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O passo-a-passo do RH em 15 anos no Brasil

O que mudou nos sete principais pilares da gestão de pessoas nos últimos 15 anos no país e como isso impactou os processos de recursos humanos

A Evolução do RH (Marcelo Calenda)
DR

Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 16h42.

São Paulo - Numa época em que os gestores de recursos humanos se esforçam para reter os funcionários a fim de evitar o tão falado apagão de talentos, quase ninguém se lembra do tempo em que as empresas mal se importavam com as pessoas. “As organizações mantinham os empregados num processo de submissão e, mesmo ganhando mal, eles continuavam trabalhando”, relembra o coordenador do curso de gestão estratégica de pessoas do Ibmec de Brasília, Pedro Paulo Carbone. “Os contratos de trabalho eram quase vitalícios.”

Na década de 90, porém, foi iniciada a mudança dessa relação. Com a abertura do mercado brasileiro, a concorrência estrangeira, o Plano Real e a crise da Ásia, vieram também as grandes reestruturações empresariais. Foi o tempo dos downsizings e da reengenharia. “Os funcionários foram demitidos sem entender o porquê, quebrando a confiança até então mantida nos patrões”, explica outro professor de gestão de pessoas, Francisco Ramirez, do Insper . Aos que ficavam, os patrões avisavam: faça o trabalho de quantos puder, e eu garanto o seu mesmo salário. Os departamentos com 30 pessoas ficaram com quatro ou cinco. Para cada um que deixava o trabalho, abria um vazio maior na corporação, e a necessidade de repor passou a ser urgente.

Timidamente, começam a surgir questionamentos do atual modelo de gestão de pessoas e de como a mão de obra impacta até no resultado das nações. Como mensurar as relações de trabalho para a empresa? Como saber se treinar 1 000 funcionários é eficiente para o negócio? Se o aumento de 40% é suficiente ou não? De simples mão de obra, o recurso humano, diz o professor Paulo Carbone, do Ibmec , passa a ser visto como capital.

Nesse novo cenário, o RH começou a ser chamado — e sua vida mudou na empresa. Hoje, seu papel é muito diferente do que representava há 15 anos. “O RH deve ser, no mínimo, o que ele demanda do outro: criativo, inovador, agregador de valor na estratégia”, diz o professor Anderson Sant’Anna, coordenador do curso de liderança da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais.

Para entender como os gestores de recursos humanos encararam essas transformações e como as práticas de RH evoluíram no Brasil nos últimos 15 anos, a VOCÊ RH conversou com 34 especialistas, entre professores, consultores e executivos. Eles traçaram a trajetória corporativa ao longo desse período e contam como o RH atua (ou deveria atuar) hoje nos sete principais pilares que sustentam a gestão de pessoas: avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento, responsabilidade social, sucessão, saúde e qualidade de vida, remuneração e benefícios, atração, seleção e retenção.


Avaliação de desempenh o

No passado, a avaliação de desempenho era ligada à produção e ao controle do indivíduo: cumprimento de horário e metas e assiduidade. O processo era sigiloso e isolado. O funcionário não podia discordar nem se defender do julgamento e os resultados não interferiam na remuneração ou no seu desenvolvimento.

O primeiro passo para a evolução foi a inclusão do processo de feedback . Hoje, explica Eduardo Faro, gerente da consultoria em capital humano PricewaterhouseCoopers, a avaliação virou gestão do desempenho, com foco no indivíduo. Vale o que ele entrega (meta), mas também como entrega (comportamento) e, em alguns casos, como o da Whirlpool, passou a valer também quanto ele tentou (esforço). Diferentemente do que ocorria lá atrás, quando a avaliação era um processo pontual, hoje o funcionário é acompanhado, ouvido e aconselhado pelo gestor constantemente. E o resultado dessa atividade vai impactar seu destino na empresa.

Como mais um avanço do processo, as avaliações passaram a ser mais democráticas: em vez de o empregado ser avaliado só pelo chefe direto, ele recebe o feedback de pares do chefe e do chefe do chefe. É assim na Cielo, que até o final de 2011 pretende avaliar todos os funcionários em comitês. Depois da análise, eles são distribuídos numa matriz de desempenho composta de 12 perfis.

