouca interlocução entre si, o esquema foi reunir líderes de cinco secretarias e dezenas de autarquias numa equipe dedicada a vasculhar o governo em busca de ideias.
De quatro meses para cá, cerca de 80 representantes de cinco secretarias e dezenas de autarquias que raramente trabalhavam juntos se tornaram colegas na missão de vasculhar o governo inteiro em busca de ideias para enfrentar os desafios impostos pela crise.
Alguns do grupo batem ponto num salão de recepções do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, transformado num “centro de crise” contra a pandemia. Outros participam por videoconferência para evitar aglomerações. “Tudo foi muito ágil e organizado às pressas”, diz.
Um desafio comum às empresas é fazer tantas pessoas diferentes conversar na mesma língua e saber trabalhar juntas. Esse foi um percalço no governo paulista — como azeitar a relação entre gestores públicos acostumados ao salamaleque típico da burocracia brasileira com a objetividade de engenheiros de startups e órgãos técnicos convocados para missões urgentes, como ampliar os testes de covid-19? “Criamos uma rotina de reuniões diárias de acompanhamento dos projetos para ninguém ficar perdido”, diz Silva.
No fim das contas, o esquema resultou em 90 ideias contra a pandemia, a exemplo de uma parceria da Secretaria de Educação com a ONG Central Única de Favelas para transferir 51 reais por mês a título de merenda escolar às crianças carentes por meio de aplicativos de carteira virtual. Ou, então, parcerias com laboratórios privados para elevar 20 vezes a capacidade de testagem contra a covid-19 — foram mais de 2 milhões de resultados entre março e julho.
Ainda está cedo para dizer que o sistema serve de exemplo para outros governos. Afinal, os esquemas não contiveram a escalada da doença em São Paulo, estado com epidemia ainda em alta após seis meses, 756.000 casos e 28.000 mortes. Ainda assim, podem servir de guia para imaginar o futuro do trabalho num futuro pós-pandemia.