Rizzo Miranda: Você queria exuberância em Tóquio? Repense sua bolha
Saia de sua bolha bacanona e entenda que tecnologia não é chip: tecnologia é o uso de recursos inventivos que transformam algo na vida do homem
Bússola
Publicado em 24 de julho de 2021 às 15h50.
Última atualização em 29 de julho de 2021 às 15h40.
Por Rizzo Miranda*
Sério que você esperava uma abertura exuberante, colorida e lacradora em termos de festa lá em Tóquio? Li vários comentários de gente que admiro dizendo que foi simples demais, pobre e que poderia ter sido muito mais tecnológica. E, pior, comparando com outras cerimônias icônicas como a inesquecível moscovita e a vibe da alegria micareta do Brasil no Rio de Janeiro em 2016.
Para você que pensou assim eu queria apenas alertar: pare. Se você pensou isso não entendeu nada do mundo em que estamos e sua bolha é bem forte e bacanona, né? O momento olímpico de Tóquio de 2020 – que emerge em julho de 2021 – busca o tempo perdido naquele mundo que esteve ali no estádio, na abertura, retratado de forma absolutamente perfeita, na minha opinião.
Mostrou nossa solidão na pandemia com os atletas – e aconteceu com nós todos – treinando em insípidas e obrigatórias esteiras de corrida na vida como ela ainda é. Colocou nossas angústias na dramática e belíssima apresentação do ator que desenvolveu sobre o tablado uma coreografia espasmódica, envolta em panos e no silêncio pesado do estádio olímpico. Ele nos deu o tom e as lembranças duras das perdas provocadas pela pandemia. Uma coreografia que realçava pó e ansiedade que resumem bem tudo o que ainda estamos vivendo ainda pois a tal “pós-pandemia” nada mais é do que um certo futuro prospectável. Mais nada. Não é o presente.
E ouvi o Fernando Meirelles falar que achou tudo simples demais e que esperava mais tecnologia. Como assim? O que seria então o planeta criado com drones
“treinados” enquanto crianças (com estrelas de cada continente) cantavam “Imagine”, de John Lennon? “Imagine” é o hino dos sonhadores que lembra, de forma ainda tão atualizada, a importância das conexões entre pessoas e povos para continuarmos a sonhar. Quer mais tecnologia que isso? A tecnologia não é chip. A tecnologia é o uso de recursos inventivos que transformam algo na vida do homem. Como a roda. Como as mensagens de resistência e de reconstrução.
Os cinco aros do símbolo olímpico foram feitos de madeira tirada de árvores plantadas durante os jogos de 1964, que também foram no Japão. Uma lembrança de que sustentabilidade é a única maneira de prolongarmos a vida no planeta além do que está previsto no perverso relógio da destruição ambiental que já é, sim, a pandemia instalada que muito esperavam para daqui a alguns séculos e já está violentamente batendo na nossa porta.
E, para finalizar, se você não se emocionou com a Naomi Osaka, tenista japonesa que tem quebrado padrões no mundo de Serena Williams, “subindo” o “Monte Fuji” para acender a mágica pira olímpica, você precisa diagnosticar, de novo, sua bolha. Saia dela. Fuja. Acorde.
Naomi tem levantado bandeiras antirracistas e, especialmente, falado e agido contra a pressão da mídia em cima de seus ídolos, colocando a saúde mental como uma questão que está na mesa e precisa ser discutida. E ela não está sozinha. Naomi somos nós. A pandemia tem derretido nossas estruturas mentais e, como parte da geração coronial, sabemos todos que esta desidratação psicológica vai nos acompanhar para sempre.
É isso. A simplicidade da cerimônia na abertura de Tóquio 2020 é, na verdade, uma adaga que fere fundo e eviscera nossa realidade. É a escassez que nos determina nestes tempos e não a exuberância. Esta, em Tóquio, seria de uma distopia inaceitável.
Que as disputas dos jogos nos tragam a tão esperada emoção que a competição sempre entrega. Sabemos que ela virá sob o signo de 2020. É a nossa história. E vamos vivê-la com essa perspectiva. Podemos e devemos projetar sermos felizes com isso. Mas, jamais esquecer a estrada que nos trouxe até aqui no último ano e meio. Chega dessa distopia louca e dessas projeções de “novo normal”, não é mesmo? Precisamos muito de novos tempos e esperança. Mas não há espaço para desprezar nossas cicatrizes. Parabéns Tóquio! Que comecem os jogos!
*Rizzo Miranda é sócia-diretora Digital&Inovação da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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