É uma adaptação do tradicional Nine Box (usado pela maioria das companhias) feita por Roberto Dumani, vice-presidente executivo de desenvolvimento organizacional, para diferenciar ainda mais os níveis de resultados dos colaboradores. Outra inovação, que segundo os consultores deve virar tendência, é que todos os executivos da Cielo têm metas associadas à boa gestão dos recursos humanos. “Se eles não cumprirem a meta, recebem menos bônus”, diz Dumani. Com esse modelo, o RH consegue antecipar problemas e atuar de maneira cirúrgica.

Treinamento e Desenvolvimento

As companhias costumavam treinar seus funcionários para mexer numa máquina ou usar um sistema de computador. “Há dez anos, as aulas eram mecanicistas, formatavam a pessoa”, diz Walérya Carriço, da consultoria de desenvolvimento Axialent. A partir do momento em que os produtos e serviços começaram a ser lançados cada vez mais rapidamente, as empresas se aproveitaram da popularização da internet para capacitar várias pessoas ao mesmo tempo nos cursos online.


Depois, veio a era da inteligência emocional e os RHs perceberam que precisavam trabalhar não só o técnico, mas principalmente a parte do comportamento. Explodiram os processos de coaching, mentoring, counselling e os exercícios de autoconhecimento. Afinal, a forma como o indivíduo se vê influencia diretamente suas atitudes com a equipe, com os clientes e com o chefe. Essa é a teoria da Racional Engenharia, que aposta no lema “Formar gente através de gente”, em vez da tradicional sala de aula. O método ajuda a treinar os 700 empregados próprios e os 14 000 terceiros, espalhados em 15 obras.

Há dois anos, os líderes passam por treinamento sobre autoconhecimento e avaliam sua vida e seus valores pessoais e profissionais — e isso vai descendo até chegar às obras. Os trainees são acompanhados de perto por tutores (diretores, vice-presidente e o próprio presidente), que orientam a carreira e o comportamento. Outros 18 mentores orientam os níveis operacionais. Resultado: em dez anos a Racional perdeu menos de cinco colaboradores.

Neste ano, a companhia gastará 10 milhões de reais em educação corporativa, gestão do conhecimento e tecnologia. Dentre os projetos há um portal com redes sociais, Wikis e outras ferramentas de compartilhamento de informações, que no futuro conectará todos os stackholders.

Outra tendência nesse pilar para 2011, segundo a sócia-diretora da Angeramis Desenvolvimento Profissional, Fernanda Angerami, é a mediação de conflitos. “As empresas incentivaram que cada um opinasse e sugerisse ideias. Agora, precisam de alguém que case as opiniões para que elas sejam produtivas.”

Responsabilidade Social

Doar agasalhos no inverno e alimentos no Natal, ou reciclar garrafas PET e óleo de cozinha. Era isso o que as companhias entendiam por responsabilidade social. Apesar de muitas companhias ainda estarem nesse patamar, o conceito de responsabilidade social corporativa evoluiu bastante nos últimos 15 anos.

O primeiro selo para reconhecer uma empresa socialmente responsável, o SA 8000, foi lançado em 1997 por uma agência internacional americana. No ano seguinte, no Brasil, um grupo de executivos abriu o Instituto Ethos. “A partir daí o conceito passou a ser difundido no país”, diz Paulo Itacarambi, vice-presidente do instituto.


As companhias criaram áreas específicas de responsabilidade social (que hoje estão quase sempre sob responsabilidade do RH) e, com o tempo, entenderam que não bastava só ajudar a sociedade. Começaram as parcerias com as organizações não governamentais e os projetos de educação nas comunidades de baixa renda. “Antes a preocupação era ficar bonito na foto, depois virou algo alinhado com a estratégia”, diz Rosmary Delboni, diretora da Key Associados, consultoria que ajuda corporações a desenvolver projetos sociais. Nasceu o conceito de sustentabilidade.

Atualmene, a última palavra em responsabilidade social é o marketing relacionado a causas (MRC). Uma instituição que tem vocação social e quer atuar de forma direcionada identifica organizações do Terceiro Setor para representá-las, como fez a Alpargatas . Em 2003, a fabricante de calçados criou um instituto que contribui para a melhoria da educação de crianças de 7 anos a jovens de 29 anos, promovendo esporte nas comunidades (e também sua marca esportiva Topper).

Em 2004, a empresa assinou uma parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) e criou uma linha de produtos com imagens de animais, da qual 7% do lucro líquido das vendas é direcionado para conservação da biodiversidade. “As organizações perceberam que a relação com o consumidor vai além da compra do produto, pois ele quer entender que a marca cuida da comunidade onde habita”, diz a diretora de RH, Márcia Costa.

Sucessão

Apesar da discussão intensa, o avanço nos processos sucessórios das empresas ainda é tímido. Segundo Manuel Martins, consultor da Mesa, especializada em governança corporativa, hoje de 20% a 30% do mercado tem planos de sucessão mais estruturados, e nessa faixa estão maciçamente as empresas globais americanas. “As familiares ainda sofrem com isso”, diz Martins.

O consultor Cesar Souza, presidente da Empreenda, alerta que, no aspecto sucessório, o mercado evoluiu mais no nível da consciência do que no nível da atuação. “Muitas vezes, a companhia avança nisso apenas por circunstâncias externas, como uma abertura de capital, uma fusão ou aquisição.”


Nos últimos 15 anos, além dos fatores externos, as ferramentas de RH, como coaching e avaliação de potencial e desempenho, estimularam algumas mudanças na forma como a sucessão vem sendo administrada nas organizações. Lá atrás, por exemplo, esse assunto era preocupação exclusiva do topo da empresa. Hoje, ele desceu para outros níveis.

Os planos de sucessão ganharam um pouco mais de transparência também. Na década de 90, o assunto era considerado segredo absoluto. “Esconder isso hoje é ir na contramão do modelo atual de gestão de pessoas”, diz Jorge Ruivo, presidente da Wiabiliza. A transparência passa também pelos critérios de escolha do sucessor, que hoje são divulgados nas ferramentas de avaliação, e pela forma como esses candidatos são escolhidos. “O que era decidido muitas vezes apenas por uma pessoa, passa agora por um comitê”, diz Martins.

A IBM é um exemplo de companhia que foi mexendo na forma como fazia a sucessão. Os critérios para escolher um sucessor lá atrás eram focados nacompetência técnica, no tempo de casa a no carisma da pessoa. Entre as mudanças ocorridas, a IBM investiu na transparência, deixando claro em suas avaliações as competências que espera de uma pessoa para ela ser considerada para uma posição-chave. E as tais posições-chave são muito maiores que há 15 anos. “A pirâmide organizacional mudou”, diz Carlos Magni, diretor de RH da IBM.

“Com isso, hoje 20% das nossas posições são consideradas chave (inclusive no nível técnico). Antes, representavam um quinto desse total.” No rol das mudanças, a organização passou a revelar também aos potenciais sucessores as intenções e as alternativas para a carreira deles. Entre elas está a mudança de país, o que impacta também em mais uma mudança no processo sucessório. “Antes, o funcionário era do Brasil. Hoje, ele é um recurso da IBM no mundo e poderá suceder alguém em outras regiões do globo”, completa Magni.

Saúde e Qualidade de Vida

Em 1996 pouquíssimas pessoas tinham acesso a e-mail. Telefone celular era artigo raríssimo, e se você quisesse tirar 30 dias de férias e sumir do mapa era completamente aceitável. Impossível viver essa realidade hoje. A tecnologia mudou radicalmente o conceito de qualidade de vida e a forma como esse assunto é tratado nos corredores corporativos.

Nunca houve tanto programa de sáude e bem-estar como agora. Para benefício do empregado? Há controvérsias. “O que vejo acontecer é que as companhias pressionam os funcionários e depois colocam os programas como paliativos, tornando todos mais resistentes”, diz Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Brasil, instituição internacional que estuda qualidade de vida. Ana Maria conta que em 2005 ela organizou o primeiro local específico para relaxamento em uma empresa. “Antes, ter uma sala dessas era um diferencial. Hoje, isso virou necessidade.”


Se voltarmos mais na linha do tempo, na década de 1980, a preocupação com saúde nas organizações limitava-se a oferecer boas condições de trabalho, para não afetar a produtividade. Já na década de 1990, a preocupação cresceu para os fatos que influenciam a vida do funcionário e causam despesas galopantes nos caixas das empresas. É a era dos benefícios.

“A empresa nessa época começa a oferecer creche, auxílio-educação, plano odontológico, inclusão de dependentes nos planos de saúde e check-ups”, diz Ricardo Lobão, da consultoria Towers Watson. Nos anos 2000, a palavra de ordem passa a ser comportamento. “Perceberam que não adianta apenas dar benefícios. Precisam entender como os funcionários usam isso”, completa Lobão. Nessa época, os benefícios cedem lugar aos programas de qualidade de vida, como mapeamento dos doentes crônicos, campanhas antitabagismo, organização de grupos de corridas, dietas saudáveis nos refeitórios e, claro, as salinhas de relaxamento.

Remuneração e benefícios

As principais mudanças em relação à política de remuneração nas empresas ocorreram após alguns eventos internacionais traumáticos. Até o final da década de 1990, a fórmula para pagar um funcionário era simples: salário-base mais bônus e a participação de lucros e resultados (PLR). Na virada do milênio, o modelo de longo prazo ganha força nas empresas com a entrada das stock options. “Isso coincide com a época da falência da Enron e da Arthur Andersen”, diz Fernando Pedó, consultor da Mercer.

.“Com esses eventos, as companhias começam a pensar em algo que conecte o funcionário no longo prazo.” No Brasil, a valorização dos pacotes de ações só aconteceu após os primeiros IPOs (sigla em inglês para abertura de capital), em 2006. Dois anos após, a crise econômica mundial e a quebradeira de bancos exigiram maior transparência nos salários de executivos, valorizando o conceito de governança corporativa.

A política de benefícios acompanhou a mudança do mercado. O beneflex, que surgiu nos anos 1990 como um poderoso instrumento de retenção, não decolou por problemas na legislação trabalhista. Sendo assim, os modelos receberam pouco incremento. De acordo com  Pedó, os pacotes de benefícios até perderam um pouco de peso na composição da remuneração a partir de 2003.

“Hoje, o benefício maior é ter carro blindado”, diz ele. O plano de saúde mudou de configuração, passando para o modelo de coparticipação, no qual os funcionários pagam uma parte dos serviços adquiridos. Com o mesmo objetivo de redução de custos, surge o PBM (sigla em inglês para pharmacy benefit management), mecanismo que possibilita rastrear os gastos com remédios efetuados pelos funcionários.


Já os incentivos à educação não cresceram, apenas ganharam uma política um pouco mais definida. Outros itens que há 15 anos eram chamados de benefícios simplesmente viraram instrumentos de trabalho, como o laptop e os celulares, que se transformaram em smartphones.

Atração, Seleção, Retenção

Há 15 anos, sobrava gente no mercado brasileiro e faltavam vagas nas organizações. Hoje, o cenário é oposto, e essa inversão de realidade gerou muitas mudanças no pilar mais importante da área de RH: o que atrai, escolhe e segura pessoas. A forma de selecionar atualmente nada tem a ver com o velho envio de currículos do passado.

Num mundo digital, para atrair seus profissionais, as empresas conversam com os candidatos pelo computador (seja pelas redes sociais, como o LinkedIn , seja por plataformas próprias). Ao criar sua plataforma no ano passado, por exemplo, o Santander mudou a forma de se comunicar com os jovens e conseguiu manter um relacionamento constante com esse público.

Já contrataram por meio dessa ferramenta 708 pessoas. “Os processos ficaram mais simplificados e ágeis”, diz Willian Bull, do Instituto Pieron, em São Paulo. “Perderam a força os testes psicológicos, os psicotécnicos e mesmo o rigor com a escolaridade.” Segundo Bull, as companhias hoje ligam muito menos para experiência e competência e olham muito mais o potencial dos candidatos.

“Antes, você contratava alguém para aquele cargo. Hoje, você pensa que ali tem alguém para fazer alguma coisa na empresa.” Outra mudança recente, impactada também pela entrada da Geração Y no mercado, é buscar pessoas cujos valores estejam alinhados à cultura da companhia.

Antes da aquisição pelo Santander, em 2007, o Real fazia sua seleção por meio dos próprios gestores. “O turnover chegou a 19% ao ano”, diz Lilian Guimarães, vice-presidente executiva de RH. Hoje, o Santander trabalha com parceiros para selecionar os candidatos, mas, em vez de apenas delegar o serviço, estreitou o relacionamento com essas empresas para explicar exatamente quem é o profissional que eles buscam.

O presidente do banco na época, Fabio C. Barbosa, reuniu em 2010 todos esses parceiros e explicou que buscava pessoas conectadas com os valores da empresa. A ideia é que, acertando na porta de entrada, fique mais fácil reter depois. Mais uma mudança significativa no processo de seleção e retenção do banco foi a valorização dada ao programa de mobilidade interna.

“Nós já tínhamos o programa, mas havia muitas restrições”, diz Lilian. Hoje, a ordem é buscar no mercado apenas estagiários e funcionários da base. O restante precisa se mover na organização. “As exceções, em qualquer nível, devem ser aprovadas por mim”, explica Lilian. Com o investimento no público interno, o turnover do Santander caiu para 11%.

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São Paulo - Numa época em que os gestores de recursos humanos se esforçam para reter os funcionários a fim de evitar o tão falado apagão de talentos, quase ninguém se lembra do tempo em que as empresas mal se importavam com as pessoas. “As organizações mantinham os empregados num processo de submissão e, mesmo ganhando mal, eles continuavam trabalhando”, relembra o coordenador do curso de gestão estratégica de pessoas do Ibmec de Brasília, Pedro Paulo Carbone. “Os contratos de trabalho eram quase vitalícios.”

Na década de 90, porém, foi iniciada a mudança dessa relação. Com a abertura do mercado brasileiro, a concorrência estrangeira, o Plano Real e a crise da Ásia, vieram também as grandes reestruturações empresariais. Foi o tempo dos downsizings e da reengenharia. “Os funcionários foram demitidos sem entender o porquê, quebrando a confiança até então mantida nos patrões”, explica outro professor de gestão de pessoas, Francisco Ramirez, do Insper . Aos que ficavam, os patrões avisavam: faça o trabalho de quantos puder, e eu garanto o seu mesmo salário. Os departamentos com 30 pessoas ficaram com quatro ou cinco. Para cada um que deixava o trabalho, abria um vazio maior na corporação, e a necessidade de repor passou a ser urgente.

Timidamente, começam a surgir questionamentos do atual modelo de gestão de pessoas e de como a mão de obra impacta até no resultado das nações. Como mensurar as relações de trabalho para a empresa? Como saber se treinar 1 000 funcionários é eficiente para o negócio? Se o aumento de 40% é suficiente ou não? De simples mão de obra, o recurso humano, diz o professor Paulo Carbone, do Ibmec , passa a ser visto como capital.

Nesse novo cenário, o RH começou a ser chamado — e sua vida mudou na empresa. Hoje, seu papel é muito diferente do que representava há 15 anos. “O RH deve ser, no mínimo, o que ele demanda do outro: criativo, inovador, agregador de valor na estratégia”, diz o professor Anderson Sant’Anna, coordenador do curso de liderança da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais.

Para entender como os gestores de recursos humanos encararam essas transformações e como as práticas de RH evoluíram no Brasil nos últimos 15 anos, a VOCÊ RH conversou com 34 especialistas, entre professores, consultores e executivos. Eles traçaram a trajetória corporativa ao longo desse período e contam como o RH atua (ou deveria atuar) hoje nos sete principais pilares que sustentam a gestão de pessoas: avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento, responsabilidade social, sucessão, saúde e qualidade de vida, remuneração e benefícios, atração, seleção e retenção.


Avaliação de desempenh o

No passado, a avaliação de desempenho era ligada à produção e ao controle do indivíduo: cumprimento de horário e metas e assiduidade. O processo era sigiloso e isolado. O funcionário não podia discordar nem se defender do julgamento e os resultados não interferiam na remuneração ou no seu desenvolvimento.

O primeiro passo para a evolução foi a inclusão do processo de feedback . Hoje, explica Eduardo Faro, gerente da consultoria em capital humano PricewaterhouseCoopers, a avaliação virou gestão do desempenho, com foco no indivíduo. Vale o que ele entrega (meta), mas também como entrega (comportamento) e, em alguns casos, como o da Whirlpool, passou a valer também quanto ele tentou (esforço). Diferentemente do que ocorria lá atrás, quando a avaliação era um processo pontual, hoje o funcionário é acompanhado, ouvido e aconselhado pelo gestor constantemente. E o resultado dessa atividade vai impactar seu destino na empresa.

Como mais um avanço do processo, as avaliações passaram a ser mais democráticas: em vez de o empregado ser avaliado só pelo chefe direto, ele recebe o feedback de pares do chefe e do chefe do chefe. É assim na Cielo, que até o final de 2011 pretende avaliar todos os funcionários em comitês. Depois da análise, eles são distribuídos numa matriz de desempenho composta de 12 perfis.

É uma adaptação do tradicional Nine Box (usado pela maioria das companhias) feita por Roberto Dumani, vice-presidente executivo de desenvolvimento organizacional, para diferenciar ainda mais os níveis de resultados dos colaboradores. Outra inovação, que segundo os consultores deve virar tendência, é que todos os executivos da Cielo têm metas associadas à boa gestão dos recursos humanos. “Se eles não cumprirem a meta, recebem menos bônus”, diz Dumani. Com esse modelo, o RH consegue antecipar problemas e atuar de maneira cirúrgica.

Treinamento e Desenvolvimento

As companhias costumavam treinar seus funcionários para mexer numa máquina ou usar um sistema de computador. “Há dez anos, as aulas eram mecanicistas, formatavam a pessoa”, diz Walérya Carriço, da consultoria de desenvolvimento Axialent. A partir do momento em que os produtos e serviços começaram a ser lançados cada vez mais rapidamente, as empresas se aproveitaram da popularização da internet para capacitar várias pessoas ao mesmo tempo nos cursos online.


Depois, veio a era da inteligência emocional e os RHs perceberam que precisavam trabalhar não só o técnico, mas principalmente a parte do comportamento. Explodiram os processos de coaching, mentoring, counselling e os exercícios de autoconhecimento. Afinal, a forma como o indivíduo se vê influencia diretamente suas atitudes com a equipe, com os clientes e com o chefe. Essa é a teoria da Racional Engenharia, que aposta no lema “Formar gente através de gente”, em vez da tradicional sala de aula. O método ajuda a treinar os 700 empregados próprios e os 14 000 terceiros, espalhados em 15 obras.

Há dois anos, os líderes passam por treinamento sobre autoconhecimento e avaliam sua vida e seus valores pessoais e profissionais — e isso vai descendo até chegar às obras. Os trainees são acompanhados de perto por tutores (diretores, vice-presidente e o próprio presidente), que orientam a carreira e o comportamento. Outros 18 mentores orientam os níveis operacionais. Resultado: em dez anos a Racional perdeu menos de cinco colaboradores.

Neste ano, a companhia gastará 10 milhões de reais em educação corporativa, gestão do conhecimento e tecnologia. Dentre os projetos há um portal com redes sociais, Wikis e outras ferramentas de compartilhamento de informações, que no futuro conectará todos os stackholders.

Outra tendência nesse pilar para 2011, segundo a sócia-diretora da Angeramis Desenvolvimento Profissional, Fernanda Angerami, é a mediação de conflitos. “As empresas incentivaram que cada um opinasse e sugerisse ideias. Agora, precisam de alguém que case as opiniões para que elas sejam produtivas.”

Responsabilidade Social

Doar agasalhos no inverno e alimentos no Natal, ou reciclar garrafas PET e óleo de cozinha. Era isso o que as companhias entendiam por responsabilidade social. Apesar de muitas companhias ainda estarem nesse patamar, o conceito de responsabilidade social corporativa evoluiu bastante nos últimos 15 anos.

O primeiro selo para reconhecer uma empresa socialmente responsável, o SA 8000, foi lançado em 1997 por uma agência internacional americana. No ano seguinte, no Brasil, um grupo de executivos abriu o Instituto Ethos. “A partir daí o conceito passou a ser difundido no país”, diz Paulo Itacarambi, vice-presidente do instituto.


As companhias criaram áreas específicas de responsabilidade social (que hoje estão quase sempre sob responsabilidade do RH) e, com o tempo, entenderam que não bastava só ajudar a sociedade. Começaram as parcerias com as organizações não governamentais e os projetos de educação nas comunidades de baixa renda. “Antes a preocupação era ficar bonito na foto, depois virou algo alinhado com a estratégia”, diz Rosmary Delboni, diretora da Key Associados, consultoria que ajuda corporações a desenvolver projetos sociais. Nasceu o conceito de sustentabilidade.

Atualmene, a última palavra em responsabilidade social é o marketing relacionado a causas (MRC). Uma instituição que tem vocação social e quer atuar de forma direcionada identifica organizações do Terceiro Setor para representá-las, como fez a Alpargatas . Em 2003, a fabricante de calçados criou um instituto que contribui para a melhoria da educação de crianças de 7 anos a jovens de 29 anos, promovendo esporte nas comunidades (e também sua marca esportiva Topper).

Em 2004, a empresa assinou uma parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) e criou uma linha de produtos com imagens de animais, da qual 7% do lucro líquido das vendas é direcionado para conservação da biodiversidade. “As organizações perceberam que a relação com o consumidor vai além da compra do produto, pois ele quer entender que a marca cuida da comunidade onde habita”, diz a diretora de RH, Márcia Costa.

Sucessão

Apesar da discussão intensa, o avanço nos processos sucessórios das empresas ainda é tímido. Segundo Manuel Martins, consultor da Mesa, especializada em governança corporativa, hoje de 20% a 30% do mercado tem planos de sucessão mais estruturados, e nessa faixa estão maciçamente as empresas globais americanas. “As familiares ainda sofrem com isso”, diz Martins.

O consultor Cesar Souza, presidente da Empreenda, alerta que, no aspecto sucessório, o mercado evoluiu mais no nível da consciência do que no nível da atuação. “Muitas vezes, a companhia avança nisso apenas por circunstâncias externas, como uma abertura de capital, uma fusão ou aquisição.”


Nos últimos 15 anos, além dos fatores externos, as ferramentas de RH, como coaching e avaliação de potencial e desempenho, estimularam algumas mudanças na forma como a sucessão vem sendo administrada nas organizações. Lá atrás, por exemplo, esse assunto era preocupação exclusiva do topo da empresa. Hoje, ele desceu para outros níveis.

Os planos de sucessão ganharam um pouco mais de transparência também. Na década de 90, o assunto era considerado segredo absoluto. “Esconder isso hoje é ir na contramão do modelo atual de gestão de pessoas”, diz Jorge Ruivo, presidente da Wiabiliza. A transparência passa também pelos critérios de escolha do sucessor, que hoje são divulgados nas ferramentas de avaliação, e pela forma como esses candidatos são escolhidos. “O que era decidido muitas vezes apenas por uma pessoa, passa agora por um comitê”, diz Martins.

A IBM é um exemplo de companhia que foi mexendo na forma como fazia a sucessão. Os critérios para escolher um sucessor lá atrás eram focados nacompetência técnica, no tempo de casa a no carisma da pessoa. Entre as mudanças ocorridas, a IBM investiu na transparência, deixando claro em suas avaliações as competências que espera de uma pessoa para ela ser considerada para uma posição-chave. E as tais posições-chave são muito maiores que há 15 anos. “A pirâmide organizacional mudou”, diz Carlos Magni, diretor de RH da IBM.

“Com isso, hoje 20% das nossas posições são consideradas chave (inclusive no nível técnico). Antes, representavam um quinto desse total.” No rol das mudanças, a organização passou a revelar também aos potenciais sucessores as intenções e as alternativas para a carreira deles. Entre elas está a mudança de país, o que impacta também em mais uma mudança no processo sucessório. “Antes, o funcionário era do Brasil. Hoje, ele é um recurso da IBM no mundo e poderá suceder alguém em outras regiões do globo”, completa Magni.

Saúde e Qualidade de Vida

Em 1996 pouquíssimas pessoas tinham acesso a e-mail. Telefone celular era artigo raríssimo, e se você quisesse tirar 30 dias de férias e sumir do mapa era completamente aceitável. Impossível viver essa realidade hoje. A tecnologia mudou radicalmente o conceito de qualidade de vida e a forma como esse assunto é tratado nos corredores corporativos.

Nunca houve tanto programa de sáude e bem-estar como agora. Para benefício do empregado? Há controvérsias. “O que vejo acontecer é que as companhias pressionam os funcionários e depois colocam os programas como paliativos, tornando todos mais resistentes”, diz Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Brasil, instituição internacional que estuda qualidade de vida. Ana Maria conta que em 2005 ela organizou o primeiro local específico para relaxamento em uma empresa. “Antes, ter uma sala dessas era um diferencial. Hoje, isso virou necessidade.”


Se voltarmos mais na linha do tempo, na década de 1980, a preocupação com saúde nas organizações limitava-se a oferecer boas condições de trabalho, para não afetar a produtividade. Já na década de 1990, a preocupação cresceu para os fatos que influenciam a vida do funcionário e causam despesas galopantes nos caixas das empresas. É a era dos benefícios.

“A empresa nessa época começa a oferecer creche, auxílio-educação, plano odontológico, inclusão de dependentes nos planos de saúde e check-ups”, diz Ricardo Lobão, da consultoria Towers Watson. Nos anos 2000, a palavra de ordem passa a ser comportamento. “Perceberam que não adianta apenas dar benefícios. Precisam entender como os funcionários usam isso”, completa Lobão. Nessa época, os benefícios cedem lugar aos programas de qualidade de vida, como mapeamento dos doentes crônicos, campanhas antitabagismo, organização de grupos de corridas, dietas saudáveis nos refeitórios e, claro, as salinhas de relaxamento.

Remuneração e benefícios

As principais mudanças em relação à política de remuneração nas empresas ocorreram após alguns eventos internacionais traumáticos. Até o final da década de 1990, a fórmula para pagar um funcionário era simples: salário-base mais bônus e a participação de lucros e resultados (PLR). Na virada do milênio, o modelo de longo prazo ganha força nas empresas com a entrada das stock options. “Isso coincide com a época da falência da Enron e da Arthur Andersen”, diz Fernando Pedó, consultor da Mercer.

.“Com esses eventos, as companhias começam a pensar em algo que conecte o funcionário no longo prazo.” No Brasil, a valorização dos pacotes de ações só aconteceu após os primeiros IPOs (sigla em inglês para abertura de capital), em 2006. Dois anos após, a crise econômica mundial e a quebradeira de bancos exigiram maior transparência nos salários de executivos, valorizando o conceito de governança corporativa.

A política de benefícios acompanhou a mudança do mercado. O beneflex, que surgiu nos anos 1990 como um poderoso instrumento de retenção, não decolou por problemas na legislação trabalhista. Sendo assim, os modelos receberam pouco incremento. De acordo com  Pedó, os pacotes de benefícios até perderam um pouco de peso na composição da remuneração a partir de 2003.

“Hoje, o benefício maior é ter carro blindado”, diz ele. O plano de saúde mudou de configuração, passando para o modelo de coparticipação, no qual os funcionários pagam uma parte dos serviços adquiridos. Com o mesmo objetivo de redução de custos, surge o PBM (sigla em inglês para pharmacy benefit management), mecanismo que possibilita rastrear os gastos com remédios efetuados pelos funcionários.


Já os incentivos à educação não cresceram, apenas ganharam uma política um pouco mais definida. Outros itens que há 15 anos eram chamados de benefícios simplesmente viraram instrumentos de trabalho, como o laptop e os celulares, que se transformaram em smartphones.

Atração, Seleção, Retenção

Há 15 anos, sobrava gente no mercado brasileiro e faltavam vagas nas organizações. Hoje, o cenário é oposto, e essa inversão de realidade gerou muitas mudanças no pilar mais importante da área de RH: o que atrai, escolhe e segura pessoas. A forma de selecionar atualmente nada tem a ver com o velho envio de currículos do passado.

Num mundo digital, para atrair seus profissionais, as empresas conversam com os candidatos pelo computador (seja pelas redes sociais, como o LinkedIn , seja por plataformas próprias). Ao criar sua plataforma no ano passado, por exemplo, o Santander mudou a forma de se comunicar com os jovens e conseguiu manter um relacionamento constante com esse público.

Já contrataram por meio dessa ferramenta 708 pessoas. “Os processos ficaram mais simplificados e ágeis”, diz Willian Bull, do Instituto Pieron, em São Paulo. “Perderam a força os testes psicológicos, os psicotécnicos e mesmo o rigor com a escolaridade.” Segundo Bull, as companhias hoje ligam muito menos para experiência e competência e olham muito mais o potencial dos candidatos.

“Antes, você contratava alguém para aquele cargo. Hoje, você pensa que ali tem alguém para fazer alguma coisa na empresa.” Outra mudança recente, impactada também pela entrada da Geração Y no mercado, é buscar pessoas cujos valores estejam alinhados à cultura da companhia.

Antes da aquisição pelo Santander, em 2007, o Real fazia sua seleção por meio dos próprios gestores. “O turnover chegou a 19% ao ano”, diz Lilian Guimarães, vice-presidente executiva de RH. Hoje, o Santander trabalha com parceiros para selecionar os candidatos, mas, em vez de apenas delegar o serviço, estreitou o relacionamento com essas empresas para explicar exatamente quem é o profissional que eles buscam.

O presidente do banco na época, Fabio C. Barbosa, reuniu em 2010 todos esses parceiros e explicou que buscava pessoas conectadas com os valores da empresa. A ideia é que, acertando na porta de entrada, fique mais fácil reter depois. Mais uma mudança significativa no processo de seleção e retenção do banco foi a valorização dada ao programa de mobilidade interna.

“Nós já tínhamos o programa, mas havia muitas restrições”, diz Lilian. Hoje, a ordem é buscar no mercado apenas estagiários e funcionários da base. O restante precisa se mover na organização. “As exceções, em qualquer nível, devem ser aprovadas por mim”, explica Lilian. Com o investimento no público interno, o turnover do Santander caiu para 11%.

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